"Não temos para onde ir." Quase cem pessoas despejadas em Loures, câmara garante acompanhamento
Quando os moradores foram à procura de respostas, foi-lhes apenas dito: "'Se estão a aguentar e se está mau, por que é que não vão para os vossos países?'" A população não tem "nenhum rumo, nenhuma solução e nem sabe para onde ir"
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A associação Vida Justa tentou esta quinta-feira travar a demolição de 15 casas autoconstruídas e o despejo de nove apartamentos que albergam perto de uma centena de pessoas, em Loures, distrito de Lisboa. A instituição foi contactada pelos moradores que dizem - sem pré-aviso - terem-se deparado com um papel nas portas: 'Têm 48h para sair. Estas casas serão demolidas na manhã do dia 12 de dezembro.' A Câmara de Loures assegurou à TSF que a autarquia está a acompanhar estes moradores que vão ser desalojados das habitações precárias em que residem e que terão respostas sociais.
Em causa está a demolição de 15 casas autoconstruídas e o despejo de nove apartamentos num bairro clandestino da freguesia de Santa Iria da Azoia, em Loures, onde viviam perto de uma centena de pessoas, a maioria imigrantes, devido ao cumprimento de uma ordem de despejo conseguida pelo proprietário dos prédios.
Em resposta à TSF, a Câmara Municipal de Loures confirmou que "na passada quinta-feira, 5 de dezembro, os serviços do Município receberam uma
denúncia sobre o núcleo de construções precárias e clandestinas que se estava a desenvolver neste local". De seguida, "procedeu-se a visita ao local, com a presença de assistentes sociais e Polícia Municipal" e, segundo a mesma nota, "além das pobres condições interiores destas construções precárias, detetou-se uma situação evidente de risco para a saúde pública".
"Tendo em vista também a necessidade de se evitar que este núcleo precário e insalubre continue a crescer, na terça-feira, os cidadãos que vivem nestas construções foram notificados, por edital camarário, de que estas construções serão demolidas e que deviam procurar alternativas. Todos os utilizadores deste espaço foram encaminhados para os serviços de ação social da câmara", lê-se.
A Câmara Municipal de Loures diz que foram identificadas 99 pessoas.
"O município está certo de que, nesta ação concertada junto das entidades de âmbito nacional, será possível encontrar uma solução para a situação presente e evitar que núcleos precários, insalubres e de génese ilegal como este se repitam no futuro."
Os moradores da rua das Marinhas do Tejo, junto à fábrica da Sidul Açúcares - em Santa Iria de Azoia -, pedem mais tempo à autarquia para poderem sair e, sobretudo, apoio na procura de uma solução de alojamento.
Gonçalo Filipe, da associação Vida Justa, deu conta que entre os moradores está uma mulher grávida, 21 crianças e quatro pessoas doentes. Mas, na sua maioria, são pessoas de origem são-tomense, "que se levantam cedo para trabalhar, algumas com contratos de trabalho e descontos". Falou também num grupo de quase uma centena de pessoas e afirma que terá sido o proprietário dos prédios ocupados a pedir ao tribunal para decretar agora a ordem de despejo.
"Foi submetido um pedido, através do tribunal, pelo próprio proprietário que obriga a câmara a despejar as pessoas. A única informação que temos por parte da autarquia é aquele papel que colaram na porta das pessoas a dizer que elas tinham 48h para abandonar", explicou.
Até a manhã desta quinta-feira, a única vez que os moradores destes prédios ouviram falar da autarquia foi há cerca de um ano meio, pela polícia municipal.
"Pedimos-lhe que resolvessem o problema de saneamento, ou a falta do saneamento que lá havia, dizendo que sem isto as pessoas não podiam lá morar. Então, os moradores organizaram-se e construíram o saneamento naquelas casas e, desde aí, nunca mais ninguém lhes disse nada", lamentou.
Gonçalo Filipe pede por isso uma "alternativa permanente" para estas pessoas, referindo como exemplo a entrada "numa casa social".
"No mínimo das hipóteses, fazer aquilo que já se fez com outras comunidades que foram despejadas, que é conseguir colocar as pessoas em alojamentos provisórios, sejam pensões ou hostéis, para que possam continuar com as suas vidas, para que os seus filhos possam continuar a ir à escola e para que possam continuar a ir para os seus trabalhos. Se as pessoas forem para a rua, não temos como trabalhar com elas depois", sublinhou.
O membro da associação destacou igualmente que as pessoas estão "ansiosas" há já dois dias, porque "não sabem o que é que vai acontecer com a sua vida". Ainda assim, têm sido acompanhados por esta instituição precisamente para perceberem que "não estão sozinhas".
Lor Neves, morador de uma das casas que se encontra em risco de demolição, lamentou que a câmara de Loures tenha chegado "de um dia para o outro" e tenha colocado um papel a dar conta que têm de sair de uma casa que já habituam "há alguns anos".
"Estamos aqui e não temos para onde ir e estamos a apelar à câmara, que nem conversou connosco. A casa estava sem teto, estava degrada e foi tanto o lixo que nós limpamos. Barramos a parede, pintamos e estamos aqui a viver", vincou.
No entanto, quando foram à procura de respostas, foi-lhes apenas dito: "'Se estão a aguentar e se está mau, por que é que não vão para os vossos países?'", revela Lor Neves, que confessa que a população não tem "nenhum rumo, nenhuma solução e nem sabe para onde ir".
Notícia atualizada às 16h59
