Pela primeira vez, a greve feminista internacional decorre em Portugal com o apoio de sindicatos. Há cinco pré-avisos de greve para as mulheres poderem fazer greve ao trabalho assalariado.
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Adriana Lopera abre um caderno de linhas onde apontou ideias para pintar nos cartazes que vai levar à manifestação que assinala o Dia Internacional da Mulher. "João Joãozinho, faz o jantar sozinho". "Zé, Zézinho muda a fralda sozinho". "Trabalho igual, salário igual". "Contra juízes machistas, justiça feminista". A lista é longa.
Uma das figuras mais presentes nos cartazes da manifestação é o juiz Neto de Moura. "Acho que é inadmissível que no século XXI termos acórdãos deste tipo. Acho que é óbvio que este senhor não tem mínima capacidade para se manter enquanto juiz, nem legitimidade, nem num estado de direito é permitido um juiz desta índole".
Adriana Lopera faz parte da Rede 8 de Março que hoje pede às mulheres para fazerem greve. "Nós temos de ir para a rua, temos que tomar a palavra e temos que tomar o espaço público. E uma coisa que temos de fazer nesse dia é largar os tachos e ir para a rua".
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Quando Adriana fala em largar os tachos não está a referir-se a um ato simbólico. Significa mesmo não fazer o jantar, deixar a cama por fazer, esquecer a roupa para passar. "Nós fazemos isto ao longo do ano todo e parece que é uma mostra quase de amor, que é algo que a sociedade coloca do nosso lado. Pedimos que sejam os homens então a fazerem isso".
Adriana Lopera garante que os homens já começaram a arregaçar as mangas e a enviar mensagens de apoio e de solidariedade. "Para ter uma ideia, nós vamos ter um almoço nesse dia que vai ser confecionado por homens e, neste momento, já não cabem mais homens na cozinha. Tivemos que fazer turnos para que uns preparem a mesa, outros preparem a comida, outros tirem a mesa, outros lavem a loiça".
Joana Grilo, do núcleo de Lisboa da Rede 8 de Março, explica que a greve quer entender o verdadeiro valor das mulheres a nível mundial. "O que é que aconteceria ao mundo se nós deixássemos de trabalhar?".
É um quatro em um
A greve feminista internacional assenta em quatro grandes vertentes: greve estudantil, ao trabalhado assalariado, ao consumo e aos cuidados.
A greve ao trabalho remunerado também não é simbólica ou pelo menos para as trabalhadoras de cinco sindicatos nacionais. O movimento contou com a adesão e pré-avisos de greve de cinco sindicatos nacionais: SNESUP (Sindicato Nacional do Ensino Superior), STCC (Sindicato dos Trabalhadores de Cal Center), SIEAP (Sindicato das Indústrias, Energia, Serviços e Águas de Portugal), STSSSS (Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social) e STOP (Sindicato de Todos os Professores).
Rebeca Moore, além de pertencer à Rede 8 de Março é também dirigente do STCC. Explica que adesão por parte das colegas foi surpreendente, apesar de admitir que o conceito de greve entre trabalhadores de call centers ainda é abstrato. "A recetividade foi absolutamente incrível. Eu vi as mulheres todas nas filas da frente. E pela primeira vez na sua vida, estavam a ouvir um sindicato a falar de coisas que são especificamente delas", explicou.
Os movimentos feministas em Portugal
Joana Grilo garante que há cada vez mais pessoas a ganhar consciência do movimento pelas mulheres em Portugal, com o surgimento de núcleos em locais onde antes nunca houve trabalho feminista visível. "Por exemplo, a Covilhã, na Cova da Beira de repente há grupos feministas. E estes grupos, que surgem pela primeira vez, têm problemas. Fazem uma reunião feminista e aparecem homens que querem falar o tempo todo. Não é esse o objetivo mas isto acontece porque nunca houve. Mas foi o primeiro passo. A seguir já lá está a semente e naquela terra vai falar-se no assunto".
É o primeiro passo também para as próprias mulheres se questionarem sobre o papel que desempenham, já que a misoginia está, muitas vezes, enraizada em homens mas também mulheres.
"O que nos é ensinado na escola, no nosso ambiente e em toda a sociedade é que o lugar da mulher é este. E sabermos qual é o nosso lugar também é uma segurança. Quando questionamos isso, temos de questionar tudo o que fazemos na vida e isso é um problema", explica Joana Grilo, acrescentando que "é por essa razão que existem mulheres machistas, porque é desconfortável para muitas pessoas, homens e mulheres. Mas temos de causar esse desconforto, porque precisamos de atravessar essas barreiras".
Não venho na sexta-feira
Por agora, a Rede 8 de Março defende que uma forma de questionar o papel da mulher em Portugal é fazer greve. De pincel na mão, Maria Otoni garante que fará greve esta sexta-feira. "Farei greve para tudo. Avisei o meu chefe que não iria ao trabalho. Eu falei: não venho na sexta-feira. Ele me perguntou porquê. Eu disse que estaria na greve, que para mim era uma questão muito importante. Ele fez um bocado de descaso".
Maria Otoni vai juntar-se à luta feminista em Lisboa no Terreiro do Paço às 17h30 e garante que não vai prestar cuidados em casa. Para já, uma coisa que Maria Otoni fez e fará é pintar cartazes para levar à manifestação, haja ou não jeito para a pintura. "Acho que as mulheres, por acaso, têm jeito para tudo porque sempre foram obrigadas a fazerem tudo. Não conheço nada que uma mulher não seja capaz de fazer".
A greve feminista internacional vai também assinalar-se com manifestações e concentrações em 14 cidades portuguesas: Albufeira, Amarante, Aveiro, Braga, Chaves, Coimbra, Covilhã, Évora, Fundão, Lisboa, Ponta Delgada, Porto, Viseu e Vila Real.