Nascer antes do tempo. Os prematuros que lutam pela vida no Amadora-Sintra
Cerca de 7% dos bebés prematuros do país nascem no Hospital Fernando da Fonseca, mais conhecido como Amadora-Sintra. A TSF conta algumas das histórias que se cruzam na unidade de Neonatologia do hospital.
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O tempo troca as voltas a quem já tinha há muito marcado no calendário o dia que ficaria para a história como o dia mais feliz de uma vida. Sem saber muito bem nem como nem porquê, tudo muda quando um bebé decide nascer antes do tempo. Os planos perdem importância, a alma de uma família inteira passa a estar resumida a uma pequena incubadora onde, dia após dia, um pequeno ser frágil repousa no caminho para a vida normal de qualquer criança.
Entrar numa unidade de Neonatologia, como a do Hospital Fernando da Fonseca, é entrar num pequeno mundo onde se cruzam diferentes estados de espírito. Os rostos dos pais não enganam, ainda que quem cá trabalha mantenha sempre uma alegria e a delicadeza que por segundos fazem esquecer o porquê de se estar por aqui.
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Nem todos os dias são iguais, mas Cadina mantém sempre o sorriso nos lábios. O filho Heydisson nasceu com pouco mais de 25 semanas. Os dois estão cá há mais de quatro meses. "Ele é tranquilo, mas se a chucha cair é um problema. É logo a confusão", comenta Cadina, enquanto olha sem pestanejar para o berço onde está deitado o filho. O pequeno não tira as mãos da chucha, para não a deixar cair. Os últimos tempos têm sido duros.
"Já esteve nos cuidados intensivos, já mudou de hospital, já foi para a D.Estefânia, já voltou para aqui... Ninguém estava à espera que isto fosse assim. Ninguém estava à espera que ainda hoje estivéssemos aqui. Mas estamos aqui. Já foram muitos altos e baixos. E acredito que já falta pouco", conta com esperança. Hoje é um dia particularmente feliz: "Ele passou para a última salinha, dos berços. Dali é já para casa!"
Por aqui todos os dias são feitos de pequenas vitórias. Os olhos destes pais e mães estão sempre colados aos visores das máquinas que garantem que o coração dos bebés bate no ritmo certo. Quando o "pi, pi" deixa de se ouvir na cadência habitual, o sobressalto invade as salas.
Na sala de cuidados intensivos, há seis vagas para bebé. "Recebemos desde bebés com menos de 500 gramas até bebés com mais de quatro quilos", explica Rosalina Barroso, diretora do serviço. Mal entramos, encontramos a enfermeira Luísa, que está a tirar sangue a uma bebé que nasceu com pouco mais de um quilo. A enfermeira Inês vai ajudando. A bebé chora, mas aguenta com a coragem de um adulto.
Os desafios dos novos tempos
Estamos no hospital mais multicultural do país, que serve cerca de 6% da população nacional. Esta bebé prova-o. É filha de pais asiáticos. Este é também um desafio maior para estes profissionais. "Não conseguimos comunicar tão bem. Muitos não conseguem falar um inglês perfeito, mas há quem não fale inglês de todo. Está a tornar-se cada vez mais comum", diz a enfermeira Inês.
Por esta unidade passam uma média de 358 prematuros por ano, o que representa cerca de 7% dos prematuros que nascem no país. A Neonatologia do Amadora-Sintra é especializada no tratamento da retinopatia da prematuridade, uma doença vascular que afeta a retina dos prematuros, atingindo cerca de 25% dos bebés nestas condições, e que pode levar à cegueira. Os cuidados têm de ser permanentes, a começar pela alimentação, que tem de ser pensada e preparada ao milímetro. "Calculamos tudo. Aminoácidos, proteínas, hidratos de carbono, glicose, cálcio, etc", explica Rosalina Barroso.
Foi também aqui que este ano nasceu o primeiro centro no país de formação em nutrição de neonatologia, o Centro de Treino de Nutrição em Neonatologia do Hospital Fernando da Fonseca, no qual há uma aposta em "sessões teóricas, mas também sessões práticas" direcionadas para médicos enfermeiros, especialistas de todo o país. O objetivo passa por explicar e ensinar as melhores orientações na matéria, de maneira a atingir os melhores resultados no desenvolvimento destes bebés. Os números mais recentes dizem-nos que, em média, nascem por dia 17 prematuros em Portugal.
É entre quatro paredes que durante longas semanas está guardado o coração destes pais. No caso do pai Henrique, a preocupação vive-se ao quadrado. É o pai quem nos apresenta os filhos gémeos. "Estes dois bebés são o Martim e o Dinis. O Dinis nasceu primeiro. Nasceram no dia 9 de setembro." Os irmãos conheceram a vida no Hospital de Cascais e foram depois transferidos para aqui, pela necessidade de libertar vagas na unidade e pelo facto de este ser o hospital da área de residência.
Henrique está com o Martim ao colo. Ao lado está a mãe Rafaela, a amamentar Dinis, o outro gémeo. O pai já é um especialista na matéria. "Se estivessem na barriga da mãe só iam ganhar as competências de sucção e de deglutição às 34 semanas. Eles até agora têm sido alimentados através de uma sonda", descreve o pai, enquanto se ouve uma espécie de espirro do pequeno Martim. O pai e a mãe olham um para o outro, e esboçam um sorriso. Em dias de coração apertado, os pequenos sinais de normalidade traduzem toda a felicidade do mundo. "Ficamos aqui o máximo de tempo, mas ao final do dia também temos que ir descansar. Porque os bebés sentem se estivermos mais tristes ou cansados", conta Henrique. As sondas a que estes bebés estão ligados não servem apenas para a alimentação. É também através desta via que é administrada a medicação.
Mas o pai mostra que sabe mais."Temos feito muito o método canguru. Sabe o que é?", pergunta. Henrique passa a explicar: "Consiste em colocar o bebé em posição vertical, sobre o peito do pai ou da mãe, num contacto pele com pele, o que tem muitas vantagens na criação de laços com o bebé."
A "boa vontade"
Alguns dias são mais pesados do que outros. As histórias nem sempre têm final feliz. É por isso que, lá fora, há o que parece ser um oásis. A ideia foi da enfermeira chefe Sónia Semião. "Estamos no jardim da boa vontade", apresenta-nos a profissional. Este parece um terraço de uma qualquer casa. Há sofás e plantas. Um grande chapéu aconchega uma agradável esplanada. Este espaço é para quem cá trabalha, mas também para as famílias. "Eu cuido de quem cuida. Para que quem cuida possa fazer um trabalho com mais qualidade", resume Sónia Semião.
É neste jardim da boa vontade que a enfermeira Inês Figueiredo nos conta uma história que é partilhada com todos os pais. A história de uma viagem que não correu como era suposto. Às vezes também a maternidade é assim. Inês tem nas mãos um caderno que é dado a todos os pais. São folhas em branco. Esta é uma espécie de diário de bordo onde ficam registadas com várias etiquetas as pequenas vitórias destes bebés. "Colocamos as datas nas etiquetas e entregamos aos pais". Numa etiqueta lê-se "consegui respirar sem tubo", noutra "conheci o meu avô". Mas também há outras etiquetas mais engraçadas. "Hoje fiz chichi em cima da mãe pela primeira vez", por exemplo. "É também uma forma de criarmos uma relação com os pais", sintetiza a profissional.
O espaço físico da unidade está longe de ser perfeito. Não há janelas, o que troca as voltas aos ciclos de pais, profissionais e bebés. O conforto está longe de ser o ideal para os pais que cá passam grande parte do dia, reduzidos ao conforto de um cadeirão. É por isso que, para o futuro, Rosalina Barroso tem já um desafio no horizonte. "Quero fazer um quarto para os pais. Seria uma mais valia." Se tudo correr bem, Cadina já não vai usufruir da ideia. Foi bom cá estar, mas esta jovem mãe já só pensa na hora do adeus. "Eu sei que no final vai correr tudo bem. Nesta caminhada o que interessa é o final. O que vai ser ninguém sabe. E ninguém sabe mesmo." Se tudo continuar no bom sentido, o pequeno Heydisson poderá conhecer uma nova casa nos próximos dias.
