Navio-Escola Sagres: uma volta ao mundo para "medir a saúde do oceano"
O navio-escola Sagres, da Marinha Portuguesa está prestes a partir para uma volta ao mundo com a duração de mais de um ano. A viagem insere-se nas Comemorações do V Centenário da Circum-Navegação de Fernão de Magalhães. O comandante do navio, Maurício Camilo falou à TSF sobre este desafio e revelou algumas curiosidades desta missão, que pela primeira vez tem uma componente científica.
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Construído há 82 anos, o veleiro que serve para instrução dos cadetes da Marinha tem bandeira portuguesa há quase seis décadas. A viagem de circum-navegação será muito semelhante à que Fernão de Magalhães fez há 500 anos. O comandante da Sagres, o capitão-de-fragata Maurício Camilo leu quase todos os livros sobre o descobridor português e antecipa a vida a bordo desta que será a 4ª volta ao mundo do navio mais emblemático da Marinha Portuguesa.
Onde é que estamos?
Estamos na camarinha do comandante da Sagres. A camarinha é uma zona que está dividida em 3 áreas: o gabinete (o escritório onde estamos), a sala de refeições do comandante que é utilizada apenas em ocasiões especiais, normalmente quando navio está atracado, e o camarote que é onde eu descanso quando posso.
E consegue?
Às vezes consigo.
Às vezes?
Às vezes consigo, outras vezes não. Depende das condições de mar, da densidade da navegação na altura. Mas tento sempre descansar alguma coisa porque também faz parte do serviço.
Onde é que passa mais tempo?
A navegar é na ponte do navio, sem dúvida.
Aqui não há 2º comandante...
Há um 2º comandante que nas marinhas se chama o oficial imediato e que funciona no caso de eu ter algum impedimento como comandante do navio. É quem me substitui.
Como é que está o seu estado de espírito?
Estou desejoso de largar. O momento da largada será um momento de algum alívio e de sair a pressão destes preparativos finais. Estou ansioso para largar.
Está tudo pronto?
Praticamente. Mesmo no dia da largada há de haver alguma coisa de última hora que vai aparecer e que é preciso embarcar. Estes últimos dias são de completa loucura em termos de abastecimento do navio e também dos nossos preparativos pessoais porque há coisas que só se conseguem mesmo resolver nos últimos dias.
Por exemplo...
O abastecimento do navio. Eu não podia abastecer o navio há três meses porque as coisas depois acabariam por se estragar. Pessoalmente, há sempre coisas de última hora que têm a ver com coisas mais legais: procurações, coisas de casa, dos carros. Coisas que só se conseguem resolver mais em cima porque antes também não é prático nem é possível fazer.
Os marinheiros precisam de passaporte?
Nós levamos todos passaporte por uma razão muito simples: não só serve como identificação em qualquer local onde iremos atracar, mas também no caso de necessidade de voar para Portugal por alguma razão de força maior. Vamos passar pelos cinco continentes e, portanto, há a questão dos vistos, etc. Levamos todos passaporte que nos permite, em última análise, regressar a Portugal.
Como é que se prepara esta viagem?
A preparação começou há um ano e meio e meio com a tentativa, conseguida, de definição de um itinerário base porque há um conjunto de aspetos logísticos que têm de ser resolvidos. Sem termos um percurso estabilizado é difícil fazê-lo. A outra parte tem a ver com os trabalhos de manutenção e reparação do navio que decorreram no último ano.
Esta viagem não vai ser igual à de Fernão de Magalhães...
Não, esta viagem não vai ser igual à de Magalhães. Para já, vai demorar um ano e não os três anos que a viagem de Magalhães e Elcano demorou. Depois, o facto de não ser exatamente igual tem a ver com os dois temas principais da viagem: o aniversário da viagem de Magalhães e a presença do navio nos Jogos Olímpicos em Tóquio. Dentro destes constrangimentos de espaço e tempo, a viagem corresponde a cerca de 70% daquilo que foi o percurso de Magalhães/Elcano. Há uma parte que é feita no sentido contrário precisamente pela necessidade de ir para Tóquio.
Qual vai ser a parte mais difícil da viagem?
A parte mais difícil é a tirada mais longa, de 32 dias. A travessia do Pacífico vai ser feita em 3 fases. A última são 32 dias até ao estreito de Magalhães, a zona do Cabo Horn. É a tirada mais desafiante porque é a de maior distância e é feita numa zona onde normalmente as condições de mar e de vento são complicadas.
É uma zona onde o comandante nunca esteve...
Precisamente, nunca estive nessa zona. O navio esteve uma vez em 2010, mas não exatamente a fazer o mesmo percurso. Para mim vai ser uma estreia.
Disse que era uma viagem em 70% igual. Mas há muitas diferenças passados estes 500 anos. O que é que é mais diferente?
A maior diferença tem a ver com a informação. Grande parte da informação que Magalhães procurava (saber onde passar para o Pacífico, validar a informação cartográfica que existia) nós temos. Sabemos exatamente para onde temos de ir. Mas ainda mais do que isso é a capacidade que atualmente existe de, no mar, termos informação sobre a meteorologia e sobre o que vai acontecer nos próximos dias nas áreas onde vamos navegar. Isso vai permitir-nos tentar evitar ou mitigar as condições mais desfavoráveis para o navio navegar e manobrar. Nem sempre será possível...
....mesmo assim tendo de seguir um programa específico
Exatamente. Essa é a minha desvantagem relativamente ao Magalhães. O itinerário está fechado. O navio vai ser esperado numa determinada hora de determinado dia num determinado local, com programa já definido de eventos a decorrer em terra. Portanto, nisso o Magalhães estava em vantagem porque ninguém o esperava e não tinha horários para cumprir. Soube quando largou, não sabia quando chegava.
Existe um conceito típico de dia a dia a bordo, desde a alvorada até ao pôr-do-sol, ou não?
O navio navega as 24 horas do dia. Durante esse período temos sempre um conjunto de pessoas divididas naquilo a que chamamos os quartos, que são períodos de 4 horas. Temos sempre equipas a operar o navio. Além disso, temos as rotinas normais de alvorada, pequeno-almoço, almoço, jantar e também os períodos em que, se as condições meteorológicas permitirem, o navio é beneficiado, pintado, arrumado. Numa tirada de 20 dias, tirando o primeiro e último dia que são sempre diferentes, há uma rotina normal a bordo. Essa rotina pode ser alterada se as condições meteorológicas forem muito desfavoráveis. Aí, há atividades que não se podem fazer porque não são seguras nem fazem sentido. Mas sim, há uma rotina diária de bordo.
E há equipas específicas para fazerem determinadas coisas?
Exatamente, o navio está dividido num conjunto de serviços. Serviços técnicos, serviços que têm a ver com a parte do abastecimento, serviços que têm a ver com a manobra do navio (das velas, etc), pessoal das comunicações, pessoal da ponte, os radares (da parte de navegação). Cada uma destas equipas contribui com um número de indivíduos para fazer cada um dos grupos que permanentemente toma conta do trabalho do navio.
São todas importantes, naturalmente. Mas há alguma dessas equipas que ganhe maior relevância?
Não, são todas importantes. Este navio nesse aspeto é exemplar nisso. Eu não consigo fazer nada sozinho aqui, nada! Ninguém consegue fazer nada sozinho no navio, até porque a manobra das velas é totalmente manual e portanto todos dependemos sempre de alguém para fazer qualquer tarefa.
Li, numa entrevista que deu, que considera a alimentação um aspeto muito importante para quem navega...
É, é muito importante. Como bons portugueses que somos, nós gostamos de sentar à mesa. Esse momento representa um momento de descontração e convívio entre a guarnição. O facto de gostarmos de comer bem, de ficarmos satisfeitos quando tomamos a nossa refeição faz toda a diferença para a moral da guarnição. Não acredito que um navio onde se coma mal seja um navio onde as pessoas estejam contentes.
O navio vai sendo abastecido de comida nos portos onde vai atracando?
Exatamente. Além do programa de eventos que existe nos portos, sempre que atracamos reabastecemos o navio. Do quê? Depende daquilo de que necessitamos. Tipicamente, o navio tem uma autonomia de 30 dias. Alguns dos géneros aguentam mais, outros menos, nomeadamente os frescos. Sempre que chegamos a um porto, o pessoal do serviço de abastecimento tem de garantir que é reposto o nível de géneros.
Mas vão ao supermercado ou a comida vem de Portugal?
Não. Em qualquer navio de guerra ou mercante quando chegamos a um porto temos o chamado agente portuário. Neste momento temos uma rede de agentes em todo o mundo,. faz parte dos preparativos e daí a necessidade de estabilizar o itinerário. Portanto, temos um conjunto de agentes em cada um dos portos que, com antecedência, recebe a nossa listagem com o material que é preciso para abastecer e quando chegamos temos o material à nossa espera para embarcar.
As comunicações estão muito facilitadas hoje em dia. Há internet a bordo?
Sim, vamos ter internet a bordo. Tivemos de alterar um pouco o sistema de comunicações por satélite porque vamos para áreas muito remotas. Aquilo que possuíamos não tinha cobertura mundial e era importante melhorar, até pela questão da segurança e da receção de informação meteorológica. Este novo sistema também permite manter a comunicação de dados e de voz através de satélite. Claro que não com a velocidade que temos em casa.
Qual é a média de idades na Sagres?
É baixíssima, é de 26 anos. É o navio que tem a média de idades mais baixa de toda a Marinha. Temos muitos jovens a fazer primeiros embarques. Eu sou, de longe, o mais velho do navio, estrago um bocadinho a média. Mas não consigo estragar muito porque sou só um (risos).
E vai para o mar poucos dias depois de ter feito anos...
Exatamente. Fiz 51 anos no dia 31 de dezembro.
Qual seria o melhor presente?
(pausa)....Hiii, isso é uma pergunta difícil. Fazendo anos a 31 de dezembro, estou habituado a que ninguém repare muito no meu aniversário e agora, a partir dos cinquenta, ainda mais fico contente que ninguém se lembre disso (risos).
Há um voto especial na passagem de ano/dia de aniversário?
São dois votos: que a viagem comece o mais rapidamente possível e o outro, obviamente, é que as coisas corram todas pelo melhor e que os desafios que vai surgindo, e vão surgir garantidamente, sejam todos ultrapassados em segurança que é uma das maiores preocupações do comandante.
Há muitos problemas de segurança a bordo?
Não costuma haver, mas basta haver um para as coisas estarem a correr mal. Portanto, temos de pensar sempre em tudo o que fazemos para garantir a segurança da guarnição e do navio sabendo que qualquer coisa de mais grave que possa acontecer pode ter um impacto muito devastador. E é isso que tentamos evitar.
Há uma equipa médica?
O navio tem um médico e um enfermeiro. Depois, há um conjunto de elementos da guarnição, de vários serviços, que têm formação de socorrismo. Temos uma equipa médica forte.
Num caso mais grave em alto mar, como é que se faz?
Se não for possível manter o tripulante a bordo, fazemos uma evacuação médica para terra. Pode ser por helicóptero, podemos aproximar-nos de terra e sair uma embarcação... Varia muito, é difícil tipificar. Mas acontece. Por exemplo, na viagem de 2018 aos Estados Unidos houve necessidade de evacuar. Tivemos possibilidade de chegar a terra e depois desembarcar.
A juventude da guarnição tem a irrequietude habitual da idade. Consegue ser mais ou menos disciplinada quando está a bordo?
Eu espero que sejam irrequietos. Se forem jovens e não forem irrequietos será péssimo. Essa inquietude e irrequietude dos jovens tem um efeito positivo na guarnição. Aqui é preciso tudo: juntar a experiência dos menos novos à inexperiência e à capacidade de aprender dos mais jovens. Eu conto com todos e olho para cada um em função do que nos tem para dar. Toda a gente tem alguma coisa para dar à guarnição.
Mas não vão todos juntos, certo?
Temos uma guarnição fixa de 142 pessoas. Depois, temos os cadetes que embarcarão cerca de 3 meses, em junho, julho e agosto de 2020. E ainda temos um conjunto de outras pessoas, jovens, civis que fazem tiradas mais pequenas. Temos investigadores, jornalistas, muitos jornalistas que vão acompanhar a viagem ao longo do ano. Há de haver sempre um conjunto de gente a entrar e a sair, sendo que há a guarnição fixa dos tais 142 que começam e acabam a viagem, a não ser por motivo de força maior.
Se alguém não acabar, é substituído?
Depende. Depende quem for e depende do tempo que faltar para acabar a viagem. Só caso a caso é que será decidido.
O papel do comandante é como se fosse um treinador de uma equipa de futebol?
(pausa)... Eu não diria tanto. Nós temos as equipas com vários níveis de liderança. Uma equipa de futebol tem 11 pessoas. Eu não posso controlar 142, portanto tenho vários níveis de delegação de responsabilidades e competências com a margem de manobra que cada um dos grupos tem. Depois, cabe-me aglutinar e dar as orientações gerais e tentar que as pessoas percebam o que temos de fazer e para onde queremos ir. Não é como uma equipa de futebol. Imaginando: aqui eu seria o presidente da federação e depois teríamos as várias equipas, dava orientação às equipas e cada uma delas fazia o jogo que teria de fazer (risos). Treinador não é uma boa analogia.
A investigação científica que vai ser feita a bordo, assume uma importância grande nesta volta ao mundo?
Eu diria que sim. É uma estreia. É a primeira vez que o navio vai ser utilizado como plataforma para a realização de experiências científicas e acho que vai ser muito interessante. É um dos aspetos sobre o qual as pessoas mais perguntam e sentem curiosidade em perceber o que vamos fazer. Resumidamente, o que vamos fazer é uma coisa muito importante que é: medir. Todas as experiências têm o objetivo de medir. Medir o quê? Medir a quantidade de microplásticos na água, medir parâmetros da água e da atmosfera, tentar apanhar alguns peixes para perceber como estão em termos de saúde, se têm ou não os tais microplásticos. Vamos tentar medir um pouco a saúde dos oceanos. Acho que é uma ideia feliz e, sendo a primeira vez, é uma parte da viagem que vejo com muito interesse.
Será uma medição automática ou todos os dias há atividades para fazer?
Algumas das atividades são em permanência. Temos um conjunto de antenas e sensores montados nos mastros e esses funcionam de forma autónoma e estão sempre a medir. Depois há algumas atividades mais pontuais como a recolha de amostras de água. Vamos fazer 400 recolhas de água ao longo da viagem. A água é filtrada e os filtros com os microplásticos ou não (esperemos que não) são guardados para posterior análise.
Falou em apanhar peixe. Normalmente pesca-se a bordo?
Eu digo que gosto de tirar umas amostras do pescado. Sempre fiz isso aqui, um bocado como lazer. Desta vez passou para um patamar diferente porque os peixes que vamos apanhar, os que conseguirmos, vão servir para recolha de amostras, nomeadamente a parte do estômago para percebermos do que eles se estão a alimentar.
E para refeição também...
A parte não científica, para não se estragar, vai ter de ser degustada (risos).
Esta é uma viagem de lazer, de aprendizagem porque este é um navio escola, também de representação diplomática do país. Qual destes fatores releva mais?
De lazer não é, garantidamente! O empenhamento da guarnição, quer a navegar quer quando o navio está atracado, fica longe disso. Obviamente que as pessoas vão ter tempo para visitarem os portos mas os dois grandes objetivos da viagem são os de sempre. É um navio escola que aproveita as tiradas entre os portos para instrução e em terra é aquilo que é um pouco o chavão dizer mas que sempre foi: a Sagres e uma embaixada flutuante, uma embaixada móvel do país. Sempre que chega a qualquer local, estes 75 metros por 12 metros de largura são território português, até no aspeto formal e legal. As simples visitas dos portugueses da chamada diáspora ou os eventos mais formais, tudo isto é, e sempre será, a missão da Sagres que é servir de montra e de mostra do país.
Há receções diplomáticas também?
Sim, em todos os portos temos, pelos menos sempre uma receção protocolar que é coordenada com os embaixadores ou com cônsules locais. O objetivo é o navio servir de plataforma de apoio às atividades que já decorrem. Depois, há um conjunto de atividades que temos com parceiros, quer institucionais quer comerciais. Também apoiamos essas ações de divulgação.
Ou seja, há aqui festas quase em permanência
Há mostras de produtos, workshops, mesmo também dos projetos científicos. Temos de garantir sempre que quando o navio está atracado, boa parte desse período é aberto às pessoas. Não é possível chegar a um porto e não ter um bom período para que os portugueses e os locais não possam visitar o navio.
Fale-me sobre algumas curiosidades do navio. Por exemplo, superstições, há?
Ao contrário do que se diz, que todos os marinheiros são supersticiosos, eu não sou nada supersticioso. Não conheço nenhuma superstição relevante associada a este navio.
Rituais?
Rituais há. Vamos ter os rituais da passagem da linha do equador que são um clássico...da linha da mudança da hora. Depois há os rituais dos marinheiros que aqui embarcam pela primeira vez e que passam por debaixo da ponte pela primeira vez... cantar os parabéns quando algum elemento da guarnição faz anos. Os rituais fazem parte do dia-a-dia
Quando estão no meio do mar, o Google Maps diz-vos exatamente onde estão?
O Google Maps não, mas vai existir uma aplicação na página do navio em que as pessoas podem acompanhar o movimento do navio em tempo real.
Quem é o seu superior?
É o comandante almirante naval
Fala com ele todos os dias?
Nos últimos tempos, quase todos os dias, sim.
E quando está no mar?
Não havendo necessidade, não. O navio sai com itinerário definido, com um conjunto de ordens, algumas permanentes, outras específicas para a viagem. O que é suposto é que eu, tendo as ordens do meu comando, cumpra a missão. Claro que podem acontecer circunstâncias extraordinárias que impliquem um contacto direto com o "chefe".
Como é estar longe da família? Fala diariamente com a sua mulher e os seus filhos?
Eu não gosto de marcar um horário para ligar todos os dias para casa, até porque muitas vezes posso não conseguir. Às vezes acontece que estou muito ocupado ou as circunstâncias da manobra ou da navegação não permitem. Portanto, não gosto que fiquem à espera que eu ligue e depois não ligo e ficam preocupados. O acordo que tenho é: ligo sempre que posso. Obviamente, quando estou atracado, havendo comunicações, ligo todos os dias. A navegar, é sem compromisso. A minha família já está um bocadinho habituada a estas ausências, portanto nesse aspeto não é grande novidade.
Sei que gosta de ler. Que livros vai levar para a viagem?
Gosto muito de ler, principalmente livros de história e livros sobre o mar.
Leu os de Magalhães?
Pois, comprei todos os livros em português que existem sobre o Magalhães - e têm saído alguns nos últimos tempos! Confesso que não consegui ler todos porque isto dos preparativos tem sido muito intenso. Os que ainda não li vou ler durante a viagem e depois levo mais uns quatro ou cinco para me entreter. Julgo que levo o suficiente. O próprio navio também tem uma biblioteca muito interessante com mais de 300 livros e alguns ainda não li. Portanto, se gastar a minha biblioteca pessoal e o assunto Magalhães, ainda tenho aqui algumas coisas para ler. Quando estou a navegar é das poucas alturas em que consigo ter tempo para ler.
Mas também gosta de fotografar...
Fotografia é a minha paixão. Isso aí é permanente, tenho sempre a minha máquina fotográfica prontíssima na ponte. Qualquer coisa, qualquer momento que surja, lá estarei com a minha máquina a fotografar.
As fotografias em alto mar não saem sempre iguais?
(pausa) É uma excelente pergunta. Curiosamente, não. A Sagres é um navio em que é fácil fotografar e tirar boas fotografias. Tirar fotografias para o céu azul ou para o mar azul... são sempre iguais, mas as cores variam muito com a latitude. Os pores-do-sol são muito diferentes, o nascer do sol é sempre espetacular e é sempre diferente à medida que nos vamos deslocando. E há sempre um pássaro, uns golfinhos, há sempre qualquer coisa para fotografar. Também gosto de fotografar outros navios que passam por nós. Terra também há de ter tonalidades diferentes à medida que formos navegando. Nunca fiquei sem tema para fotografar no navio. A atividade das pessoas no navio e as velas e os mastros são muitíssimo tentadoras para pegar na máquina e tirar fotografias.
Isso vai dar exposição depois?
Não sei, não tenho planos ainda sobre isso (risos).
Música, ouve?
Gosto muito, ouço bastante música. Mas a navegar, ao contrário do que as pessoas possam pensar, a zona do comandante é das mais barulhentas do navio porque tenho hélice e o leme aqui por baixo. Não é um local em que seja fácil ouvir música.
Quer sugerir uma para passarmos na rádio?
(pausa) Qualquer uma do último álbum dos Cigarettes After Sex, que é espetacular. O "Heavenly", por exemplo (risos)
Como é que se imagina daqui por um ano?
Daqui por ano, à chegada espero que esteja, e vejo-me como alguém, muito satisfeito por ter realizado uma viagem que a nível de desafios vai ser espetacular. Espero que seja essa sensação de missão cumprida e de que tudo tenha corrido bem e que os que largaram sejam os mesmos que chegaram. Essa é sempre a preocupação principal do comandante. Se tivesse de definir esta viagem numa palavra, ela é: desafio. Por tudo aquilo que acarreta é um verdadeiro desafio. Para mim e para a guarnição, para todos.
Detalhes da 4ª volta ao mundo do Navio-Escola Sagres
Partida: 5 de janeiro de 2020 (Lisboa)
Chegada: 10 de janeiro de 2021 (Lisboa)
Duração da viagem: 371 dias
Horas de navegação: 6782 horas
Milhas náuticas: 41.258 milhas (equivale a 76.410 kms)
Número de países: 19 (Espanha, Cabo Verde, Brasil, Uruguai, Argentina, África do Sul, Moçambique, Maurícia, Singapura, Indonésia, Timor-Leste, Filipinas, China, Japão, EUA, Polinésia Francesa, Chile, Peru, Colômbia).
Número de portos: 22
Cidades da Rede Mundial de Cidades Magalhânicas: 12
Passagens pela linha do equador: 6
Oceanos: Atlântico, Índico, Pacífico
Curiosidades
O Sagres ou a Sagres?
Não se confunda com a cerveja. O nome do navio Sagres é um tributo à vila algarvia, aos marinheiros que ali se abrigaram de ventos e correntes e ao infante D. Henrique que morreu em Sagres, em 1460. Por isso, a imagem do infante está esculpida na proa do navio-escola. E como "acontece em todos os navios de guerra, o nome é dito no feminino", explica Fernando Fonseca, porta-voz da Marinha.
Assim, está correto dizer-se "A viagem do navio Sagres" ou "A viagem da Sagres".
O mesmo acontece com outros navios da Marinha como "a Vasco da Gama, a Álvares Cabral, a João Roby", sublinha o comandante.
Então e porque se diz "O Titanic"? Segundo o comandante Fernando Fonseca, "Porque o Titanic não era um navio da marinha de guerra".
Já agora, o nome oficial da Sagres (ou de quaisquer outros navios da Marinha Portuguesa) é antecedido da sigla NRP que significa: Navio da República Portuguesa.
Números
A Sagres tem um comprimento de fora-a-fora de 89,3 metros. A boca (parte mais larga) mede 12 metros e o calado tem 5,6 metros.
A Sagres tem 23 velas. Existem 10 velas redondas (cada uma com a cruz de Cristo) e 13 velas latinas, de forma triangular.
Os mastros das velas redondas, as maiores, têm uma altura de 46,2 metros
A superfície ocupada pelas velas é de 1979 metros quadrados.
Para se mover, o veleiro pode ser auxiliado por um motor Diesel MTU 1000 Hp que permite atingir uma velocidade de 8 nós. No modo veleiro, consegue atingir uma velocidade máxima de 16,5 nós.
O tanque de combustível tem capacidade para 110 mil litros.
O navio tem um gerador que, por osmose inversa, consegue produzir 24 toneladas de água doce por dia.
História das várias Sagres da Marinha Portuguesa
Desde o século 19, a Marinha portuguesa teve vários navios-escola com o nome Sagres. Todos eles foram construídos no estrangeiro e pertenceram a outros países antes de servirem a Portugal.
Sagres 1 - Foi construída em Inglaterra em 1858 e era uma corveta mista, de propulsão a velas e a vapor, com casco de madeira. Foi navio-escola português entre 1884 e 1898. Estava fundeada no rio Douro.
Sagres 2 - Inicialmente era um navio mercante alemão chamado Rickmer Rickmers, lançado à água pela primeira vez em 1896. Quando a Alemanha declarou guerra a Portugal, em 1916, o navio estava nos Açores e foi arrestado por Portugal e rebatizado com o nome Flores. Foi então emprestado à Inglaterra e devolvido a Portugal em 1924. Mudou o nome para Sagres e serviu como navio-escola até 1962. Foi depois reclassificado como navio depósito e passou a chamar-se Santo André. Em 1983, foi entregue a uma associação alemã que o restaurou e transformou em navio-museu, ancorado em Hamburgo com o nome original: Rickmer Rickmers.
Sagres 3 - É o atual navio-escola da Marinha Portuguesa. Foi construído em Hamburgo, na Alemanha, em 1937, e serviu a marinha alemã até terminar a 2ª Guerra Mundial, em 1945. Aquando da partilha dos despojos pelos vencedores da guerra o navio (então chamado Albert Leo Schlageter) coube aos Estados Unidos. Mas na América ninguém se interessou em ficar com ele.
Em 1948, acabou por ser cedido pelo valor simbólico de 5.000 dólares à Marinha do Brasil como compensação pelos danos causados pelos submarinos americanos aos navios brasileiros. Passou então a chamar-se Guanabara e serviu o Brasil durante 14 anos.
Foi comprado por Portugal em 1962, por 150 mil dólares. A Sagres atual fez a primeira viagem com bandeira portuguesa em 25 de abril de 1962. Desde então, o veleiro tem feito anualmente viagens de instrução. Só esteve parado em 1987 e em 1991, quando sofreu obras de modernização.
A Sagres fez viagens de circum-navegação em 1978/79, 1983/84, em 2010 e agora esta de 2020/21.
Veja o itinerário, acompanhe em tempo real a viagem de circum-navegação e esteja a par de tudo o que se passa no navio-escola Sagres
Itinerário completo da viagem de circum-navegação do Navio Escola NRP Sagres:
05 janeiro - Partida de Lisboa
10 janeiro - Chegada a Tenerife (Espanha)
13 janeiro - Partida de Tenerife
19 janeiro - Chegada à Praia (Cabo Verde)
22 janeiro - Partida da Praia
10 fevereiro - Chegada ao Rio de Janeiro (Brasil)
15 fevereiro - Partida do Rio de Janeiro
23 fevereiro - Chegada a Montevideo (Uruguai)
27 fevereiro - Partida de Montevideo
28 fevereiro - Chegada a Buenos Aires (Argentina)
03 março - Partida de Buenos Aires
27 março - Chegada à Cidade do Cabo (África do Sul)
01 abril - Partida da Cidade do Cabo
09 abril - Chegada a Maputo (Moçambique)
13 abril - Partida de Maputo
24 abril - Chegada a Port Louis (Maurícia)
27 abril - Partida de Port Louis
20 maio - Chegada a Singapura (Singapura)
24 maio - Partida de Singapura
29 maio - Chegada a Jacarta (Indonésia)
01 junho - Partida de Jacarta
09 junho - Chegada a Dili (Timor-Leste)
13 junho - Partida de Dili
17 junho - Chegada a Ternate / Tidore (Indonésia)
17 junho - Partida de Ternate / Tidore
24 junho - Chegada a Cebu (Filipinas)
27 junho - Partida de Cebu
07 julho - Chegada a Shangai (China)
11 julho - Partida de Shangai
18 julho - Chegada a Tóquio (Japão)
Jogos Olímpicos de 24 julho a 09 agosto
27 julho - Partida de Tóquio (Japão)
22 agosto - Chegada a Honululu (Havai, EUA)
27 agosto - Partida de Honululu
13 setembro - Chegada a Papeete (Taiti, Polinésia Francesa)
17 setembro - Partida de Papeete
18 outubro - Chegada a Punta Arenas (Chile)
Comemorações dos 500 anos da descoberta do Estreito de Magalhães
23 outubro - Partida de Punta Arenas
04 novembro - Chegada a Valparaíso (Chile)
08 novembro - Partida de Valparaíso
19 novembro - Chegada a Callao (Peru)
23 novembro - Partida de Callao
05 dezembro - Chegada a Cartagena das Índias (Colômbia)
09 dezembro - Partida de Cartagena das Índias
30 dezembro - Chegada a Ponta Delgada
04 janeiro 2021 - Partida de Ponta Delgada
10 janeiro 2021 - Chegada a Lisboa
Para acompanhar o dia-a-dia da Sagres, pode seguir o grupo no Facebook criado pela Marinha e a página oficial do navio.
