"Negligência e falta de responsabilidade" motivam 1700 reclamações contra a AIMA. Tendência é "aumentar"
A advogada e ativista Érica Costa sublinha na TSF que "as pessoas têm aguentado muito" e afirma que "toda a negligência" da AIMA "é uma falta de responsabilidade"
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No primeiro ano de atividade, desde que substituiu o SEF em 30 de outubro de 2023, a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) registou 1750 reclamações no Portal da Queixa. A demora na obtenção de documentos pedidos com urgência continua a ser o principal problema, verificando-se em 53% dos casos. A seguir vem a dificuldade de agendamento e os problemas com a entrega de documentos (onde também há relato de extravios), com as duas ocorrências em 14,4% das queixas.
A advogada e ativista Érica Costa, que faz voluntariado para a Casa Brasil e para a Rede Sem Fronteiras na Europa, assume na TSF que este volume de queixas não a surpreende e que a tendência é continuar a aumentar. Denuncia ainda a "completa negligência" da agência "com a comunidade de imigrantes".
"Eu acho até um número baixo devido ao cenário caótico em que a AIMA se encontra. Se formos pensar, por exemplo, no número de ações judiciais perpetradas, eu estou a acabar de submeter uma ação que tem o número 44.464", critica.
Érica Costa explica que as queixas "estão relacionadas com a questão da demora dos prazos de análise dos pedidos de autorização de residência", já que a agência tem um prazo de 90 dias úteis para concretizar a análise dos pedidos, mas existem casos de pessoas que chegam a esperar "dois anos".
"As pessoas têm aguentado muito. Toda essa negligência é uma falta de responsabilidade", defende.
A advogada destaca que esta demora tem consequências e revela que há casos gritantes de imigrantes que não conseguem sair de Portugal para tratar de situações familiares urgentes por causa das demoras na AIMA.
"Um dos requisitos para obtenção da autorização de residência é estar em território português e, enquanto isso, não conseguem visitar um familiar. Eu tenho clientes que pai e mãe faleceram e eles não puderam ir ao funeral. Eu tenho uma cliente, neste momento, que está com o marido hospitalizado na UTI [Unidade de terapia intensiva] e que não consegue sair de Portugal para dar assistência ao marido", lamenta.
Érica Costa insiste, por isso, que "o número de 1700" queixas não a "surpreende" e atira: "A situação da AIMA é completamente absurda." Fala, então, em mais de 44 mil processos judiciais, sendo que, atualmente, mais de 37 mil ações deram entrada na Justiça já este ano. A advogada adianta que uma das razões que explicam o volume de queixas contra a AIMA é o facto de os imigrantes estarem mais conscientes dos seus direitos.
"As pessoas começaram a perceber que elas podem lutar pelos direitos delas, uma vez que o Pacto para as Migrações da União Europeia foi aprovado, o novo Plano de Ação para as Migrações - que não prevê tantas políticas de acolhimento, mas prevê políticas de securitização -, em Portugal, foi aprovado e num contexto em que a imigração se torna, para o Estado, um problema de segurança, com medidas de segregação e não de acolhimento", esclarece.
Para a ativista, um fator que contribui para esta problemática passa também pelo aumento das ações de fiscalização. "O ministro da Presidência, Leitão Amaro, já deixou claro que há muitas ações de fiscalização calendarizadas e muitas das pessoas, que não têm uma autorização de residência por negligência da AIMA, vão tentar conseguir a cessação da violação dos seus direitos fundamentais", garante.
Acredita também que os imigrantes vão tentar obter autorizações de residência de forma "mais célere" precisamente porque estas medidas permitem antecipar que, no futuro, vão ser perder o "acesso" a este direito. "Vemos isso com a revogação das manifestações de interesse no Plano para as Migrações", completa.
O resultado das ações judiciais já se está a fazer sentir na celeridade dos agendamentos.
"Pessoas que estavam a aguardar há um ano e meio a análise das manifestações de interesse conseguiram em 30/60 dias, através de ações judiciais, esse agendamento para a análise desse pedido. Os cartões têm chegado, sendo que há pessoas que estavam à espera durante seis meses. Depois de fazerem a entrevista com a AIMA, levam toda a documentação, não recebem nenhuma notificação, dizendo que faltam documentos, e assim o título de residência não chega. Foi um acumular de situações e as pessoas tomaram agora consciência de que podem recorrer à tutela jurisdicional", afirma.
Érica Costa afirma que a "uniformização da jurisprudência" confirma que a falta de monitorização de residência, "viola os direitos fundamentais". Torna-se, assim, possível recorrer à "intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para fazer cessar essa violação".
"Essa jurisprudência também acaba por fortalecer essa procura da evocação da tutela jurisdicional", adianta.