"Nem mais uma palmada." Castigos corporais não disciplinam crianças e deixam marcas
Punir fisicamente uma criança, mesmo que seja uma palmada, não disciplina, pode causar revolta e deixa marcas. O alerta é da presidente do Instituto de Apoio à Criança.
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Esta quarta-feira, Dia da Criança, é apresentada a Estratégia Nacional da Campanha "Nem Mais uma Palmada", que tem como objetivo acabar com todos os castigos corporais.
Dulce Rocha, presidente da Direção do Instituto de Apoio à Criança, diz que durante a pandemia aumentaram as denúncias de casos de violência contra crianças e sentiram que não podiam ficar de braços cruzados. A campanha "Nem Mais uma Palmada" é uma primeira resposta. "Houve mais apelos e mais queixas da comunidade, da vizinhança e de pessoas anónimas que viam crianças muito pequenas, de dois, três anos, a serem batidas nas ruas, nos supermercados. Este fenómeno surpreendeu-nos... Talvez se tenha tornado mais visível, porque as pessoas estavam mais em casa. Mas achamos que talvez não fosse só isso. Na pandemia tiveram que se partilhar espaços, as pessoas não estavam habituadas, houve muito stress e da nossa parte também havia consciência que as tareias, as palmadas, as bofetadas que não deixavam marcas visíveis eram mais toleradas do que os maus tratos graves."
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Dulce Rocha afirma que existem vários estudos que provam que mesmo as palmadas leves deixam marcas. "Há muito estudos que demonstram que há estímulos cerebrais semelhantes nestas crianças, iguais aos das crianças que sofrem espancamento e sevícias, os estímulos são muito idênticos. Quem não tem estas experiências traumáticas não tem estes estímulos cerebrais. Há também atrasos no desenvolvimento, as crianças ficam menos curiosas, até têm medo de perguntar, ficam híper vigilantes, mais inibidas, têm dificuldade em manter relações de amizade."
A mensagem mais importante é que punir causa revolta e não disciplina. "Erradicar a ideia de que isto pode disciplinar tem o efeito contrário. Humilha, causa revolta e não disciplina. Passado pouco tempo as crianças estão a fazer a mesma coisa. Não se justifica de forma nenhuma, se não podemos bater em adultos como podemos bater numa criança de dois, três anos que não compreende a razão da palmada e não sabe defender-se. O mais pedagógico é explicar à criança o que está errado."
Dulce Rocha diz que Portugal nem sempre foi exemplar nesta matéria, mas atualmente a lei protege os mais novos deste tipo de castigos. "Temos uma legislação proibitiva desde 2007, mas os castigos corporais continuam a ser utilizados com tolerância e isso não pode continuar. Em Portugal temos uma história de desculpabilizar e de aceitar. Portugal chegou a ser condenado pelo Comité de Política Social do Conselho da Europa."
Está na mão de todos proporcionar um ambiente feliz às crianças, a começar pelo ambiente familiar. "Têm direito de um mundo sem violência e naquilo que podemos fazer, dentro da nossa família, das nossas comunidades, devemos fazer com que a violência não faça parte da vida destas crianças. A banalização da violência tem efeitos graves na violência no namoro, na violência doméstica, se for dado o sinal à criança de que a violência resolve os conflitos, ela vai crescer com esse modelo."
A estratégia nacional da campanha "Nem Mais uma Palmada" pretende envolver o máximo de pessoas possível.
No ano passado, a PSP contabilizou mais de nove mil denúncias de casos de violência com crianças. Com testemunhos de violência doméstica, ofensas à integridade física, maus tratos, ameaças, coação, difamação, calúnia e injúria, de acordo com a PSP, foi o ano em que se registou o maior aumento de queixas.
A Estratégia Nacional da Campanha "Nem Mais uma Palmada", iniciativa que assinala o Dia da Criança é apresentada esta quarta-feira no Instituto Champalimaud, em Lisboa.