O Centro de Acolhimento e Observação Psicopedagógica Santa Joana recebe crianças retiradas à família por ordem judicial. Uma equipa de 60 pessoas garante refúgio e colinho para os mais pequenos.
Corpo do artigo
Andreia Varão abre-nos a porta da casa. Está de mão dada com uma criança que não deve ter mais do que três anos. Ele acabou de acordar da sesta da tarde. Ainda tem os olhos ensonados. "Queres ir mostrar o teu quarto a estes senhores?", pergunta-lhe. Ele acena que sim.
O espaço é colorido. Os quartos de cama são partilhados e decorados a gosto. Nesta casa vivem 30 crianças. Os pais e as mães nem sempre estão lá. É um espaço de acolhimento temporário para crianças órfãs ou retiradas à família por ordem judicial. "Estas casas existem para dar resposta quando as crianças têm que se acolhidas e que não podem viver naquele momento com a família biológica", explica Andreia Varão, uma das educadoras de infância do Centro de Acolhimento e Observação Psicopedagógica Santa Joana em Lisboa.
TSF\audio\2018\11\noticias\03\02_novembro_2018_pessoas_e_causas
A rotina diária é bem diferente de uma creche. Desde o acordar ao deitar, passando pelas atividades extracurriculares e as idas ao médico, a equipa do centro tenta desfrutar de um dia a dia normal. "É um dia de família. Claro que é um dia de uma família muito alargada", conta Andreia Varão.
No centro de acolhimento trabalham cerca de 60 pessoas para dar resposta a 30 crianças institucionalizadas, que são retiradas à família devido a situações de negligência ou maus tratos. A mais nova tem 3 meses. Andreia Varão defende que o ideal seria o acolhimento familiar, em que uma criança seria recebida por uma família. "Enquanto isso não é totalmente possível, nós tentamos aqui ao máximo dar essa resposta e ter, para com estas crianças, uma intervenção terapêutica, no sentido de ser transformadora, deste tempo que estão connosco possam aqui trabalhar algumas emoções, crescer connosco e prepará-los para o projeto de vida que tiver que acontecer", detalha.
Apesar de serem muitas crianças, Andreia Varão explica que a equipa tenta dar uma atenção individualizada a cada bebé. É preciso dar colo. "[São] crianças que querem colo e não querem. Que choram, que se atiram para o chão. Isso seriam situações muito normais mas que aqui tomam, às vezes, uma outra proporção".
Filipe Saramago, diretor do Centro de Acolhimento e Observação Psicopedagógica Santa Joana, que pertence à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, explica que cada criança tem um plano costurado à medida, para que o trabalho junto de cada criança seja exclusivo. "O objetivo é nós termos aqui uma intervenção de alfaiate e não de pronto-a-vestir".
https://d2al3n45gr0h51.cloudfront.net/2019/07/22_casa_de_acolhimento_santa_joana_creditos_20190730182236/hls/video.m3u8
As famílias são bem-vindas na casa e é com elas que a equipa trabalha o futuro de cada criança. "Aquilo que nós queremos é ter uma lógica de completa transparência com as pessoas com quem trabalhamos. A partir do momento em que chega uma criança, nós fazemos um primeiro diagnóstico da situação, com a família", refere Filipe Saramago.
O diretor do centro de acolhimento conta que são recolhidas informações sobre a situação que conduziu a criança ao acolhimento e, a partir daí, é estabelecido um plano de intervenção para identificar fragilidades e encontrar estratégias para as ultrapassarem.
Não se trata de uma escola para pais, garante Filipe Saramago, mas uma forma de prepará-los para voltarem a viver com os filhos. "Tivemos agora há pouco tempo uma colónia de férias com as famílias. Essa colónia funcionou muito bem. Passamos ali um fim de semana em conjunto onde foi muito importante, não só para o estabelecimento da relação connosco", exemplifica. O importante, explica, é olhar para a família sem rótulos preestabelecidos.
Para quem trabalha com as crianças, nem sempre é fácil desligar o botão quando se sai do trabalho. "Há dias em que nos surge alguma situação mais dolorosa e que é mais difícil. Inevitavelmente não é um contexto em que se saia daqui e se feche a porta e amanhã há mais", explica Andreia Varão.
Os profissionais da casa trabalham em sistema de turnos. Apesar da rotatividade, tentam trazer estabilidade e segurança aos mais pequenos. "É importante conseguir estabelecer com as crianças relações seguras. Algumas delas não nos chegam a nós com experiência de relações muito seguras e de vínculo muito seguro. E com multi-cuidadores, por vezes, é difícil eles terem aqui essa relação tão segura quanto esperada".
É neste contexto de emoções, para todos, que muitas vezes dizem adeus às crianças que por aqui vão passando. Para Andreia Varão é sempre um dia feliz. "Só consigo ver o lado bom", revela. Confessa que tem muitas saudades dos miúdos que já viveram no centro de acolhimento mas quando chega a hora da despedida, Andreia Varão tem sempre uma mensagem de despedida: "vá, vai, sê feliz".