Os olhos azuis de Inês iluminam-se ao ver brinquedos e tanta cor. O Tribunal de Menores de Loures tem, a partir de agora, duas salas - uma delas de audição-, a pensar nos mais pequenos.
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"Era uma sala muito engraçada. Havia brinquedos, tinha piada. Se és ou te sentes criança, entra." A frase, colorida e em letras "irrequietas", pode ler-se numa porta, ao cimo da escada. A porta abre-se, mostra um pequeno espaço, ouve-se música infantil.
Há uma cozinha, tachos e panelas. Há jogos, há livros, um ecrã de televisão ainda à espera de uns dvd's. Há quadros com pinturas coloridas; quatro cadeiras vermelhas, uma mesa, livros de colorir, um "quadro" muito especial. Há jogos "de outros tempos" no chão.
Estamos numa de duas salas que o Tribunal de Menores de Loures criou, a pensar nas crianças, algumas muito pequenas, que têm de depor na Justiça. Os "pais" da ideia, os juízes Manuela Trigo da Fonseca e Eduardo Paiva, querem aliviar-lhes o sofrimento. Ajudá-los a falar, com conforto, das dores que trazem de casa.
Nesta "sala das brincadeiras", as crianças e os jovens podem distrair-se antes do depoimento perante um juiz. Ou simplesmente esperar, brincando, enquanto os pais são ouvidos.
Conforto acima de tudo
Ao lado, fica a outra sala, de audição, onde os menores podem prestar depoimento de uma forma bem mais confortável. Trocar a habitual sala fria, desconfortável, com cadeiras de madeira, onde acontecem habitualmente as audições.
Um sofá grande ao fundo; outros quatro, mais pequenos, frente a frente. Ao fundo, uma parede em tons de verde água serve de suporte a um quadro com uma paisagem: o rio, as montanhas, o verde, o azul, o castanho. Aqui, como na sala das brincadeiras, valeram os conselhos de uma psicóloga.
Filipa Gomes, a decoradora, seguiu as "instruções" à risca. "O mais importante é fazer com que a criança se sinta confortável" para conseguir falar com o juiz. Mas, ao mesmo tempo, "alguma seriedade", já que "aqui não há brincadeiras".
No dia em que a TSF esteve no Tribunal de Loures, ainda nenhuma criança tinha sido ouvida na nova sala de audições. Mas a das brincadeiras já tinha provas dadas.
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"Tudo mudou"
Inês (nome fictício) não tem mais de cinco ou seis anos. Agarrada ao pescoço da mãe, esteve um destes dias, no Tribunal de Menores de Loures. Pais desavindos, violência doméstica. A juíza Manuela Trigo da Fonseca bem tentou conversar com ela. Assustada, Inês não se convenceu.
Assumindo-se, ela também um pouco criança, Manuela conta que se lembrou, a dada altura, de ir buscar a chave da sala das brincadeiras, ainda por acabar. "Porque não levo lá a Inês?", pensou. "E fomos". A porta abriu-se e o "milagre" aconteceu: "quando olhou para as cores e para tudo o que ali havia, os olhos azuis muito lindos iluminaram-se. Saltou do colo da mãe, agarrou os tachos e foi para o fogão".
Divertida, a juíza conta ainda que a visita terminou com a técnica que acompanhava a menina a "jogar ao jogo da macaca". E, a partir daí, a "tudo mudou; a abordagem foi muito mais fácil".