"No momento em que acharmos que é normal haver animais na rua, perdemos a luta"
Dez autarquias do Alto Minho tiveram de deixar 193 animais na rua. Câmara de Aveiro diz que Orçamento do Estado para a questão dos animais de companhia é "ridículo".
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Um ano depois da entrada em vigor da nova lei que proíbe o abate de animais como medida de controlo da população, os veterinários continuam apreensivos devido ao número crescente de animais na rua. Os números atingem os 50 mil por ano e os centros de acolhimento para animais não têm capacidade de resposta.
No momento em que acharmos que é normal haver animais na rua, temos a luta perdida.
Ricardo Lobo, da direção da Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios, dá o exemplo da Comunidade Intermunicipal do Alto Minho, que integra dez autarquias.
"Desde janeiro entraram 197 cães, ficaram em lista de espera 193. As restituições foram de 18 cães, adoções foram 70 - o que até é uma boa taxa -, morreram 33 de causas naturais e foram abatidos 24 canídeos por agressividade e 54 por razões de saúde. Com estes números, deixámos 193 animais na rua até agosto", explica.
A lei dita que todos os animais recolhidos pelos centros de recolha oficial sejam esterilizados, uma medida que Ricardo Lobo diz ser positiva, embora não resolva os problemas. Um dos maiores problemas de deixar os animais na rua é, como explica, a banalização destas situações, que pode ter um efeito negativo para as populações.
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"No momento em que acharmos que é normal haver animais na rua, temos a luta perdida. A banalização de animais na rua na cabeça das pessoas é uma coisa muitíssimo perigosa. Até aqui fazíamos todos os esforços para tirar os animais da rua. Além disso, toda a sensibilização das crianças e jovens nas escolas é a de que não deve haver animais na rua. O que é facto é que, neste momento, estamos a fazer tudo ao contrário ao deixar os animais na rua", lamenta.
Em 2018, o Governo aprovou 17 candidaturas para a construção e modernização de centros de recolha oficial de animais de companhia, mas houve 112 que ficaram por financiar. Já este ano, foram aceites mais 20 candidaturas, no valor de mais de um milhão de euros, mas muitas continuam sem qualquer apoio.
O caso de Aveiro
O centro de recolha de Aveiro é um dos casos que não conseguiu financiamento através do programa do Governo. O presidente da autarquia, Ribau Esteves, lamenta que o valor disponibilizado pelo executivo - de dois milhões de euros - não seja o suficiente para todos os municípios nacionais.
"Candidatámos o projeto para ser cofinanciado, chumbou por motivos inenarráveis, sem sentido nenhum em termos administrativos. Mas percebo o chumbo, porque o dinheiro é tão pouquinho que não dá para financiar quase nada", revelou.
A autarquia reagiu com uma carta de protesto cujo principal tema era exatamente: a insuficiência das verbas. "O projeto custa 70 mil euros, a obra vai custar dois milhões e meio. Quando a dotação do orçamento do Estado para o país todo são dois milhões, está tudo dito."
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Ribau Esteves acusa o Governo e Assembleia da República de terem feito "folclore" à volta dos animais de companhia e aconselha a que o próximo Governo faça "um investimento e um trabalho de equipa" com as autarquias. "Dois milhões de euros no Orçamento do Estado para uma matéria desta natureza é ridículo."
Falhado o financiamento estatal, Aveiro decidiu avançar de forma autónoma com um canil intermunicipal com três polos: Águeda, Ovar e Aveiro. O concurso público para a obra que vai custar dois milhões e meio de euros e deve resultar num espaço para mil animais é lançado em outubro.