Novo Banco: "Auditorias são como sondagens." Renegociação, "escândalo", Leão e Centeno na AR
Partidos políticos reagem à auditoria ao banco. Relatório elaborado pela empresa de auditoria Deloitte sobre o Novo Banco foi entregue esta terça-feira ao Governo mas ainda não é público.
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A auditoria externa ao BES e ao Novo Banco, que revelou esta terça-feira perdas líquidas de 4.042 milhões de euros no Novo Banco, tem originado várias reações dos partidos com assento parlamentar. Se do PCP vem o lamento de que o "escândalo do BES" continue, do PAN chegam intenções de ver renegociado o contrato de venda do Banco à Lone Star, acompanhadas de um pedido de inquérito parlamentar. E o Bloco de Esquerda entende que o documento está pronto a publicar por não haver nada nele que seja confidencial.
O CDS pediu, desde já, que o ministro das Finanças, João Leão, e o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, sejam ouvidos em audição. Já o PSD, por Rui Rio, pede uma investigação levada a cabo pelo Ministério Público, até porque as auditorias "são como as sondagens: valem o que valem". O PS, por sua vez, atira as culpas da "doença" do Novo Banco para as falhas que atribui ao Governo PSD/CDS.
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Bloco de Esquerda quer que o documento seja tornado público de imediato. Faltam respostas sobre a gestão da Lone Star, diz Mariana Mortágua
"Não há nenhuma razão para que a auditoria se mantenha confidencial", garante a deputada do Bloco de Esquerda (BE) Mariana Mortágua depois de uma primeira leitura do documento. "O documento pode ser revelado desde já. Não tem nenhum dado que seja confidencial", diz Mariana Mortágua.
"A auditoria confirma alguns dados que já conhecíamos. O BES acumulou perdas de seis mil milhões de euros", algo que era "público", diz a deputada. Da leitura, explica Mariana Mortágua que se percebe quais as operações que originaram perdas. "Créditos concedidos para comprar ações do BCP, da PT e do Espírito Santo Financial Group, mas já sabíamos dessas operações", reitera.
Há no entanto informação sobre transações e créditos "perdoados", diz Mariana Mortágua, uma das novidades da auditoria sobre a gestão do BES/Novo Banco.
"Em 2017, no momento em que se fez a venda (...) todos os créditos ruinosos que vinham do passado explodiram, dentro das contas do Novo Banco registando perdas enormes. O que a auditoria não nos diz é se essas perdas poderiam ter sido evitadas", considera Mariana Mortágua.
O que o relatório não diz, da leitura preliminar feita pela deputada, é "se a LoneStar está a enganar o Governo português e os contribuintes, obrigando o Governo a pagar por prejuízos que poderiam ter sido evitados". Não há explicação, diz Mariana Mortágua, para alguns dos negócios que vieram a público nos últimos meses.
A auditoria "não tem resposta para a gestão privada do Novo Banco onde os riscos são pagos pelo Estado".
Novo Banco? Auditorias "são como as sondagens: valem o que valem"
O presidente do PSD, Rui Rio, defendeu esta segunda-feira que é essencial conhecer o que aconteceu com o Novo Banco "a partir do momento em que foi vendido à Lone Star, em 2017", mas optou também por ser polémico - como o próprio admitiu - ao considerar que as auditorias são como as sondagens, que "valem o que valem".
"Mais informação sobre o BES não é mau, mas não é aquilo que é absolutamente premente. O que é premente é nós percebermos o que aconteceu com o Novo Banco, não em [20]14 ou em [20]15, que era BES, mas a partir do momento que o Novo Banco foi vendido à Lonestar, em 2017", afirmou em declarações aos jornalistas à margem da visita ao Centro Hospitalar de São João, no Porto.
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A auditoria ao banco revelou, esta terça-feira, perdas superiores a quatro mil milhões de euros, algo que levou Rio a dizer que "o Novo Banco está doente e os contribuintes também ficam".
Ainda assim, Rio foi mais longe nas críticas e, admitindo ser polémico, disse que "as auditorias são como as sondagens: valem o que valem".
PS situa origem "da doença" no BES e acusa Governo PSD/CDS de ter falhado
O PS considerou hoje que a auditoria ao Novo Banco identifica a origem da "doença" financeira no Banco Espírito Santo (BES) e acusou o Governo PSD/CDS e a anterior administração do Banco de Portugal de terem "falhado".
Estas posições foram transmitidas à agência Lusa pelo vice-presidente da bancada socialista João Paulo Correia, em reação à auditoria que a Deloitte entregou ao Governo sobre os atos de gestão dos últimos 18 anos do BES/Novo Banco.
"Esta auditoria diz-nos que a doença do BES passou para o Novo Banco, ao contrário do que tinha sido anunciado e prometido pelo anterior Governo PSD/CDS e pela administração do Banco de Portugal no dia da resolução", em 03 de agosto de 2014, apontou o vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS.
João Paulo Correia referiu que o executivo de Pedro Passos Coelho e a equipa do Banco de Portugal liderada por Carlos Costa "prometeram ao país que iriam constituir um banco bom, que os ativos tóxicos ficariam no BES e que este Novo Banco ficaria com a matéria positiva do BES".
"Mas esta auditoria diz-nos que as perdas que o Novo Banco tem registado - e que têm motivado injeções de capital por parte do Fundo de Resolução ao longo dos últimos anos - são resultado exatamente destes ativos tóxicos que passaram do balanço do BES para o balanço do Novo Banco. Estamos a falar de créditos que tinham um valor muito acima daquilo que realmente valiam à época", exemplificou o dirigente socialista.
De acordo com João Paulo Correia, o Governo PSD/CDS e o Banco de Portugal, "por taticismo político, optaram por não reconhecer a totalidade da necessidade de capital para constituir o Novo Banco".
"Em vez dos 4,9 mil milhões de euros de capitalização inicial, o Novo Banco precisava de perto de dez mil milhões de euros. Muitos dos ativos não foram reconhecidos à época. As perdas desses ativos têm sido reconhecidas agora", lamentou ainda o dirigente da bancada socialista.
João Paulo Correia reforçou depois a tese de que as decisões que foram tomadas no período final do BES "têm responsáveis".
"Do nosso ponto de vista, os responsáveis são [a administração] à época do Banco de Portugal e o Governo PSD/CDS. O que prometeram ao país não foi aquilo que aconteceu, falharam e têm de ser responsabilizados", disse.
PAN quer renegociação dos contratos de venda e inquérito parlamentar
O PAN vai propor a renegociação dos contratos de venda do Novo Banco ao fundo norte-americano Lone Star e apoia uma comissão de inquérito parlamentar, face às conclusões da auditoria externa a esta instituição bancária.
Estas posições foram anunciadas pelo deputado e porta-voz do PAN, André Silva, num vídeo em que considera também que está demonstrado que "a transferência de 850 milhões de euros feita em maio foi uma decisão política desastrosa e lesiva do interesse público e, portanto, também aqui deverá haver um esforço do Governo para que seja feito um 'mea culpa' e que relativamente a esta decisão se apurem todas as responsabilidades que houver para apurar".
"O PAN proporá, em sede do próximo Orçamento do Estado, a renegociação dos acordos de venda do Novo Banco e encargos futuros para o erário público e [quer] assegurar que durante a crise sanitária ou por causa dela não será injetado mais nenhum dinheiro público no Novo Banco", declara André Silva.
O porta-voz do PAN defende que "a gravidade dos factos que constam dos resultados desta auditoria justifica uma comissão de inquérito parlamentar que procure aprofundar os respetivos contornos e apurar todas as responsabilidades por tais factos que tanto lesaram o erário público, nomeadamente as responsabilidades de natureza política".
"Por isso, o PAN afirma-se desde já disponível para fazer parte do consenso necessário para viabilizar uma eventual comissão de inquérito", acrescenta.
No início da sua intervenção, André Silva diz que os resultados desta auditoria externa que cobre o período entre 2000 e 2018 e revelou perdas líquidas de 4.042 milhões de euros "fazem hoje cair por terra alguns mitos que, numa complacência inadmissível com este crime de colarinho branco, foram sendo alimentados ao longo dos anos por PS e PSD", como o de que do processo de resolução do Banco Espírito Santo (BES) resultaria "um banco bom e um banco mau".
"O que tínhamos era um banco ruinoso e um banco péssimo, sendo que chegámos a esta situação devido à gestão ruinosa de Ricardo Salgado, mas também à complacência que tiveram para com ele ao longo dos anos o poder político, o Banco de Portugal e, em particular, os governadores do Banco de Portugal Vítor Constâncio e Carlos Costa", acusa, defendendo "que se apurem todas as responsabilidades existentes pela situação a que chegou o BES e pelas mentiras que foram contadas aos portugueses".
O Novo Banco, que ficou com parte da atividade bancária do BES na sequência da resolução de 2014, foi vendido em 2017 ao fundo norte-americano Lone Star, que detém 75% do seu capital, sendo os restantes 25% propriedade do Fundo de Resolução bancário, entidade gerida pelo Banco de Portugal.
André Silva começa por mencionar que os resultados da auditoria ao Novo Banco realizada pela consultora Deloitte "ainda não foram entregues aos partidos" na Assembleia da República e realça que, para o PAN, "deverão ser públicos e acessíveis a todos os cidadãos e cidadãs que tenham interesse na sua consulta".
Desde já, com base "nos dados que vieram a público por via da comunicação social", o deputado dá como comprovado que "a gestão do Novo Banco tem sido, desde sempre, ruinosa e focada no objetivo de ter prejuízo e de obter transferências de dinheiros públicos que em nada ajudam o sistema bancário e que apenas servem para encher os bolsos da Lone Star e dos seus acionistas".
Segundo o PAN, "o segundo mito" agora desfeito "é de que o Governo do PS e em especial o ex-ministro das Finanças Mário Centeno, ao passarem sucessivos cheques em branco de muitos milhões de euros para o Novo Banco, estariam a garantir o cumprimento do contrato de venda do banco e, no fundo, a defender o interesse público".
O PAN quer que, "para além de se averiguarem as responsabilidades criminais, também se avaliem as responsabilidades políticas associadas, sejam elas de quem forem e tenham elas as consequências que tiverem".
André Silva refere que a renegociação dos contratos de venda do Novo Banco "já poderia estar em curso se, em sede do Orçamento Suplementar, esta proposta do PAN não tivesse chumbada com o voto contra do PS e a abstenção do PSD e do PCP".
O porta-voz do PAN manifesta a expectativa de que os resultados desta auditoria tragam "uma mudança de postura da parte do poder político relativamente ao Novo Banco e à banca no geral", sem mais "cheques em branco".
"Escândalo do BES continua"
O deputado comunista Duarte Alves considerou hoje que "o escândalo do BES continua com o Novo Banco", reiterando a necessidade de controlo público daquela instituição financeira.
"Estas perdas hoje divulgadas revelam, mais uma vez, que o PCP tinha e tem razão quando afirma que, uma vez que o Estado continua a pagar a conta da limpeza do Novo Banco, este deve ser revertido para a esfera pública e colocado ao serviço da economia e do país. Quanto mais cedo se avançar com o controlo público mais cedo se acaba com a gestão danosa que acaba sempre por ser paga por todos os portugueses", disse, em declarações aos jornalistas no parlamento. .
O parlamentar do PCP sublinhou que "devem ser apuradas todas as responsabilidades judiciais relativamente aos atos de gestão danosa do Novo Banco".
"Mais uma vez se confirma que o escândalo BES continua com o Novo Banco, desde logo com a fraudulenta resolução pelo Governo PSD/CDS, em que se mentiu aos portugueses, dizendo que era possível resolver o banco com o que restava dos fundos da 'troika' e separando um suposto banco bom de um banco mau. Depois, com a ruinosa privatização pelo Governo PS em que se entregou, praticamente a custo zero, o Novo Banco a um fundo abutre que continua a gerir os ativos conforme os seus interesses", continuou.
CDS exige explicações sobre perdas a Mário Centeno e João Leão
O CDS requereu hoje, com caráter de urgência, a audição do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, e do ministro das Finanças, João Leão, para darem explicações sobre as "perdas muito avultadas" do Novo Banco.
Num requerimento assinado pela ex-líder parlamentar Cecília Meireles, refere-se que a Assembleia da República recebeu hoje a auditoria à gestão do Novo Banco e que, de acordo com o que está a ser noticiado pela comunicação social, revela perdas líquidas de 4.042 milhões de euros.
"De acordo com o mecanismo de capital contingente desenhado aquando da venda do Novo Banco, o Fundo de Resolução (com recurso a empréstimos do Estado e, consequentemente, dos contribuintes portugueses) responde pelas perdas relacionadas com alguns ativos em determinadas circunstâncias até ao montante de 3.900 milhões de euros", aponta a deputada democrata-cristã.
Em declarações à agência Lusa, a deputada do CDS-PP começou por "lamentar que uma auditoria que foi tão esperada, que chega agora ao parlamento" e, ainda antes de os deputados terem acesso à mesma, começam "a saber o seu conteúdo pela comunicação social".
"Eu penso que teria sido mais transparente então ter mandado a auditoria para toda a gente", apontou.
Cecília Meireles explicou que pediu "com urgência que fossem ouvidos o Governador do Banco de Portugal e o ministro das Finanças" uma vez que já se encontram agendadas as audições do Conselho de Administração do Novo Banco e do Fundo de Resolução sobre este assunto.
"Em 2017, o então Governo e o ministro das Finanças da altura, Mário Centeno, decidiu vender o Novo Banco, responsabilizando em determinadas circunstâncias o Estado por perdas até 3.900 milhões de euros. Ora nós ficamos agora a saber que esta auditoria deteta perdas de um montante aproximado de 4.000 milhões de euros e a primeira coisa que eu quero saber é se nós estamos a falar das mesmas perdas que em 2017 já se previa que pudessem existir ou de outras perdas", afirmou.
Por outro lado, de acordo com a deputada do CDS-PP, há "um vendedor, o ministro das Finanças da altura, que foi o vendedor do Novo Banco e que é agora o supervisor do Novo Banco".
"E, portanto, eu acho que é fundamental nesta matéria ouvir Mário Centeno, que foi o ministro das Finanças que vendeu o banco e que é agora o Governador do Banco de Portugal que supervisiona o banco. Eu creio que é uma audição que todos perceberão a sua necessidade", justificou.
A auditoria externa ao BES e ao Novo Banco revelou esta terça-feira perdas líquidas de 4.042 milhões de euros no Novo Banco e, segundo o Governo, o "relatório descreve um conjunto de insuficiências e deficiências graves" até 2014.
O relatório, elaborado pela empresa de auditoria Deloitte e entregue hoje ao Governo, analisou atos de gestão no Banco Espírito Santo e no Novo Banco, desde 01 de janeiro de 2000 até 31 de dezembro de 2018, e incidiu sobre "283 operações que integram o objeto da auditoria, abrangendo, portanto, quer o período de atividade do Banco Espírito Santo, quer o período de atividade do Novo Banco".
Este conjunto de operações originou perdas de 4.042 milhões de euros para o Novo Banco entre 04 de agosto de 2014 (um dia após a resolução do BES) e 31 de dezembro de 2018.