"Nunca vamos ter um robô a fazer uma peça da Bordallo. Há coisas que se não forem feitas à mão perdem a identidade"
Corpo do artigo
Nuno Barra, licenciado em Economia pela Universidade de Coimbra, passou pela Universidade Libre de Bruxelas, NBA no ISCTE, entre outros títulos académicos, começou a carreira na TAP, onde assumiu o primeiro cargo de direção com apenas 26 anos, e depois foi caminhando, passou também por consultoras, PWC e KPMG, até chegar ao grupo, e está hoje aqui na qualidade de administrador do grupo que detém a Bordallo Pinheiro. Uma das empresas icónicas da cultura portuguesa, pelo fabrico das loiças com figuras como o Zé Povinho, para não falar de outras mais atrevidas.
TSF\audio\2023\12\noticias\01\02_dezembro_2023_a_vida_do_dinheiro_gravado_ao_vivo_nas_caldas_da_rainha_nuno_barra
De qualquer forma, as faianças desta fábrica são uma espécie de símbolo do coro, a joia da coroa desta terra onde estamos, inclusive tem o museu nas Caldas da Rainha. Seja bem-vindo, Nuno Barra, à Vida do Dinheiro.
Sendo a Bordallo Pinheiro uma filha da terra e tendo uma história centenária, é uma enorme responsabilidade fazer renascer esta marca. Como foi o processo de recuperação de uma empresa tradicional quando em 2009 estava a beira da falência e hoje tem um posicionamento de mercado competitivo e completamente integrado.
A Bordallo Pinheiro é de facto uma enorme responsabilidade pela ligação que tem à cidade e à região, embora a Bordallo desde o início tenha uma excelente matéria-prima, digamos assim, na base tinha um dos artistas mais geniais que houve em Portugal, mesmo às vezes ainda é um bocadinho desconhecido, e essa foi a base. Ou seja, foi chegar à Bordallo e ver o que é realmente diferenciador e o que pode potenciar esta marca.
Mas em Portugal alguém desconhece Bordallo Pinheiro?
Ainda há pessoas que desconhecem. A Bordallo não é desconhecida, mas ainda há desconhecimento. E sobretudo se recuarmos para 2009 ou 2010 havia uma grande confusão do que que era a loiça das Caldas e o que era a Bordallo Pinheiro. As coisas muitas vezes confundiam-se. E o primeiro desafio foi esse mesmo, foi dizer que a Bordallo Pinheiro é uma empresa criada pelo Rafael Bordallo Pinheiro, em 1884, tem todo um legado cultural e artístico, e a loiça das caldas é outra coisa. Esse foi o primeiro grande desafio e acreditem que não foi um desafio fácil, porque muita gente confundia. Às vezes até na televisão, quando faziam perguntas. E, portanto, o desafio foi precisamente criar, logo no início, essa divisão e explicar que o Bordallo Pinheiro é uma coisa e a loiça das caldas é outra. E ainda hoje há, apesar da notoriedade da marca ser bastante melhor em Portugal. Agora o que foi surpreendente, sim, foi, na altura, haver um desconhecimento muito grande sobre a obra do Rafael Bordallo Pinheiro, sobre quem era Rafael Bordallo Pinheiro e o seu legado artístico.
Mas em 2009 há aqui uma tentativa de reanimar esta empresa que estava à beira da Falência. Como é que foi esse processo?
Foi um processo gradual. Ou seja, a primeira coisa que se percebeu era que sim, o ponto de partida era bom, Rafael Bordallo Pinheiro tinha deixado o tal legado histórico e artístico. Percebeu -se que tinha um enorme potencial, mesmo a escala global, reparem que naquela altura, a Bordallo resvalava entre o kitsch e o atrativo.
E vocês quiseram unificar um pouco, dar uma identidade nova, moderna e um segmento de luxo?
Não exatamente. O segmento de luxo é a Vista Alegre, são do mesmo grupo, mas a Bordallo é um segmento um bocadinho diferente. Tem-se vindo a trabalhar a Bordallo como uma love brand, ou seja, como uma marca que, de facto, as pessoas gostam, porque tem muito assento para estar na raiz artística. Mas o que se fez na altura foi definir uma estratégia para a recuperação da Bordallo, que andou com uma atuação nos quatro 'P's do Marketing, que não é nada de novo, mas começou -se primeiro por definir o que é que se pretendia fazer da Bordallo. Porque, em 2009, as vendas da Bordallo 30 % das vendas eram market, 70 % eram private level. E só para ter uma noção, a primeira vez que se vai a uma feira internacional, chegámos a um stand enorme em Paris e pensámos "isto é um stand Bordallo, que curioso". E vamos ver e era a produção toda Bordallo, mas nenhuma com marca Bordallo. Portanto, estamos a falar de couves, estamos a falar de tomates, estamos a falar daqueles produtos icónicos da Bordallo que de repente estavam a ser vendidos com marcas de outros. E não havia aposta nenhuma na marca, a marca estava gradualmente a desaparecer. O que se fez aí foi precisamente pensar o que é que queríamos do negócio, se queríamos um negócio de marca ou que fosse um negócio simples de produção e private level. Isso parece uma decisão simples, mas o que é que isso significa? É que no dia a seguir, se dissermos que queremos optar pela estratégia marca, significa que vamos ter de riscar algumas centenas de milhares de euros de faturação, porque vamos deixar de vender a clientes que vendem com marca própria. Ainda assim, pelos estudos que se fizeram, pela análise do mercado, achámos que valia a pena e decidiu -se que o primeiro ponto era a marca. Riscar tudo aquilo que era vendido, na altura a empresa faturava dois milhões e meio e riscámos cerca de um milhão e meio de faturação.
E quanto tempo levaram a recuperar essa faturação?
Cerca de três anos.
Depois acabaram também optar por modernizar as instalações, por fazer investimento. Que investimento foi esse?
Temos feito vários investimentos ao longo do tempo. Algumas áreas da fábrica, com processo muito manual - e que continua a ser um processo muito manual, cerca de 80% -, mas havia muita coisa que já estava muito desatualizada. Portanto, foram-se fazendo investimentos. Em 2016/2017, considerou-se que estava na altura de reformular a fábrica toda, refazer o layout todo. Não só por uma questão de produção, mas também para criar as condições internas para que as pessoas se sintam bem a trabalhar. Imagine o que é passar um dia a pintar uma peça no meio de uma fábrica que, naturalmente, é barulhenta. Não era propriamente muito apropriado, mas dadas as condições não dava para fazer essa reformulação antes. Mas em 2016, sobretudo em 2017, fez-se um investimento de oito milhões de euros para reformular a fábrica toda.
Que começou com um valor inicial previsto de sete milhões, mas que depois acabou por derrapar para os nove milhões. Ou seja, foi uma derrapagem ou foi um reajuste necessário?
Foi um reforço, porque quando se fez o planeamento, fez-se a contar com uma faturação e o mercado internacional começou a absorver muito mais do que se tinha previsto. Portanto, houve necessidade de reforçar aquele investimento, até mesmo por uma necessidade de mercado.
Houve uma melhoria evidente nesse crescimento e na rentabilidade do vosso negócio com esse investimento?
Sim, porque a fábrica estava muito limitada do ponto de vista do crescimento e da capacidade de produção e este investimento foi precisamente para lhe dar mais capacidade e torná-la mais eficiente. Em 2009 começámos com uma faturação de dois milhões e meio, em 2016 estava previsto que com a reformulação e o investimento que chegássemos aos nove milhões, mas rapidamente passámos para os 11 milhões. Atualmente, estamos perto dos 13 milhões.
É fácil nesta região reter talento e ir buscar os recursos humanos que precisam? Por um lado, recursos criativos, por outro, também para a fábrica e para a produção. Com universidades aqui perto, é fácil ir buscar novos talentos e retê-los?
É uma generalização dizer-se que há muita falta de mão-de-obra e, de facto, existe. É muito difícil recrutar mão-de-obra qualificada atualmente, sobretudo nestas atividades que são muito de mão-de-obra intensiva, mas qualificada. Ou seja, um pintor demora facilmente cinco anos a formar, ou um escultor ou um modelador. Tem sido bastante difícil de encontrar pessoas que queiram dar continuidade, mas temos várias colaborações com as universidades. Mas ainda há um grande desconhecimento do que é a indústria, para começar, portanto, logo à partida as gerações mais novas olham para a indústria com alguma desconfiança. Depois, os que vêm, aprendem o processo, mas depois querem seguir outras coisas. Geralmente, a formação é de belas-artes e quando têm o seu período de formação, depois querem seguir o seu próprio caminho.
https://d2al3n45gr0h51.cloudfront.net/2023/11/avd_20231130_nuno_barra_01_20231130181429/hls/video.m3u8
E quantos são nesta altura? Há um número definido para irem buscar para estágios às universidades?
Não há um número definido. Todos os anos integramos jovens que queiram vir trabalhar connosco, mas sabemos que a maior parte deles, ao final de algum tempo, saem. Vão entrando sempre novos jovens na fábrica, não há propriamente uma porta fechada, aliás, há até uma porta aberta. Depois, muitas vezes também vão para outras áreas dentro do grupo, já há casos em que entraram na Bordallo e depois mudaram para a Vista Alegre, por exemplo.
Nesse processo de inovação perderam alguma identidade do fabrico artesanal?
A partir do momento em que se definiu assente em marca, o pilar seguinte é o produto. O produto significa que exige constantemente diferenciação e a Bordallo, na sua génese, já tem vários elementos que são diferenciadores. Coisas como a ornamentação, a pintura à mão, a modelação, portanto, todos os processos core são muito manuais e é o que lhe dá identidade. No dia em que perder essa identidade, perde o seu fator de competitividade.
E com o advento da inteligência artificial, quando é que vamos ter um robô a fazer uma peça da Bordallo?
Não vamos.
https://d2al3n45gr0h51.cloudfront.net/2023/11/avd_20231130_nuno_barra_02_20231130181320/hls/video.m3u8
Como é que sente a inovação dentro da empresa e especialmente para os clientes? Há aqui uma transformação digital do vosso negócio, presumo, e que faz com que alcancem novos públicos. Como é que se faz esta transição?
A transição digital tem-se vindo a verificar sobretudo na área da distribuição e da comunicação, não na área da produção. Na produção são, quando muito, otimizações daquilo que se vai fazendo no processo produtivo, mas não é determinante. Por exemplo, se fizermos um paralelo com a indústria de luxo - e a Bordallo não é de luxo -, é assente em artesanato, em saber fazer. No dia em que deixar de existir essa manufatura na Europa, porque não vamos ser líderes tecnológicos como a China ou os Estados Unidos, mas vamos ser muito assentes em luxo e turismo que, por sua vez, assentam nas raízes histórico-culturais que temos e que são muito diferenciadoras. O manual vai ser fundamental até para a própria competitividade da indústria europeia para o futuro. Portanto, há coisas que não podem deixar de ser feitas à mão, porque no dia em que deixar de ser assim, então perdem a sua identidade, perdem o storytelling.
Essa digitalização nota-se onde? Na venda direta também? É possível comprar online e talvez aí garantam grande parte das vossas exportações, é isso?
Sim, exatamente. Na distribuição foi precisamente um dos objetivos, ou seja, controlar o processo de distribuição da Bordallo o que, entre outras coisas, levou à criação de lojas online que atualmente, no mundo inteiro, já são seis. Cobrimos o mundo inteiro, com exceção da Rússia por razões óbvias, mas um cliente da Coreia do Sul pode encomendar uma peça da Bordallo e ela chega lá sem problemas nenhuns e intacta.
O que diferencia essas seis lojas?
No fundo são adaptações da loja ao mercado. Ou seja, mesmo aqui ao lado, em Espanha, pode não fazer sentido certos produtos, assim como na Ásia acontece o mesmo. No Brasil e Estados Unidos, por exemplo, tivemos de reduzir a gama para podermos ter uma entrega mais rápida, porque o problema que tínhamos era sobretudo logístico.
E como é que está organizado esse plano de internacionalização? É só vendas online ou vão aos mercados?
Há de tudo um pouco, depende da região. Por exemplo, em Espanha temos uma estrutura local, mas depois há países onde vendemos só via online, como a Alemanha, noutros países temos distribuidores, como na Itália e na Coreia do Sul. No Brasil temos uma equipa local que faz a gestão e em França também temos uma equipa local porque temos uma loja em Paris, nos Estados Unidos também temos equipa local. Mas depois temos outros mercados, como os Benelux, por exemplo, em que é venda direta via online. Portanto, o processo de internacionalização, a organização por mercados, está dependente do potencial que o mercado vai revelando. Quando o mercado começa a ter uma certa dimensão, então questiona-se se faz sentido ter uma estrutura local ou não.
E para onde se dirigem neste processo? Quais são os mercados que mostram mais valorização da marca e em que vale a pena fazer um investimento maior?
Neste momento, o Reino Unido é o mercado que, curiosamente e mesmo depois do Brexit, representa maior possibilidade de crescimento para a Bordallo. Os Estados Unidos e alguns mercados onde também temos alguma presença, mas que podia ser muito maior se fosse potenciada, como a Coreia do Sul.
Nessa estratégia tiveram em causa os países em que Rafael Bordallo Pinheiro conquistou medalha de ouro em exposições internacionais?
Sim. No processo havia dois mercados que eram evidentes para a Bordallo quando se começou a reforçar o posicionamento internacional: França, porque o trabalho de Bordallo era muito influenciado por artistas franceses e depois há a ligação de quando ficou responsável pelo Pavilhão de Portugal na Exposição Universal de 1889. Imagine o que é, no final do século XIX, alguém das Caldas da Rainha com uma fábrica de cerâmica levar uma centena de peças para Paris para fazer um stand de Portugal, na Exposição Universal, ao lado da inauguração da Torre Eiffel. E ganhou o prémio de melhor pavilhão, uma coisa excecional.
E essa memória e arrojo daquela época vale hoje alguma coisa para a marca nesses mercados?
Está no ADN da marca, bem como a irreverência, algum inconformismo, alguma crítica. Isso é génese da Bordallo e dele próprio. E mesmo no desenvolvimento do produto é uma coisa que questionamos bastante, ou seja, o que faria Bordallo se fosse vivo?
E se fosse vivo hoje, o que pensaria da Coreia do Sul, o mercado mais recente?
Já lá estaria, certamente. Percebeu-se que havia uma oportunidade é, neste momento, o mercado com maior consumo de luxo per capita no mundo embora, mais uma vez, Bordallo não seja luxo, mas são indicadores do tipo de consumo e é muito focado nas marcas europeias. As marcas europeias são muito apreciadas na Coreia do Sul e há, de facto, um mercado muito intenso.
A experiência da Vista Alegre, por exemplo, é importante para a Bordallo?
Sim, foi muito importante, sobretudo nos primeiros tempos da reorganização dos canais de distribuição. Quando saímos de uns canais para apostar noutros, a Vista Alegre foi decisiva para acolher alguns produtos mais premium da Bordallo, mais artísticos, mais baseados na obra de Rafael.
E mesmo na estratégia de internacionalização é importante porque já está em mercados de luxo e já conhece os players. Surpreendeu-vos a aceitação que tem havido de Bordallo Pinheiro nos mercados internacionais?
Confesso que em certos mercados, sim. A maior grande surpresa para nós deve ter sido a Suécia, porque o perfil do consumidor nórdico diria que à priori nada tem a ver com Bordallo Pinheiro, pelo design minimalista que têm. Na altura, ouvia-se muito as pessoas dizerem que nos nórdicos não tínhamos hipótese nenhuma, mas nessas coisas aprendemos um bocadinho com o Rafael e achamos que só testando é que sabemos. Testámos, a medo, mas correu muito bem e de repente tínhamos a Bordallo numa importante rede de lojas na Suécia. E logo no ano em que entrou, passou para o top três dos mercados, foi uma coisa absolutamente inédita. Mas isso foi importante e a tentativa e erro é importante, até para percebermos o que está à nossa volta. Temos de compreender o que na limita, se podem ser as nossas convicções sobre os mercados.
Onde foi a vossa maior deceção?
Neste momento, não lhe sei dizer. Maior dificuldade a entrar, talvez na Alemanha, também porque estamos muito dependentes das vendas online. No início foi difícil, agora já tem números interessantes, embora ainda esteja longe do potencial. Aí não é por acaso a ligação com a Claudia Schiffer, porque se entendeu que o mercado alemão é o número um europeu com a economia mais pujante e no nosso ranking não aparece no top dez. Portanto, há alguma dissonância entre o potencial do mercado e aquilo que está a ser aproveitado, mas acreditámos que podia ser muito mais rápido, embora estando assente só no online seja mais difícil.
Mesmo com a atual conjuntura?
Sim, porque o produto Bordallo não é caro, não é de difícil acesso.
Mas temos uma Alemanha em recessão.
Mas eles consomem na mesma.
Têm uma quota de 60% de vendas ao exterior, é isso? Percebo que o vosso mercado externo esteja em crescimento e com um potencial grande, mas e internamente? Qual é o consumo nacional?
O mercado nacional tem vindo a crescer todos os anos. Portanto, crescem ambos, embora o mercado externo mais e com mais ritmo porque também engloba várias geografias, mas o mercado nacional continua a crescer. Relativamente ao produto, o portefólio foi sendo acrescentado, nomeadamente direcionados para segmentos mais jovens. Aliás, atualmente temos produtos onde entram consumidores com 18 anos, são produtos com um storytelling por trás que foram pensados para atrair essa camada mais jovem. Neste momento, o mercado externo já representa 69%, mas o mercado nacional será sempre o mais importante para nós e por diversas razões. Primeiro, porque por princípio não acreditamos que seja possível internacionalizar sem ter uma boa base, isto com a marca, não acreditamos que seja fácil sair sem ter uma base forte no mercado nacional. Tanto que há coleções que são feitas especificamente para alguns mercados, mas o nacional é o principal.
https://d2al3n45gr0h51.cloudfront.net/2023/11/avd_20231130_nuno_barra_03_20231130181456/hls/video.m3u8
E juntando agora o museu, a região que recebe bastante turismo anual, como é que retrata o vosso posicionamento aqui?
A relação da Bordallo com a região é uma coisa característica, faz parte da marca. É uma região de cerâmica, é muito competitiva desse ponto de vista, tem uma indústria belíssima de cerâmica e muito valorizada no exterior.
Mas conseguem captar esses turistas que visitam a região?
Sim, temos imensos turistas. Temos uma loja, que precisa de intervenção rápida também, mas que está permanentemente com turistas americanos, brasileiros, que fazem o desvio para as Caldas da Rainha.
Abriram uma loja em Paris, mas há mais em perspetiva?
A perspetiva é que a Bordallo cresça com lojas próprias no exterior, mas uma loja própria lá fora é um desafio muito grande, porque não tem a estrutura logística que tem aqui. O nosso objetivo era crescer, mas no retalho crescer com lojas próprias devagarinho. Chamamos-lhe um processo de micro internacionalização, ou seja, abrir uma loja em Paris não é igual a abrir em França. A nossa loja está ao pé da assembleia nacional.
E é rentável essa loja?
É rentável, neste momento, embora não seja muito rentável porque, como deve imaginar, as rendas em Paris são caríssimas. Mas ela tem dois propósitos: o propósito de marketing, de dar a conhecer a loja no coração de Paris, e o outro é o de vender.
O que está em estudo para 2024 em termos de investimento noutros mercados?
Como disse há pouco, o Reino Unido é um mercado onde temos vindo a apostar bastante, mas tudo isto é muito gradual. Há dois anos entrámos no Harrods, provavelmente com o potencial que o mercado tem, vamos começar a estudar a hipótese de estudar a abertura de uma loja numa zona de Londres. Estamos a analisar ainda o sítio, porque onde a marca hoje está é precisamente na rua do Harrods, uma zona de luxo de Londres. A questão que se coloca é se queremos continuar a dar esse posicionamento e, se for, então temos de abrir ali, mas uma renda de uma loja pequena naquele sítio custa facilmente 50 mil euros por mês. Portanto, como é que se rentabiliza uma loja de 50 mil euros por mês? Não sendo assim, teria de ir para outra zona de Londres, saindo da zona de conforto onde a marca já é conhecida e uma zona de alto rendimento, mas é tudo uma questão de balanceamento estratégico.
A atual conjuntura preocupa-o?
Do ponto de vista da Bordallo, uma das coisas que aprendemos com a pandemia foi que é fundamental a diversificação dos mercados, porque foi isso que permitiu que o embate da covid não tenha sido tão grande. Mas claro que sofremos bastante, como toda a indústria da cerâmica, porque foi violentíssimo, mas podia ter sido muito pior - e quando digo muito pior é mesmo muito pior -, se não houvesse essa diversificação de mercados. Portanto, sim, neste momento o contexto económico na Europa não é brilhante, aliás, na Alemanha percebe-se que há uma grande desconfiança sobre o que se vai passar na economia, muito por efeito da guerra e das ligações históricas do país com ambas as guerras. O impacto psicológico da guerra de Israel é notório. No entanto, penso que será passageiro.
Qual é a vossa perspetiva para 2024 ao nível da faturação?
Temos como alvo atingir os 15 milhões, mas não obviamente em 2024. No entanto, é esse o objetivo futuro.
É com o aumento da quota de vendas para o exterior que pretendem alcançar esse valor?
Sim, embora Portugal ainda tenha vários segmentos. Há o segmento dos serviços de mesa e das peças decorativas e depois há um outro, o da arte contemporânea, que tem muita capacidade para crescer, quer ao nível nacional, quer ao nível internacional. Isto para dizer que, no máximo, o que se antevê é que o mercado externo represente 80% e o mercado nacional 20%. Deve ser esse o limite, até porque depois a capacidade de produção da fábrica tem de responder a isso.
Mas tendo em conta essas nuvens no horizonte, por exemplo, desde o início da guerra na Ucrânia e com o aumento do custo dos combustíveis e da energia, como é que superaram esse constrangimento, tendo em conta que foi um setor que se queixou bastante?
Foram anos muito difíceis, complicados, mas se não tivesse havido a diversificação, nomeadamente com alguns canais de distribuição fechados, teria sido pior. Agora, nesta fase, estamos a tirar alguns benefícios da abertura para esses mercados, mas o embate foi de tal forma que podia ter corrido muitíssimo mal. Os custos da energia chegaram a um ponto em que nem valia a pena continuar a produzir, basicamente pagava-se para produzir.
https://d2al3n45gr0h51.cloudfront.net/2023/11/avd_20231130_nuno_barra_04_20231130181414/hls/video.m3u8
E iniciaram a vossa transformação energética nesse período ou não?
Já tínhamos vindo a fazer um exercício de substituição da energia por painéis solares, mas a indústria cerâmica é uma grande consumidora de energia. Por muito que se invista em renováveis, é sempre preciso muita energia de rede porque os fornos consomem muito. Esse processo é lento, mas agora está tudo com grande esperança no hidrogénio, pode ser que daqui a uns anos venha a ser uma boa forma de reduzir custos energéticos, mas ainda é uma incógnita.
Sentem-se confiantes e preparados para as novas regras ESG?
Sim. Isto já vem de há algum tempo, embora em Portugal ainda se note um bocadinho menos. Mas os capitais de risco estrangeiros já não entram facilmente num projeto se não houver um plano de sustentabilidade e governance claro. Portanto, há uma série de constrangimentos de acesso ao dinheiro se as empresas não se prepararem para isto, mas têm vindo a preparar-se.
Não fizeram este percurso sozinhos, porque é muito difícil fazer esta renovação da indústria tradicional para uma modernização, especialmente quando vêm de um período de pré-falência. Acha que há apoios suficientes em Portugal para as empresas inovarem e transformarem os seus negócios e alcançarem novos mercados?
Há assuntos muito concretos nesse aspeto. Os apoios para a indústria se modernizar, vai havendo, nomeadamente para os equipamentos, e ainda bem que há porque os investimentos são pesados e a inovação tecnológica é constante. Quem não acompanhar vai, naturalmente, perder competitividade relativamente aos que o fazem. Mas há duas variáveis: uma é a produção e equipamentos, a outra é a marca e o domínio dos canais de distribuição. Nesta última, acho que peca muitíssimo porque não há apoios nenhuns. Um exemplo simples: achamos que são empresas com dimensão, mesmo no caso da Vista Alegre, mas se as compararmos no plano europeu, são empresas pequenas. E quando se quer internacionalizar a marca e se precisa de algum apoio da comunicação, esbarramos com aquilo que são os custos da comunicação ao nível internacional. A Bordallo fez uma campanha de uma semana no metro de Paris quando abriu a loja e essa uma semana foram 45 mil euros. Agora, quanto tempo é que devia fazer no metro de Paris para dar a conhecer a marca e criar impacto? Se calhar uns dois meses, mas onde é que tínhamos esse dinheiro? E há questões, que até se discutem em Portugal, mas também ao nível europeu, que as ajudas para a renovação de equipamentos e acompanhamento da inovação tecnológica são importantes, mas tão ou mais importantes são os apoios relativamente à criação de marca, ao online, por exemplo. Se formos ver quantas marcas portuguesas têm um online bem construído, com software atrás de marketing digital, de CRM, de inteligência artificial, são poucos. Estas são as ferramentas que vão ajudar a vender, porque os algoritmos percebem as preferências dos clientes.
https://d2al3n45gr0h51.cloudfront.net/2023/11/avd_20231130_nuno_barra_05_20231130181255/hls/video.m3u8
Instrumentos como o PRR ou o PT2030 podem auxiliar estes processos como?
Podem, desde que haja uma orientação para essas áreas. Agora, se há, tenho dúvidas.
Quando olha para o futuro do setor que integram, tendo em conta o atual estado do país, como é que o encara? Quais são as ambições de médio-longo prazo?
Quando se fez o plano estratégico da Bordallo, tinha-se duas fases: uma era tornar a empresa sustentável, sólida e internacionalizada, e a fase dois - em que já estamos atualmente, mas que ainda vai demorar -, é tornar a marca global. Por vezes dizemos que a economia portuguesa se está a internacionalizar, mas não, está a exportar. São coisas muito diferentes. Se virmos as marcas internacionais, são globais porque as vemos por todo o lado. Portanto, o objetivo desta fase é globalizar a Bordallo Pinheiro, é ver Bordallo em lojas por todo o mundo. Pode parecer que é wishfull thinking, mas se olharmos para 2009 e para a situação em que estávamos na altura, é mesmo assumir que não há impossíveis, porque eles não existem. Às vezes existem na nossa cabeça. Há uns anos, em 2009, era impensável fazer uma colaboração com a Claudia Schiffer, mas agora a marca está a um nível em que já pode fazer este tipo de colaborações.
