O 25 de Abril também se fez no Porto: "Pegaram nas pedras da calçada e correram a polícia à pedrada"
Germano Silva e José Castro Carneiro foram dos protagonistas da revolução dos cravos na invicta. À TSF, ambos contam como a cidade viveu o fim do Estado Novo e o início da liberdade em Portugal
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Muitas vezes contado apenas do ponto de vista do que aconteceu em Lisboa, o 25 de Abril também foi feito no Porto. Corria o mês de abril de 1974 e Germano Silva, jornalista do Jornal de Notícias, já antecipava que havia algo que estava para acontecer entre os militares, até porque tinha uma fonte privilegiada: Manuel António Pina, também ele jornalista no diário portuense, que tinha acabado o serviço militar obrigatório há pouco tempo.
"Na noite do 25 de Abril, o Pina recebeu um telefonema de um oficial amigo dele e que lhe disse simplesmente isto: ‘Olha, já chegou o livro, vou lê-lo e estou convencido de que é uma boa obra, mais uma boa obra.’ E o Pina disse: ‘Olha, é hoje.’", conta Germano Silva à TSF.
O mais antigo jornalista em atividade em Portugal, hoje com 93 anos, explica que uma tentativa de mudar as coisas não era novidade. Em 1969, Germano Silva foi como repórter para o Norte de Moçambique. Era ano de eleições no Estado Novo e os militares perguntavam-lhe se iria mudar alguma coisa. O jornalista, pela sua "experiência", dizia-lhes que não, que ia ficar tudo na mesma. E os militares disseram-lhe: "Se não mudar, mudamos nós."
A pulga ficou atrás da orelha e cresceu mais quando, numa viagem nos aviões da Força Aérea, Germano conversou com um oficial ferido que lhe falou pela primeira vez de um movimento entre os militares.
Voltando ao 25 de abril de 1974, Germano Silva e Manuel António Pina aperceberam-se de movimentações já de madrugada.
"Isto aconteceu por volta da 01h00, mais ou menos. Nós tínhamos saído para ir comer uma isca ali perto da rua da Lapa, que havia ali uma tasca que havia lá umas iscas. No regresso, ao passar nas traseiras do quartel-general, havia lá movimentos extraordinários e fomos para o jornal", recorda.
A partir daí, o Jornal de Notícias publicou várias edições e foram quase 48 horas de trabalho sem parar. Germano conta que havia uma sala onde eram recebidas as visitas, nas quais os jornalistas aproveitavam para "dormitar" um bocado antes de voltarem ao trabalho.
"Recebi um telefonema, por exemplo, de um colega da delegação d’O Século a dizer ‘estive agora em contacto com Lisboa e disseram-me que andam lá tropas na rua, há lá movimentos’. E eu disse assim: ‘Olha, já é, porque eles já andam na rua, já estamos.’ Eu fui para o aeroporto, fui lá acima ao Monte da Virgem à televisão, aqueles sítios estratégicos que nós sabíamos, as pontes eram sítios estratégicos, saber o que é que se passava ali e andámos assim e o 25 de Abril aconteceu, felizmente", concretiza.
Também no terreno, mas noutras funções, esteve o capitão de Abril José Castro Carneiro, hoje coronel, que teve como missão deter o chefe do Estado-Maior da Região Militar do Norte.
"Saí do CICA [Centro de Instrução de Condução Auto] cerca das 03h00 e esperei à porta que ele saísse e quando ele saiu, eu dirigi-me ao nosso coronel [e disse] ‘Senhor Coronel, quero levá-lo para o CICA.’ Ele pediu-me ainda, isto às 06h00, para informar a esposa. Eu deixei, só não autorizava que ele subisse e a Senhora desceu", explica.
Mais tarde, deslocou-se até à baixa portuense, onde encontrou uma manifestação de civis na rua de Ceuta, junto à Avenida dos Aliados.
"A polícia estava a correr eu julgo que seria umas dezenas ou mesmo até centenas de população civil que fugia pela rua de Ceuta acima. Eu cheguei cá em cima e parei, mandei parar e mandei descer os homens das viaturas. E estava-lhes a dizer para a gente se ir meter entre a polícia e os manifestantes. Só que eles nem me deram tempo de lá chegar. Desde cá de cima até ao fundo da rua de Ceuta, não tive tempo de lá chegar, porque eles pegavam nas pedras da calçada e correram a polícia à pedrada", descreve o militar.
Até há bem pouco tempo, Castro Carneiro acreditava que tinha havido apenas um polícia ferido desse episódio, mas, em entrevista à TSF, conta que dias antes tinha conhecido um outro polícia que tinha ficado ferido no apedrejamento.
"O planeamento do 25 de Abril aqui no Porto foi feito por gente do Porto, por nós, com ligações a Lisboa, que nos atribuiu como missão impedir que houvesse tropas daqui do Norte a deslocarem-se para Lisboa. Foi isso que a gente fez", garante.