O candidato "predestinado" contra o "moderado". Que futuro para o PS?
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Nove anos depois e com quatro mandatos consecutivos, o PS vai a votos para escolher o sucessor de António Costa. Pedro Nuno Santos, José Luís Carneiro e Daniel Adrião são os três candidatos. O jovem turco e antigo líder da JS é o favorito, mas tem em José Luís Carneiro a maior ameaça.
Ao longo dos mandatos de António Costa, sempre que surgia a conversa sobre a sucessão, o nome de Pedro Nuno Santos saltava à vista. O antigo ministro nunca escondeu as ambições políticas e trabalhou, desde novo, para garantir o apoio das bases socialistas. Da ala esquerda, é muitas vezes apelidado de "radical", embora tenha tentado afastar os rótulos ideológicos.
Em agosto de 2021, no último congresso do PS, António Costa contou com os putativos candidatos na mesa do congresso. Pedro Nuno Santos, Fernando Medina, Mariana Vieira da Silva e Ana Catarina Mendes sentaram-se ao lado do líder, mas não houve lugar para José Luís Carneiro, que era secretário-geral adjunto do partido.
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O ainda ministro da Administração Interna recebeu agora diversos apoios de militantes, da ala moderada, que não se reveem em Pedro Nuno Santos, apesar de o seu nome não constar numa primeira lista de possíveis sucessores de Costa. Fernando Medina é um dos apoiantes de peso. Ana Catarina Mendes e Mariana Vieira da Silva mantêm-se neutras.
Tal como em 2016, 2018 e 2021, Daniel Adrião volta a candidatar-se à liderança do PS, apesar das derrotas contra António Costa. O líder da minoria interna de oposição concorre para travar os "dois herdeiros do costismo", sem qualquer "ambição reformista".
As alianças para a formação de Governo
José Luís Carneiro admite viabilizar um Governo minoritário do PSD, para afastar o Chega do poder, garantindo que não será por ele que "o Chega chega ao poder no nosso país". Foram palavras na primeira entrevista enquanto candidato, na TVI, que mereceram críticas do principal adversário.
Pedro Nuno Santos mostra-se contra blocos centrais até em "incidências parlamentares", já que os socialistas não são "muleta" do PSD, e os dois maiores partidos devem funcionar como alternativa democrática.
Reeditar a geringonça, com uma maioria à esquerda, é a preferência de Pedro Nuno Santos, um dos protagonistas da solução encontrada em 2015 (ao lado de António Costa) - foi responsável pelo diálogo com o Bloco de Esquerda e com o PCP.
Ambos defendem que o diálogo com o PSD "é imprescindível" para acordos de regime, como é o caso das revisões da Constituição. Também Daniel Adrião defende "uma política de alianças que sirva os interesses nacionais e inclua tanto os partidos à nossa esquerda como do centro-direita".
Herdeiros das políticas de Costa?
José Luís Carneiro e Pedro Nuno Santos assumem-se como herdeiros de António Costa e das políticas do Governo socialista, mas ao longo da campanha vincaram diferenças, com o ministro da Administração Interna a assumir um discurso de total continuidade.
Com Fernando Medina como um dos principais apoiantes, Carneiro não foge às "contas-certas" e promete continuar o caminho da redução da dívida. O "fundo Medina" para acautelar o investimento público após a bazuca europeia é para manter com José Luís Carneiro à frente do Governo.
Já Pedro Nuno Santos é mais cauteloso. O candidato escreve, na moção estratégica, que a redução da dívida não pode ser uma "prioridade isolada", ou seja, "é preciso avaliar as necessidades do país".
"Uma política de excedentes orçamentais acelera a redução da dívida pública, mas pode reduzir excessivamente o espaço orçamental que o governo precisa para fazer o investimento público em infraestruturas e em serviços públicos e para apoiar as famílias e as empresas", alerta.
Daniel Adrião pede "a construção de uma economia de alto valor-acrescentado que permita pagar bons salários". Os adversários internos assumem que o aumento do salário mínimo nacional é para continuar, mas se Pedro Nuno Santos não se compromete com um valor, Carneiro avança com uma meta.
O ministro promete equiparar a remuneração em Portugal aos vizinhos espanhóis. Em 2023, o salário mínimo em Espanha passou para 1080 euros, mais 320 euros do que em Portugal.
Recuperação do tempo de serviço dos professores (e não só)
O ministro da Educação, João Costa, apoia Pedro Nuno Santos para a liderança do PS, e apesar de ter afastado a reposição integral do tempo de serviço dos professores ao longo da legislatura, abre agora a porta para alinhar-se com o discurso do candidato.
Pedro Nuno Santos remete uma proposta concreta para o futuro programa eleitoral, mas promete "a recuperação faseada do tempo de serviço congelado" das várias carreiras da Administração Pública.
As contas serão feitas mais tarde, o candidato ainda aguarda o relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, mas admite que a devolução faseada pode ultrapassar os quatro anos. A proposta do PSD é pela devolução em cinco anos (20% em cada ano).
José Luís Carneiro, por outro lado, compromete-se apenas em "remover desigualdades", embora reconheça que "é necessário valorizar as profissões de docentes e tornar as carreiras atrativas".
Numa achega ao adversário, Carneiro criticou até a "candidatura que prometeu reconhecer tudo aos professores e, mais, reconhecer tudo à Administração Pública".
"Problemas por resolver" na saúde
Com a crise na saúde, José Luís Carneiro admite que essa "é uma das maiores preocupações dos portugueses" e quer dar seguimento ao reforço do investimento público" dos governos de António Costa. Promete também um "compromisso plurianual" para o investimento em equipamentos e nas infraestruturas, mas também para a valorização dos profissionais.
O Serviço Nacional de Saúde é a joia da coroa para todos os candidatos socialistas e Pedro Nuno Santos, numa ação de campanha, almoçou até no Hospital de Santa Maria, com o apoiante Álvaro Beleza, para mostrar que "à entrada deste hospital, ninguém pergunta se tem capacidade financeira para pagar o tratamento".
No entanto, o candidato da ala esquerda deixa as propostas para mais tarde, reconhece que "há problemas por resolver" e garante que "estão identificados". De resto, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, apoia Pedro Nuno Santos.
Debates recusados por Pedro Nuno
A reforma do sistema eleitoral é outra das prioridades de José Luís Carneiro, embora o novo modelo de sistema eleitoral "não esteja concretizado" já que a candidatura quer promover "um debate alargado no PS e com a sociedade civil".
A proposta é também seguida pelo candidato da terceira via, Daniel Adrião, que pede uma reforma "para que os cidadãos portugueses tenham os mesmos direitos dos outros cidadãos europeus e possam votar diretamente nos deputados que querem eleger". Chama até "aberração" ao sistema eleitoral português.
Adrião reclama agora vitória na competição "das ideias" e diz que "é o original e não a copia": "Estas são ideias que nós sempre defendemos e que agora outros dizem defender depois de tantos anos a ocupar cargos".
A campanha termina sem debates entre os candidatos, apesar de as eleições marcarem uma nova página no partido. No passado, António Guterres e Jorge Sampaio debateram entre si, tal como António Costa e António José Seguro, mas, desta vez, Pedro Nuno Santos recusou.
A três meses das eleições legislativas, o antigo ministro defendeu que os debates internos "serviram para dar argumentos à direita". Na resposta, Carneiro lembrou que os "monólogos não são próprios da democracia". Adrião partilhou a visão de Carneiro.
Entre sexta-feira e sábado, é tempo de colocar os votos nas urnas para escolher o sucessor de António Costa à frente do PS. A votação começa, esta sexta-feira, em várias federações distritais e termina no sábado noutros pontos do país.
