Foi há 30 anos que Lisboa assistiu a um dos maiores incêndios de sempre. Duas pessoas morreram. 70 ficaram feridas. As suspeitas de fogo posto nunca se confirmaram.
Corpo do artigo
25 de agosto de 1988. A baixa lisboeta acordava, ainda de madrugada (a hora é contraditória), com uma notícia aterradora: os armazéns do Chiado estavam a arder.
À época, o Diário de Lisboa reproduzia o relato do guarda do elevador de Santa Justa, que garantia que o alerta tinha sido dado às 3h00 da manhã. Já o Diário de Notícias escrevia que os bombeiros foram alertados às 5h20. A hora de início do incêndio ficou, então, algures entre a 1h00 e as 4h00 da manhã.
Os armazéns do Grandella, junto à rua do Carmo, foram os primeiros a serem consumidos pelas chamas. Foi precisamente por essa rua que os 120 bombeiros começaram por tentar enfrentar o incêndio, mas esbarraram num enorme obstáculo: à época, a rua era apenas pedonal e tinha canteiros altos de betão espalhados pelo piso, impossibilitando o acesso dos carros de combate ao incêndio.
Antes das 6h00 da manhã já a EDP cortara a luz nas ruas adjacentes do Nova do Almada, da Boa Vista e da Praça da Figueira. Pouco depois, as estações de eletricidade da praça do Comércio e do Chiado foram desligadas. Durante o combate, às chamas, o rebentamento de uma conduta de água, trouxe um novo contratempo aos bombeiros, que ficaram sem pressão nas mangueiras.
Mortos, feridos e uma enorme destruição
Os relatos da altura, dão conta de várias pessoas que saíram à rua, ainda de pijama, a tentarem salvar o que podiam do recheio que tinham em casa. Cá fora, 1150 bombeiros, 275 viaturas e 22 autotanques bombearam mais de 22 mil litros de água, para combater um incêndio que já contava com a ajuda de várias corporações da região de Lisboa. Os hospitais começam a receber os primeiros feridos.
Para a história ficaram cerca de 70 feridos e dois mortos, um número, apesar de tudo, surpreendentemente baixo tendo em conta a dimensão da tragédia. Uma das vítimas mortais era um eletricista que foi encontrado nos escombros. A outra vítima, um bombeiro que morreu no hospital de São José, já em setembro.
Só por volta das 10h00 da manhã é que os bombeiros anunciaram que o fogo estaria prestes a ser controlado. A prioridade, a essa hora, era impedir que as chamas chegassem à escola Veiga Beirão, isto porque o quartel e igreja do Carmo já estavam fora de perigo. Três horas depois, o incêndio é dado como praticamente extinto.
Grandella, Perfumaria da Moda, os Grandes Armazéns do Chiado, Estabelecimento Eduardo Martins, Pastelaria Ferrari, Casa Batalha e o arquivo da Valentim de Carvalho (perdeu-se todo o espólio) foram alguns dos 18 edifícios destruídos pelas chamas. Mário Soares, presidente da República na época, classifica o incêndio de "desastre nacional".
Fogo posto?
As primeiras suspeitas de fogo posto começam a ser levantadas por volta das 7h00 da manhã do dia do incêndio. A Polícia Judiciária chegou a abrir um inquérito mas, quatro anos depois, nenhuma dessas suspeitas se confirmou e o inquérito acabou por ser fechado em 1992.
À agência Lusa, a inspetora-chefe da Polícia Judiciária, Helena Gravato recordou mais tarde, que "quando houve abertura de portas para começar o ataque, dá-se uma deflagração mais violenta que apanhou todo o edifício, de forma que as provas que existiam no sítio onde evoluiu o incêndio foram praticamente todas destruídas." Até hoje, nunca foram apuradas as causas deste incêndio.
"Nunca vi nada assim"
Do Grandella e dos armazéns do Chiado restaram as paredes. A visão dos helicópteros da Força Aérea, que sobrevoavam o local para avaliar a extensão do incêndio e dar indicações aos bombeiros, era dantesca. O Diário de Lisboa relatava "uma enorme coluna de fumo" que era visível da ponte 25 de abril.
As operações de rescaldo estenderam-se por 58 dias. O que ficou, depois das chamas apagadas, foram edifícios em ruínas, ruas transformadas em rios que não conseguiam dar vazão a tanta água, e muitos bombeiros a queixarem-se da falta de meios. A baixa de Lisboa ficou sem comunicações, água e eletricidade
No final, a área afetada foi de quase oito estádios de futebol. Ao Diário de Lisboa, um bombeiro sapador desabafava: "há 22 anos que sou bombeiro. Nunca vi nada assim".