O cocktail de fatores que faz dos Açores campeões no abandono escolar e como atacar o problema
Os Açores ocupam, na União Europeia, o pódio da maior taxa de abandono escolar precoce entre os os 18 aos 24 anos. Jovens queixam-se de falta de perspetivas de futuro.
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Quando encontramos Daniela, ela está agarrada ao telemóvel. Sintomas de uma geração, diriam alguns. Mas aqui, nos Açores, há gerações que os sintomas são os mesmos e dizem respeito a um problema de outra gravidade. “Há muita gente que tenha desistido da escola”, diz-nos Daniela. “Imensos.”
O abandono escolar precoce é um problema que, apesar de residual no continente, teima em persistir nos Açores, que são a segunda região da União Europeia com o índice mais elevado, só atrás da Guiana Francesa, um território que fica na América do Sul.
Em Portugal, a nível nacional, os jovens entre os 18 e os 24 anos que não acabam o ensino secundário são 5,9%, de acordo com os dados mais recentes. Quando olhamos só para a Região Autónoma dos Açores, são quase quatro vezes mais: 23,2%.
Daniela, nascida nas Furnas, na ilha de São Miguel, foi mais uma jovem entre estas estatísticas. Teve de ir trabalhar para o restaurante dos pais. Mas um insólito engano fê-la dar a volta e prosseguir os estudos.
“Fiz escola profissional. Tirei um curso técnico de restauro do património antigo”, conta, admitindo que, inicialmente, a ideia era prosseguir no negócio da família. “Quando eu concorri ao curso, dizia lá “restauro ou restauração” e eu pensava que seria algo a ver com restaurantes", ri.
Mesmo indo ao engano, Daniela entrou na escola. O cenário à volta, em termos de abandono escolar, confessa, é que também não era animador.
“No meu curso, cinco pessoas desistiram antes de chegar ao fim”, relata. “E era um curso mais prático, não havia aquele “massacre” de aprender a matéria e saber de cor.”
Também Rui, 18 anos, sentado num banco de jardim a fumar, conta os casos de amigos que deixaram a escola antes de fazerem o 12.º ano. “Um deles acho que foi no 10.º e o outro foi no 11º. Ano."
“São as mentalidades das famílias, que também não terminaram a escolaridade obrigatória”, justifica. “Muitas vezes são pastores que cuidam de animais e gostam que a família siga o rumo deles. E muitos dos rapazes, já desde bem novos, pescam. Como os pais e os avós e os bisavós foram todos pescadores, acabam por seguir o rumo deles”, aponta.
Fernando Diogo, professor da Universidade dos Açores e investigador do CICS-Nova, está a trabalhar num projeto, sem financiamento, com outra colega, em que procuram precisamente explicações para a prevalência do abandono escolar precoce na região.
“Enquanto o país foi continuando a melhorar no seu conjunto, os Açores estagnaram, o que significa que a diferença dos Açores em relação ao conjunto do país aumentou”, sublinha.
Existirão três grandes causas para este fenómeno, explica o sociólogo - ressalvando que o estudo em curso ainda não tem resultados finais -, desde logo a caracterização do tecido social açoriano. “Níveis de pobreza maiores do que para o conjunto do território nacional.”
Outra possível origem é a “adequação perversa” entre qualificações baixas e empregos, sendo que os Açores têm “uma especialização produtiva onde predominam quatro setores de atividade: a agricultura, as pescas, a construção civil e o turismo”.
“Um indivíduo que vai para uma escola de hotelaria e tira um curso de bar pode esperar ganhar o ordenado mínimo ou pouco mais. Outro que não tira o curso pode esperar ganhar exatamente o mesmo. Portanto, qual é a vantagem que esse indivíduo tem de vir tirar o curso e, portanto, ser mais qualificado?”, questiona Fernando Diogo.
O último motivo para o abandono escolar estudado pelo investigador tem que ver com o “desajustamento do ensino”. “O próprio sistema educativo não estar adequado àquilo que são as necessidades dos açorianos do ponto de vista da formação”, explicita.
Maria do Rosário Figueiredo, presidente da Federação das Associações de Pais e encarregados de Educação dos Açores, enfatiza esta hipótese de disfuncionalidade da educação, criticado que o sistema de ensino seja “muito focado no exame nacional”.
“Nós temos que preparar os nossos jovens para aquilo que eles querem ser. Se identificarmos esta vocação que eles têm, se calhar, o abandono vai ser menor”, defende.
Maria do Rosário Figueiredo pede uma escola “mais humana” e a avaliação das estratégias que estão a ser escolhidas. “Apelo a que haja uma maior monitorização, um maior acompanhamento. Aquilo que não está a funcionar, que haja correção - e não, constantemente, projetos novos sem se sequer aferir ou monitorizar aquilo que foi feito.”
O sociólogo Fernando Diogo afirma que tem sido preciso muito para trazer este problema à consciência das elites locais. Admite que, desde há algumas décadas, houve progressos. Mas ainda não é suficiente.
“Os Açores têm uma posição muito frágil em diversos indicadores, e não apenas neste.” Embora esteja relutante em falar em “falhanço político” - tendo em conta que a região passou por várias maiorias absolutas ao longo dos anos e que o abandono escolar precoce ainda é muito elevado.
“É evidente que, olhando nessa perspetiva, vemos que alguma coisa falhou”, constata, referindo que os políticos gostam de apostar mais em “obras” e “construções” - pelo que foram erguidas várias escolas – mas que o resto tem ficado mais esquecido.
Como se pode, então, responder a este fenómeno? “Não é preciso inventar a roda", garante Fernando Diogo, lembrando que “há um conjunto de experiências feitas no território continental que têm sido muito eficazes - o que ainda contrasta mais com a posição dos Açores em relação ao conjunto do país”.
O caminho deve passar, defende, por aliar a estratégia nacional a uma territorialização dos problemas - com respostas específicas ao caso de cada ilha - e, claro, juntar-lhe financiamento. O caminho para fazer com que os jovens vejam na educação uma via para um futuro melhor.
Rui, pelo menos, já está convencido disso. “São raros os casos em que se abandona a escola e se consegue trabalhar e ter um futuro mais propício", afirma.
O jovem não conseguiu entrar na universidade este ano, mas garante que, no próximo, vai voltar a tentar. Quer seguir Criminologia.
Já Daniela acabou por abandonar a área do curso profissional para voltar a ajudar os pais. “Tive de voltar para o restaurante, tive de os apoiar. Estou um bocadinho estagnada”, lamenta.
Diz-se perdida nos Açores. “Queremos chegar onde? Qual é o nosso próximo objetivo? Cá, eu não faço ideia nenhuma. Zero”, atira.
Por isso, Daniela tenciono emigrar para Espanha e mudar de meio. Deixar tanto os restauros como os restaurantes. Já com outro curso a caminho. Desta vez: massagista. “E quem é que não gosta de uma boa massagem?”