O dia em que Ventura fugiu dos antifascistas e reclamou as ruas de Coimbra para o Chega
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"Oh minha senhora, Jesus Cristo era comunista, não era fascista!" É assim que um manifestante responde a uma idosa que, também não pouco ruidosamente, se queixa da "barulheira" à porta da Igreja "em hora de missa".
Estamos na Praça 8 de Maio, em frente à Igreja de Santa Cruz, em Coimbra. Aqui estão concentradas algumas dezenas de pessoas numa contramanifestação, com cartazes, tambores e altifalantes, em resposta à marcha do Chega por estas ruas, no dia em que arranca, cá na cidade, o congresso do partido liderado por André Ventura.
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Foi aqui também que em janeiro, durante uma ação de campanha para as presidenciais, enquanto visitava o túmulo do fundador da pátria D. Afonso Henriques, André Ventura se viu cercado de opositores à sua vinda à cidade.
E hoje, como há quatro meses, continua a não ser bem recebido neste local. "É inaceitável que a convenção do Chega seja em Coimbra. Queremos mostrar-lhes que não são bem-vindos e fazer como em janeiro, em que obrigámos o Ventura a refugiar-se na igreja e boicotámos o comício dele. Ele não é bem-vindo na cidade de Coimbra", defende Inês, uma das organizadoras deste protesto, que concentra vários grupos antifascistas, antirracistas e movimentos sociais e de estudantes de Coimbra.
Apesar de tudo, ao contrário do que aconteceu em janeiro, desta vez os dois grupos não se cruzam. Inicialmente estava previsto que a marcha do Chega terminasse aqui, no local onde se encontram os contra manifestantes, mas, umas horas antes, o Chega alterou o percurso do seu desfile, de modo a não esbarrar com vozes de protesto pelo caminho.
Para Inês, esta mudança nos planos do Chega já é "uma vitória". "É sinal de que temos capacidade de os enfrentar e de os empurrar. Eles não vêm para cá porque o espaço é nosso", congratula-se.
Mas, como há mais espaços em Coimbra, os membros do Chega arranjam outro para o tornar deles. À hora marcada para o início da marcha, são muitos os apoiantes do partido de Ventura que se amontoam junto à Porta Férrea, na Universidade de Coimbra. O líder, no entanto, não chega senão meia hora depois.
Uma música solene vai puxando os ânimos dos apoiantes da extrema-direita, que gritam repetidamente "Portugal" e "Ventura olé!", enquanto por este esperam. Aquele por quem chamam sempre acabaria por aparecer, para reivindicar como suas as ruas de Coimbra.
"A esquerda acha que as ruas são deles desde o 25 de Abril, mas as ruas não são só de quem tem cravos ao peito", afirma André Ventura. "Coimbra também é nossa, a rua também é do Chega, a rua também é dos portugueses de bem", grita, enquanto desce as ditas ruas cercado por um cordel se segurança.
E as ruas até foram do Chega, pelo menos durante cerca de hora e meia, o tempo que leva até que Ventura e os apoiantes cheguem à Praça dos Heróis do Ultramar, local onde termina o desfile.
Pelo caminho, canta-se o hino nacional, manda-se o ex-primeiro-ministro José Sócrates "de volta para a prisão" e grita-se que "o racismo é uma distração" e que o país precisa é de "acabar com a corrupção". Na comitiva que acompanha Ventura pelas ruas de Coimbra encontram-se pessoas das mais diversas idades, de diferentes etnias e até, meio que deslocado de tudo aquilo, um pequeno cachorro, que constantemente se esforça para não ser espezinhado.
Bem-sucedida a missão, a orla acaba por chegar ao destino recém-traçado, onde o líder do partido sobe para um púlpito e discursa sobre as mudanças que quer ver em Portugal, um país que diz ser das "pessoas de bem", mas onde há tantos - aqueles que, como os manifestantes do protesto antifascista, defende Ventura - que faziam melhor se "fossem trabalhar".
Recados dados e sem encontros indesejados, depois da mudança de percurso, Ventura e os apoiantes do Chega desmobilizam, para recarregar baterias, antes da derradeira mobilização que aí vem: o arranque do Congresso do Chega.
