"O Estado deve ser mais interventivo" para evitar "economia cada vez mais zombie"
António Costa Silva apresenta hoje a Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica 2030 que visa responder à questão: o que fazer no dia seguinte à pandemia?
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Entre as mais de 54 mil palavras da Visão Estratégica para o Plano de Recuperação, há palavras que se repetem: indústria (226), investimento (210), mas também produção e inovação.
A palavra Estado surge 107 vezes e, a dado ponto, António Costa Silva cita o debate público em Portugal, critica "o ataque ao Estado, o seu retrato como "mau da
fita" e a exigência do chamado "Estado Mínimo" e considera que essa visão "é errada".
"Se tivéssemos um Estado mínimo estaríamos completamente impreparados em Portugal para responder à atual pandemia e hoje poderíamos estar perante uma tragédia de grande dimensão", sublinha o consultor escolhido pelo Governo para preparar uma estratégia para a próxima década.
"Sejamos claros: as visões liberais extremistas que prevaleceram no passado conduziram o país à perda de grande parte da sua indústria e a um certo culto de desprezo pelos recursos nacionais"
Na leitura de António Costa Silva, "é preciso uma combinação virtuosa entre os mercados e o Estado para se salvaguardar o bem comum e para se corrigirem as deficiências e disfuncionalidades".
Costa Silva defende, sem "ilusões" que "neste novo ciclo económico o papel do Estado deve ser mais interventivo na economia, para impedir o colapso de empresas relevantes, para investir nos serviços públicos, para dar maior segurança ao mercado de trabalho e para promover uma melhor distribuição da riqueza e reduzir as desigualdades"
E avisa que "se este papel do Estado não for assumido, teremos uma recessão muito mais prolongada, uma economia cada vez mais "zombie" e em estado de coma, um exército crescente de desempregados e crescente instabilidade social".
Aliás, os dados incluídos neste documento que é hoje apresentado, apontam para uma recessão de 12% e uma taxa de desemprego nos 11,5%. "A dimensão do desafio é gigantesca e a necessidade de respostas é urgente", defende Costa Silva.
O consultor prevê que "a partir de setembro de 2020, a situação de muitas empresas pode deteriorar-se significativamente e é fundamental existir no terreno um programa agressivo para evitar o colapso de empresas rentáveis" mas sem que seja seguido um modelo em que "o Estado pura e simplesmente despeja dinheiro em cima dos problemas".
Até porque, como sublinha, "o espaço temporal que vai mediar entre a significativa
deterioração da economia no segundo semestre de 2020 e a chegada da ajuda europeia em 2021, pode ser fatal para muitas empresas se não existirem respostas adequadas".
António Costa Silva considera "mais urgente do que nunca procurar respostas, pensar fora das ortodoxias de direita e de esquerda e encontrar um equilíbrio virtuoso entre Estado e Mercado", porque - defende - "o papel do mercado, e em particular das empresas é essencial para criar riqueza e prosperidade".
É numa dupla metáfora de matrioskas (bonecas russas que se encaixam umas nas outras) e donuts que António Costa Silva assenta a defesa de uma "alteração estrutural": em vez de se pensar num PIB sempre a crescer qual matrioska invertida,
melhor seria um "sistema donut" em que a curva interior alargue para evitar o crescimento da pobreza.
Apesar do aviso de que vem ai uma "profunda recessão económica", Costa Silva encontra nos dilemas de um pais periférico e atrasado, lastro suficiente para que Portugal possa iniciar "novo ciclo geopolítico na sua história", juntando a relação ao continente com a ligação ao mar, numa espécie de "jangada atlântica".
A aposta numa rede de transportes, o desenvolvimento do interior, a qualificação e a retenção de talento, a descarbonização da economia, o reforço social, a inovação na industria, e o apoio à cultura, turismo e comércio e são algumas das ideias defendidas neste documento de 142 páginas que hoje é apresentado.
"Esta é uma oportunidade de ouro para potenciar a capacidade produtiva do país e alinhá-la com as tendências mais significativas da economia do futuro", avisa António Costa Silva.
"A economia do futuro vai passar por um papel ainda mais relevante das Ciências da Saúde e das indústrias adjacentes; pela ascensão ainda maior das energias renováveis e da mobilidade elétrica; pelo avanço imparável das tecnologias de informação e comunicação; pelo e-commerce e pela bioeconomia sustentável; pelo mar e as plataformas logísticas, sem esquecer os setores tradicionais que são essenciais para o futuro, como a indústria agroalimentar e a floresta", enumera no documento.
"Temos de recuperar o tempo perdido e isso é possível", defende o consultor que a dada altura cita o filósofo alemão Kant: "O mundo é governado pela paixão, pela irracionalidade e por males periódicos"
"É assim hoje como há duzentos anos Talvez seja a altura de mudar", defende.
O documento é apresentado esta manhã no Centro Cultura de Belém, com a presença do ministro da Economia Pedro Siza Vieira. O Primeiro-Ministro António Costa, ausente por causa do Conselho Europeu, envia um a mensagem em vídeo que será transmitida no início da cerimónia.
