O "gosto pela rádio" que não acaba quando saem em liberdade: reclusos tomam conta do estúdio em Aveiro
O projeto nasceu no Dia Mundial da Rádio, que se celebra esta quinta-feira. A RPA- Rádio Prisional de Aveiro é interna e já teve direito a uma emissão, no dia da inauguração
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O projeto surgiu de uma aluna de mestrado que fez um estágio no Estabelecimento Prisional de Aveiro. Em declarações à TSF, Cláudio Pedrosa, adjunto da direção da prisão, conta que, no início da iniciativa, queriam apenas “desenvolver competências técnicas de locução e realização radiofónica junto da população reclusa”, mas, mais tarde, a ambição cresceu e passaram a ter “os equipamentos de rádio, como um controlador, uma mesa de som, microfones, auscultadores”. O equipamento para fazer a rádio funcionar foi quase todo oferecido.
São quatro os reclusos que vão tomar conta do estúdio. Um deles é José Gouveia, de 49 anos. Diz à TSF que, quando foi selecionado, ficou “muito surpreendido" e fala agora em "gosto pela rádio": "Nunca me imaginei a fazer um programa de rádio e, sendo um dos fundadores, é uma oportunidade que o estabelecimento prisional me está a dar.”
“Desde muito novo que gosto de ouvir a rádio, sempre fez parte da minha vida”, afirma o recluso, acrescentando: "Agora, aprendi a mexer com os equipamentos, comecei a ter mais algum cuidado e a pensar melhor nas palavras antes de as proferir. Sou um bocadinho gago e tento controlar essa gaguez ao falar." José Gouveia sublinha também que tem o sonho de um dia sair em liberdade e conseguir ficar ligado de “qualquer forma” à rádio por não querer “perder a ligação”.
A rádio vai ter emissões regulares todos os dias da semana, entre as 10h00 e as 12h00. Cláudio Pedrosa salienta que vai ser uma rádio essencialmente de música, com as preferências de todos os reclusos, "não só daqueles que estão ligados ao projeto e que estão a fazer a rádio, mas também do resto da população prisional". "Os reclusos com formação vão convidar os restantes a escolher músicas, a escolher discos e também vão chamá-los para irem a emissões porque alguns deles também têm algumas competências musicais e sabem tocar instrumentos. Nós vamos ver a possibilidade de tocarem e cantarem nas emissões”, adianta.
Além de ser uma atividade desenvolvida com a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o adjunto da direção da prisão afirma que o Estabelecimento Prisional de Aveiro quer que a rádio, além de se tornar numa “ação lúdica”, funcione como uma terapia para os reclusos, já que, “para fazer rádio, é necessário ter algumas aptidões, é preciso saber lidar com a ansiedade, saber falar em público de forma articulada, ter formas ou técnicas de relaxamento, controlo respiratório, manter uma conversação durante uma entrevista, saber colocar a voz", refere, acrescentando: "Tudo isto são coisas que, para a maioria das pessoas, podem parecer banais, mas nestas populações são aptidões às vezes deficitárias."
Não há só a parte terapêutica, há igualmente a vertente educacional, uma vez que a finalidade deste projeto passa também por entender que os reclusos vão regressar “ao meio livre". "O objetivo aqui é que este grupo acolha depois novos elementos e ensine aquilo que aprendeu não só em termos de competências pessoais, mas também técnicas para fazer os programas”, afirma Cláudio Pedrosa.
Para lá da música, as notícias também estão na grelha de programas e vão ser trabalhadas em colaboração com escola e cursos de educação e formação de adultos que são dinamizados pelo Agrupamento de Escolas de Aveiro. Não só as notícias “do meio livre que são importantes”, sendo que os reclusos têm acesso aos jornais na biblioteca. “Queríamos ter notícias úteis em termos do dia a dia dos presos”, como sobre as refeições diárias, atividades, palestras, formações profissionais ou até mesmo o filme que vai passar na sessão diária do estabelecimento prisional, refere ainda o mesmo responsável.
