Tareke Brhane cruzou o Sahara e o Mediterrâneo. Passou fome, foi agredido, preso e vendido a traficantes. Aos 33 anos, este eritreu vive em Itália onde é ativista pelos direitos dos migrantes.
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Tareke Brhane tem uma história de vida capaz de encher um livro. Quando o irmão foi levado pelo exército da Eritreia para cumprir serviço militar obrigatório, Tareke Brhane - que trabalhava desde os 10 anos para ajudar a família - fugiu do país com a mãe, aos 17 anos, para o Sudão.
«Demoramos três dias a pé e quando chegámos ao Sudão tivemos que tomar uma decisão. Só um de nós poderia continuar a viagem porque não tínhamos dinheiro suficiente. E então a minha mãe disse-me "filho, tu és jovem, tu consegues e quando lá chegares podes sempre vir buscar-me. Ela estava a sorrir mas, ao mesmo tempo, sabia que não a voltaria a ver"», contou à TSF Tareke Brhane.
A mãe morreu sem nunca saber que o filho conseguiu chegar à Europa, cinco anos depois da partida. Do Sudão, Tareke seguiu para a Líbia, foi vendido a traficantes, sobreviveu no deserto mantido a água com farinha e assistiu a violentas agressões. «É tão difícil para as mulheres atravessar a Líbia. São abusadas todos os dias, todas as noites por todos os elementos do grupo, à frente do marido, dos irmãos... São violadas à frente de todos», relata.
De traficante em traficante, Tareke Bhrane chegou a Trípoli (Líbia) e fez-se ao Mediterrâneo a meio da noite num pequeno barco com outras 270 pessoas.
«Dez horas depois de termos saído de Trípoli o motor do barco parou e ficamos a pensar "O que é que vamos fazer agora? Estamos condenados a morrer..." No primeiro dia sobrevivemos, no segundo dia continuámos vivos, no terceiro dia as pessoas começaram a ficar cansadas, sem comida, em sofrimento. E, de repente, vimos um navio de mercadorias a passar. Acenámos mas fizeram de conta que não nos viram», recorda.
Mais tarde, acabaria por aparecer um navio da guarda costeira de Malta que os mandou de volta para a Líbia, onde Tareke Brhane passou por várias prisões, adoeceu e, meses depois, voltou à mão dos traficantes, vendido pela própria polícia. Fez-se de novo ao mar, foi resgatado pela guarda italiana, que levou o barco onde viajava até à Sicília em outubro de 2005.
«Quando a guarda costeira italiana me resgatou, nesse momento é que senti a doença, o stresse e a fome. Veio tudo ao de cima. E quando cheguei ao porto e vi todas aquelas organizações de apoio a vir em nosso socorro só pensei "consegui. Estou vivo!". Estava tão feliz, foi muito emotivo», descreve Tareke Bhrane.
Vinte dias depois, as autoridades italianas concederam-lhe o estatuto de refugiado. «Senti-me completamente abandonado. Deram-me os documentos de refugiado e os serviços de imigração puseram-me numa estação de comboios. E fiquei ali sozinho, com um frio de novembro, com documentos mas sem dinheiro e sem conhecer a língua. Pensei : "Ó meu Deus, eu sofri tanto, passei por tantas prisões, cheguei à Europa. E agora?"».
Decidiu ficar em Itália, onde começou a ganhar dinheiro a lavar loiça em hotéis e na apanha de hortaliças. Em 2007 foi convidado pela Organização Não Governamental (ONG) Médicos Sem Fronteiras para ser intérprete no acolhimento aos refugiados e, no ano seguinte, passou a colaborar com a "Save the Children".
Tareke Brhane, que há um ano viu ser-lhe reconhecida a cidadania italiana, vive atualmente em Roma com a mulher e dois filhos, onde fundou a plataforma "Comitato 3 Ottobre", em homenagem às 368 vítimas do naufrágio de 3 de outubro de 2013, com o objetivo de pressionar as autoridades europeias a melhorar as condições de acolhimento dos migrantes.