Na educação dos filhos, provavelmente, deixamos escapar alguma forma de suborno. A transparência pode estar minada pelos presentes materiais em substituição da passagem de valores e honestidade. Fazemo-lo inocentemente. Está impregnado.
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A corrupção pode ser aprendida de pequenino através do suborno. O abuso de confiança em benefício de quem o pratica confunde-se muitas vezes com esperteza e valentia do mais apto. Na educação dos filhos provavelmente deixamos escapar alguma forma de suborno, nem que seja para tirarem boas notas na escola. A transparência na negociação com as crianças pode estar minada pelos presentes materiais em substituição da passagem de valores e honestidade. Fazemo-lo inocentemente. Está impregnado. Noutro cenário, é vulgar vermos atribuído o título de corrupto a uma instituição, do governo ou do setor privado. Esse movimento pode levar a perpetuar este padrão comportamental que, num fim último, se enraíza na cultura. Por isso se diz, vulgarmente, que determinado país é corrupto ou que os políticos o são. A dispersão da responsabilidade da pessoa passa para o locus externo, para o sistema.
Com os avanços da ciência temos vindo a perceber um pouco melhor o comportamento do animal racional, mesmo naquilo que, à primeira vista, possa parecer desprovido de razão. Limitarmos a leitura do cérebro àquilo que nos é dado através das ressonâncias magnéticas funcionais e morfológicas é redutor, é certo. Apontar o dedo para "o" neurónio e dizer que "é aqui que está o busílis da questão" - parece não ser suficientemente claro, mas que ajuda muito, lá isso ajuda.
Os neurocientistas têm apontado o córtex préfrontal ventromedial (localizado na testa) como a base neurológica da consciência moral. Porquê? Estudos realizados com pessoas com lesão nessa área do cérebro - por traumatismo craniano ou outra razão - podem apresentar um comportamento alterado no que se refere a sentimentos de culpa ou de pena. Essa diferença em relação a um nível prévio de funcionamento (da pessoa antes da lesão e depois da lesão) indica uma distorção do sistema de valores morais e pessoais que afetam o juízo crítico. Ou seja, há uma evidente alteração de comportamento da pessoa que é melhor explicada, não por "mau feitio" ou ausência de carácter, mas por causa biológica.
Se somarmos o córtex frontal e orbitofrontal na sua plenitude - ainda na testa - assistimos a uma alteração do comportamento nas dimensões da empatia e da capacidade de decisão. Admitindo que a consistência moral não segue um livre-arbítrio, é aqui que tudo se poderá eventualmente passar.
Ter consciência passa por tornar a realidade percetível, como refere o neurocientista português António Damásio no "Livro da Consciência". Envolve um estado de alerta, alinhado com os processos neurológicos das funções da atenção e da memória, bem como os estados emocionais e os sentimentos. Assim, podemos pensar a consciência moral como um complexo de redes de neurónios que nos permite perceber o que é certo ou errado à nossa volta.
Do lado oposto podemos imaginar a corrupção. O comportamento corrupto é afetado primeiramente pela perceção do mundo. Uma rutura com as normas sociais em benefício da pessoa que o pratica. Tanto a consciência moral como a corrupção podem, portanto, ser interpretadas não só sob o prisma filosófico e social como também pelo olhar da biologia. Como nem todo o comportamento corrupto é resultado de uma lesão cerebral, vem também da educação como falado no início do artigo, a importância de uma visão multi e interdisciplinar destes complexos conceitos pode abrir portas a um trabalho precoce no desenvolvimento individual, educacional e social.
Estudos realizados no cérebro de pianistas relatam que o desenvolvimento das áreas sonsório-motoras (lateral da cabeça) acontece e é visível na estrutura anatómica por ressonância magnética. Trata-se precisamente das alterações no cérebro a que os neurocientistas chamam neuroplasticidade, ou seja, a capacidade de o tecido neuronal transformar-se, moldar-se, adaptar-se estrutural e funcionalmente - consoante as diferentes e novas experiências.
Este duplo sentido da perda de funções cerebrais e da plasticidade neurológica pode remeter para um trabalho de formação e educação da pessoa a partir de tenra idade. Nas famílias, nas escolas, com os amigos - podíamos tocar as teclas do piano dos sentimentos, da perceção, da memória, apelando a estados emocionais mais melodiosos - como se fosse a música educacional das crianças no desenvolvimento do neurónio da honestidade, dos valores e do compromisso de cidadania.