"O objetivo é ser feliz." Projeto emprega pessoas sem-abrigo na Câmara de Lisboa
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Os sons dos carros e das buzinas nas ruas onde dormia são uma memória dolorosa, mas que ficou para trás. Agora é o som da campainha da escola que Milton Mendes ouve diariamente. "Sou o responsável pela portaria. Implica o controlo de entradas e saídas dos alunos da escola. É uma função de grande responsabilidade, para dizer a verdade."
"Não é fácil, alguns alunos dizem: 'Ó, contínuo, deixe-nos lá sair...'", conta Milton. "Tenho de tomar atenção a quem tem permissão de saída e quem não tem."
Este foi o emprego que trouxe a Milton Mendes, de 34 anos, o bilhete para uma vida nova, depois de a pandemia lhe ter custado o trabalho que tinha antes, a entregar jornais. Viu-se sem dinheiro, sem casa. Foi empurrado para as ruas.
"Eu sei o que é ficar sem nada de repente", confessa. "Quando a pandemia começou, o trabalho foi interrompido e depois nunca mais me chamaram. A casa [arrendada] teve de ser devolvida e eu vim para a rua", recorda.
Tempos difíceis, que, ainda hoje, custam a apagar. "Estou sempre a ver sítios onde eu dormi... E sinto um certo arrepio. As coisas vêm-me à cabeça", admite.
Mas é nos momentos mais negros que é preciso procurar a luz e Milton encontrou-a no projeto "Porta Aberta", uma iniciativa realizada em articulação com a Câmara Municipal de Lisboa. A autarquia da capital lançou uma bolsa de emprego para pessoas em situação de sem-abrigo. O objetivo é abrir 200 vagas de trabalho, no município.
O projeto-piloto, que foi anunciado, há três anos, esteve congelado, por causa da pandemia, mas finalmente avançou. Milton é a primeira pessoa abrigada ao abrigo desta bolsa.
Além de assistentes nas escolas, como Milton, a câmara de Lisboa abriu também concursos para os lugares de coveiros e cantoneiros. Até ao momento, foram encaminhadas mais de 30 candidaturas, ao abrigo deste programa.
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Mas o "Porta Aberta" procura ser ainda mais abrangente. Além de pessoas em situação de sem-abrigo, a iniciativa procura ocupar, também em empresas privadas, outro tipo de população em situação de vulnerabilidade: "pessoas com consumos, migrantes e trabalhadores de sexo".
"Aqui estamos de portas abertas, como o próprio nome diz", afirma Joana Borges, responsável no projeto.
É o caso de Anabela Cubaque, imigrante guineense, que estudava enfermagem no seu país. Veio para Portugal à procura de ajuda médica para a filha doente. E foi o "Porta Aberta" que lhe deu a mão.
"Fizeram um currículo para mim e procuraram emprego para mim a todo o custo", conta Anabela. E a busca valeu a pena. Hoje em dia, trabalha num hostel, em Lisboa.
"É muito cansativo, mas gosto. Toda a gente sabe que quando queremos alguma coisa, temos de nos esforçar", diz.
Joana Borges garante que todas as pessoas que passam pela "Porta Aberta" têm um acompanhamento constante. "As nossas técnicas estão sempre em contacto, visitam o local de trabalho, conversam com o empregador e com o próprio trabalhador para perceber como é que esta pessoa tem sido integrada e se está satisfeita", indica.
E, em relação a Milton, os resultados desse acompanhamento estão a ser positivos. Agora, tem uma casa só para ele e, no trabalho, não se cansa de ouvir elogios.
"Os alunos dizem coisas tipo: 'O contínuo é o maior! É o melhor contínuo da escola! É o meu contínuo favorito, não vá embora!", revela. "Estão satisfeitos comigo, é sinal de que estou a fazer um bom trabalho."
Milton só quer continuar a crescer e até já está a fazer formação para tornar-se auxiliar de educação. "Quero evoluir para além da portaria. O que eu quero fazer mesmo é trabalhar com crianças do pré-escolar, e, ao mesmo tempo, aprender com elas, porque é um público muito sincero. Eu adoro crianças. Para trabalhar numa escola, temos de gostar dos miúdos", refere.,
Passo a passo, Milton tem a certeza de que irá cumprir aquele que é o objetivo final: "É ser feliz. É isso mesmo".
