O que leva à ecoansiedade? "As pessoas acham que façam o que fizerem nada vai remediar"
À TSF, José Manuel Palma-Oliveira defende a integração de jovens em ações na comunidade que tenham resultados palpáveis no combate às alterações climáticas.
Corpo do artigo
A ecoansiedade é um problema que afeta muitos jovens no mundo e Portugal não é exceção. Com as alterações climáticas a marcarem a agenda mediática, com a seca, inundações fora de época, não só as pessoas afetadas diretamente sofrem com os problemas ambientais.
José Manuel Palma-Oliveira, professor de psicologia ambiental, explica à TSF o conceito de ecoansiedade: "As pessoas olham para o estado do mundo, olham para as notícias e acham que não conseguem fazer nada, em relação a isso. Ficam sem perceção de controlo. A falta de perceção de controlo leva ao stress e leva a uma coisa muito importante para nós, que é a impotência aprendida. Quer dizer que as pessoas acham, a partir de uma certa altura, que fazer elas o que fizerem nada vai remediar. As pessoas ficam muito stressadas, ficam com eco-ansiedade porque não têm perceção de controlo e esta sensação terrível que é nada do que eu fizer vai modificar qualquer coisa. Não e esse é um grande problema, porque os estudos também demonstram que há uma relação estranha entre ter medo e fazer alguma coisa. Se eu tiver relativo medo, ainda consigo fazer alguma coisa. Mas se eu tiver muito medo de alguma coisa, eu fico paralisado. Ou seja, nem sempre as pessoas que têm eco ansiedade quer dizer que elas façam alguma coisa e sejam mais ambientalistas do que os outros. Não. Por quê? Porque se elas têm muito medo, passam a ter menos ação."
Mas porque é que são os adolescentes os mais afetados? "Primeiro, porque tiveram educações primárias e na escola da proteção do ambiente, depois porque são confrontados todos os dias com as questões das alterações climáticas. Segundo, ainda têm de estudar, mas não têm que trabalhar, não têm uma família, etc. Portanto, os adolescentes e os jovens adultos constituem um caldo de cultura absolutamente a contextual para que isto aconteça. Estão num sítio fenomenal onde isto se vê melhor."
José Manuel Palma-Oliveira, que já foi presidente da Quercus e membro do Conselho Nacional da Água, recomenda a ida a um psicólogo quando a ecoansiedade se faz sentir de forma mais forte. Mas o problema também se pode combater com ações na comunidade que não têm nada a ver com
reciclagem.
"Muitas das vezes o que acontece é que nós temos os problemas mundiais e não temos os problemas locais. Os ambientalistas sempre dizem que é pensar globalmente e agir localmente. Essa é a questão fundamental. Qualquer adolescente tem de perceber que nós estamos numa estratégia de adaptação e não há estratégias possíveis de modificação das alterações climáticas. E então o que nós temos de ter é, de facto, programas que envolvam as crianças e os adolescentes em coisas que cuja mudança seja clara, que ultrapassa a questão da reciclagem dos resíduos, etc, mas que tenha a ver com intervenções no bairro, modificações da superfície, aumento das zonas verdes, a reorganizar um jardim, por exemplo, trazer água para o sítio, saber que naquele sítio há ondas de calor e a gente precisa de modificar, ou seja, tem de haver projetos intensos a níveis da escola e do bairro, que na realidade modifiquem as condições, onde a mudança seja palpável em termos de adaptação", explica o professor de psicologia ambiental.
Além disso, o especialista explica que as gerações de transição, como as que habitam hoje o mundo, são as mais afetadas pelo problema.
"O Norte de África, há cerca de três mil anos, era igual a nós aqui, ou seja, Norte de África não era o semideserto que existe hoje. Portanto, as pessoas que estão hoje no Norte de África consideram aquilo como sendo normal, tal como nós aqui em Portugal consideramos aquilo que temos o normal. O que é que isso quer dizer? Quer dizer que muitas vezes temos alterações e alterações climáticas e quem sofre são as pessoas em transição, ou seja, daqui a 50 anos, as pessoas que nascerem já nascem num Portugal transformado ou num Portugal já mudado e, portanto, elas vão se adaptar àquilo que têm, tal como nós adaptamos àquilo que temos. A questão fundamental são sempre gerações de transição, especialmente as gerações de transição, quando a transição é demasiado rápida, como provavelmente vai acontecer em Portugal, porque em 2090 as previsões fazem com que a parte sul de Portugal seja basicamente um deserto, como o sul de Marrocos ou o sul da Tunísia", argumenta.
A ecoansiedade pode ter impactos ao nível da depressão, irritabilidade, fraqueza e insónia. Pode levar a perdas de apetite, afectar os estudos e o trabalho e até os tempos livres.