"As Cinco Grandes Revoluções da História de Portugal" conta os acontecimentos mais simbólicos e marcantes dos grandes períodos revolucionários portugueses. André Canhoto Costa, o autor do livro, destaca personagens invisíveis das páginas da História e volte-faces surpreendentes.
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"As Cinco Grandes Revoluções da História de Portugal", livro do historiador André Canhoto Costa, foi lançado em abril deste ano, uma data representativa que assinala a Revolução das revoluções. O 25 de Abril é o acontecimento mais evocado quando se fala em movimentos revolucionários ou é, pelo menos, o mais próximo da atualidade. Mas, até chegar o dia dos cravos, muitos outros revolucionários saíram às grandes artérias de Portugal para fazer nascer as revoluções que lhes pulsavam num coração coletivo.
André Canhoto Costa marca outras páginas da História: as que não são sublinhadas a tinta fluorescente nas escolas, mas que contam o espírito dos tempos que inspiraram as mudanças. Em entrevista à TSF, o autor e historiador explica como tudo pode começar pela mão anónima de personagens inesperadas.
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Capítulo I: A crise de sucessão e uma decisão surpreendente de D. João I que mudou o curso do reino
Ao puxar pela cabeça, as ideias gerais são estas: A crise de 1383-1385 foi um período de guerra civil na História de Portugal, que começa com a morte do rei D. Fernando. Conhecido como o rei "inconstante" e "formoso", não gerou herdeiros masculinos.
Apesar de as Cortes de Coimbra terem escolhido um novo rei - D. João I, de Portugal -, João de Castela não desistiu de tentar conquistar o reino lusitano, e acabou por invadir Portugal.
Mas o que não salta à memória é um momento que André Canhoto Costa sublinha, "anterior ao assassinato de João Fernandes Andeiro, um aristocrata que, depois da morte do rei D. Fernando, usurpou, de alguma forma, o poder, ao tornar-se uma espécie de homem-forte ao lado da rainha e ao monopolizar o Governo sem grande legitimidade para tal, enquanto não se resolvia o problema jurídico da sucessão".
"Entre os elementos da corte e da aristocracia, falava-se em assassinar o João Fernandes Andeiro, e, com isso, dar início a uma revolta popular. Quem estava encarregado de o assassinar era D. João, um filho bastardo de D. Pedro e nobre muito destacado na corte, que veio a ser D. João I, o Mestre de Avis", explica o autor de "As Cinco Revoluções da História de Portugal".
Alguns fidalgos olhavam para D. João com hesitação, e, por isso, ele foi enviado para o Alentejo - há quem diga que para ser afastado da corte. "A meio do caminho, muda de ideias e volta para trás, e os historiadores, a começar no cronista Fernão Lopes, nunca conseguiram saber exatamente qual a razão por que D. João resolveu voltar", analisa o historiador. "Ele voltou para trás e assassinou João Fernandes Andeiro, e deu início à revolta popular, que, ao princípio, foi muito violenta", completa Canhoto Costa.
"A verdade é que este episódio é muito sintomático, porque encerra um problema que é central na História e que inquieta os historiadores até aos dias de hoje: como é que se dá este mecanismo de decisão das revoltas? Até que ponto os líderes ou as figuras carismáticas têm uma posição absolutamente decisiva?", questiona o escritor que fala no presente para clarificar o passado, como uma repetição que dá sentido às histórias.
Capítulo II: Um secretário de Estado de origens humildes que gera muita controvérsia
Chamava-se Francisco de Lucena e era um "indivíduo muito próximo de D. João IV, ainda desde os tempos em que ele era Duque de Bragança". "Quando o regime de 1640 decide condenar à morte alguns dos aristocratas que, com ligações ao rei de Espanha, estavam a tentar reverter a revolução a favor de uma dinastia da Casa de Bragança, Francisco de Lucena tem um papel muito importante, ao convencer D. João IV a ser impiedoso", conta André Canhoto Costa.
A revolta de 1640, que pôs fim a seis décadas de domínio espanhol, deu-se com intrigas e tramas como pano de fundo. O recém-chegado ao trono, D. João IV, "espicaçado" por Francisco de Lucena, ordenou a execução de várias figuras "incluindo o oitavo Marquês de Vila Real e segundo Duque de Caminha - D. Miguel Luís de Meneses"
O secretário de Estado exerceu então "um poder mais musculado", pelo que, "depois, são feitas várias acusações a Francisco de Lucena, na corte, por parte de pessoas espicaçadas pela nobreza fiel a Castela. Alguma da nobreza portuguesa não via com bons olhos que um secretário de Estado, de origem humilde, subisse daquela forma ao poder", alvitra o historiador.
Mas todas as conspirações enfrentam oposição e "em 1643, Francisco Lucena é também condenado à morte, é degolado pela justiça régia e o sistema político volta, de alguma maneira, a estabilizar em torno dos tais conselhos. Não cai nem para o lado da revolta democrática, nem para o lado desse poder mais musculado do secretário de Estado, e continua a ficar numa espécie de equilíbrio aristocrático, que vai dar origem ao nosso século XVIII, altura em que aparece um outro secretário de Estado muito conhecido: Marquês de Pombal", conclui o escritor.
Capítulo III: Revoluções liberais e a "importância do debate"
As revoluções liberais de 1820 opuseram dois irmãos: D. Pedro, líder dos monárquicos liberais, e D. Miguel, pelos absolutistas. Mas André Canhoto Costa dá relevo a uma outra figura, pela capacidade de lutar pelos ideais que defendia e, sobretudo, pela diplomacia. "Destaco Bernardo de Sá Nogueira, que ficou conhecido como o Marquês de Sá da Bandeira, porque a vida dele é também um símbolo do que pontua estas revoluções." É esta a leitura do autor de "Os Quatro Cantos do Império" e "Personagens Malditas da História".
Há um episódio que nem todos os amantes de História conhecem: "a famosa belfastada", marcada por uma série de políticos muito influentes e alguns generais e aristocratas militares que tinham partido para um exílio em Inglaterra, depois da ascensão ao poder por parte de D. Miguel. "Eles tentam chegar ao Porto num navio a vapor, o Belfast. Aí iniciaram uma espécie de contrarrevolução", replica.
"Não havia muito dinheiro, e o Belfast estava a desfazer-se aos pedaços. Teve de ser reparado na viagem. Portanto, quando chegam ao Porto, encontram uma situação muito pior do que o que estavam à espera. Decidem fugir e voltar para trás". É nesse momento que surge Bernardo de Sá Nogueira, "e fica completamente incrédulo, porque é um indivíduo que se destaca pela sua coragem física".
"Depois de perder um dos braços em batalha, "é ele que ajuda aquela grande coluna de soldados e de famílias de liberais do Porto". Quando decidem fugir para a Galiza, Bernardo de Sá Nogueira ajudou-os a trilhar o caminho para a Galiza, "no meio de enormes dificuldades, incluindo algumas revoltas dos próprios soldados na retaguarda". Mas o primeiro Marquês de Sá da Bandeira não se resignou e sentou-se com eles, tentou conversar e convencê-los, e chegou a beber "vinho do cantil dos soldados".
Esta arte da "persuasão" aponta para a "importância do debate", mesmo em momentos críticos.
Capítulo IV: Até um homem bravo se comove com os filhos, mesmo antes da instauração da República
Em outubro de 1910, a queda da monarquia tornou Portugal uma das primeiras democracias modernas da Europa. Para André Canhoto Costa, foi importante pensar: "Que tipo de pessoas fez a revolução republicana?"
"Há um relato de cinco revolucionários que vieram de Alhandra, de comboio, e estão orgulhosos pela implantação da República, porque paira uma certa promessa de liberdade e de prosperidade para o povo e para os trabalhadores de Alhandra, para as pessoas mais humildes e sacrificadas. Eles vestem o fato de domingo, a sua melhor roupa, e, na plataforma do comboio, aparece a mulher de um deles a chorar e a pedir-lhe para ele não ir, argumentando com os filhos que tinham". Tece o historiador que acredita que, "hoje em dia, há a tendência de pintar estas pessoas da República como uma espécie de radicais, fanáticos, e umas figuras um pouco caricaturadas, mas ele confessou que, nesse momento, toda a gente perdeu muita da coragem que tinha".
A história teve um desfecho feliz: "Acabaram por decidir ir a Lisboa e todos sobreviveram para assistir aos primeiros anos da República". No entanto, o júbilo acabaria 16 anos depois, com o golpe de 28 de maio.
Capítulo V: Salgueiro Maia e o homem que não o quis matar
O 25 de Abril ditou fim da ditadura. A Revolução pôs mais figuras do que as óbvias a usar cravos ao peito, mesmo que a contragosto ou obrigadas pelas circunstâncias.
"Há um momento-chave em que, vindo o brigadeiro Junqueira dos Reis do Cais do Sodré, as duas colunas [de Junqueira dos Reis e Salgueiro Maia] enfrentam-se. Um alferes do lado das tropas fiéis ao regime recebe ordem para disparar e recusa, pelo que é imediatamente preso", destaca o autor do livro "As Cinco Grandes Revoluções da História de Portugal". Mas a história não fica por aqui: "Depois, há uma segunda ordem para uma patente muito mais baixa, um cabo apontador. O cabo recusa-se a matar Salgueiro Maia".
Este capítulo foi particularmente "interessante e comovente" e, ao mesmo tempo, "muito profundo, do ponto de vista historiográfico". O momento simbólico foi a confirmação de que a Revolução triunfou, quando "castelo de cartas do regime começa a desfazer-se".