Dormiu três horas desde sábado, altura em que deflagrou o incêndio de Pedrógão Grande. O homem que viu a casa arder há quase 40 anos é agora o rosto do combate às chamas que devastam aldeias inteiras.
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Já passavam das onze da noite de terça-feira quando regressou ao posto de comando, em Góis. A saída do carro, pesada e lenta, denunciava fadiga. As olheiras, gritavam-na. Jorge Gomes, secretário de Estado da Administração Interna, até há pouco um desconhecido para a maioria dos portugueses, passou a ser o rosto das notícias graves sobre os incêndios no distrito de Coimbra.
"Consegui dormir três horas esta noite... desde sábado. Não foi mau", desabafa à TSF, num tom gasto. O fogo deflagrou em Pedrógão Grande às 14 horas de sábado. Neste momento são 23 horas de terça-feira. "É a força que temos de ter, e a energia. É alguma coisa que nos gratifica: queremos trabalhar para prestar um bom serviço ao cidadão, para proteger o cidadão, e para criar uma melhor forma de vida e bem-estar", diz, lentamente, num jeito assertivo, fluído, mas com pouca energia.
Jorge Gomes nasceu em Bragança, em 1951. Empresário e gestor em empresas dos setores do vestuário, tecnologias e saúde, chegou a governador civil de Bragança e vereador da câmara da mesma cidade. A ironia trágica do homem que anda num vaivém, com mais horas à frente de microfones do que no meio dos lençóis, é conhecer este sentimento de perder os ossos da casa para as chamas impiedosas. Foi nos anos 80, quando vivia em Sendim, em Miranda do Douro, contou o Diário do Notícias a 19 de junho. O mesmo jornal ouviu amigos do atual secretário de Estado que disseram que foi o próprio quem tirou as filhas de casa.
"São lições que se aprendem: devemos fazer as coisas por precaução e prevenção"
Gomes, no cargo desde 2015, espera que algumas pessoas possam voltar a casa na quarta-feira. "Sim, admito que sim. Logo de manhã será feito um ponto de situação e análise dos lugares onde as pessoas habitavam, para ver se realmente temos condições de garantir que não serão atingidas. Desde que não aconteça, as pessoas serão recolocadas", explica.
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E esclarece: "Elas não foram retiradas porque tivemos perigo iminente. Queríamos era não correr o risco de fazer essa deslocalização de uma forma muito abrupta, porque era o fogo que nos estava a impor. Preferimos fazer com calma suficiente, explicando bem às pessoas, para elas poderem partir com alguma tranquilidade. Também são lições que se aprendem: devemos fazer as coisas por precaução e prevenção, com algum tempo de antecedência para serem bem feitas".
"Esta movimentação toda é para avançarmos esta noite com bastante força", dizia às 23h30
E qual é, afinal, o ponto de situação pelas 23 horas de terça-feira? "Pedrógão Grande está a melhorar bastante", garante. "Temos concluído cerca de 85% dentro do perímetro de incêndio. Temos 15% por solucionar. Temos cerca de 1000 operacionais no terreno, entre Exército, Marinha, Bombeiros, para além da Cruz Vermelha e escuteiros, que têm tido uma participação interessante." A noite mais fresca que se faz sentir, a chegada da humidade, promete um avanço significativo no combate às frentes das chamas. Há esperanças de fechar este capítulo na quarta-feira.
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Góis, no entanto, continua a inspirar mais cuidados. "Estamos numa situação mais complexa. Hoje (terça-feira) foi um dia que a partir do meio da tarde se complicou muito, com ventos de todos os sentidos, em que houve muitas projeções; houve criação de novos incêndios, houve trovoadas secas. Tivemos de combater com bastante pressão para conseguirmos algo importante para nós: que não passasse para a Lousã, que é um dos pulmões do nosso país. Não podemos esquecer."
Pelas 23h50 chegaram os reforços da Galiza, Espanha. "Esta movimentação toda é para avançarmos esta noite com bastante força. Com as pessoas já alimentadas, com algum descanso e com algumas substituições que houve. Vamos para uma noite de muito trabalho, onde esperamos que venha trazer aquilo que é desejado: uma diminuição drástica da frente de fogo."