Oficina da CP em Guifões fechada em 2012 reabre. "Voltamos a ter uma casa em condições"
Até ao final do próximo ano, esta oficina vai empregar perto de uma centena e meia de pessoas. Aos poucos, o espaço ganha a azáfama e a quantidade de trabalho de outros tempos. Encerrada em 2012, em plena troika, a oficina reabriu com velhos e novos rostos que têm orgulho de dizer que são ferroviários.
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O barulho forte e solitário, em breve, vai dar lugar a uma azáfama constante. "Esta oficina está dividida em duas partes. Do lado esquerdo é onde se faz a reparação de material circulante, onde estão os veículos, que são desmontados todos os componentes, que são reparados no outro lado". Com o mesmo entusiasmo, Manuel António Pereira recorda a primeira visita guiada a esta oficina, realizada há 30 anos.
"Foi um espanto. Nós chegámos aqui e vimos isto e achámos fantástico, enorme. Estamos a falar de dezasseis mil metros quadrados de área livre".
O diretor da Oficina de Guifões conhece todos os cantos da casa. Em 1990 conduziu a transferência de Campanhã para este espaço, que chegou a ter quatrocentos trabalhadores.
"Não foi um processo rápido, demorou algum tempo. Foi uma mudança radical. Viemos de uma oficina muito antiga e entrámos num oficina que na altura era uma das melhores da Europa".
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Manuel António Pereira cresceu na empresa onde começou como jovem formando e chegou a diretor, com curso de engenharia mecânica. Dos primeiros tempos recorda quem o orientou pelos carris. Foi do senhor Gonçalves que recebeu a lição mais importante. "Ser responsável naquilo que fazemos", porque "esta é uma área que nos obriga a sermos responsáveis e profissionais. O comboio sai daqui e vai lá para fora e passamos a transportar pessoas".
O choque de gerações também se sentia. "Esta geração mais velha era uma geração que às vezes não era fácil obter os conhecimentos. Eles tinham medo que os mais novos lhes tirassem o lugar. Agora é mais fácil, é tudo informatizado e a formação é feita de outra maneira".
José Morais passou pelo mesmo. Agora é ele que faz parte da velha geração. Passou por várias funções. A experiência permite-lhe dizer que para se ser ferroviário, não é de um dia para o outro.
"No mínimo é preciso dois anos para se ficar a perceber alguma coisa. Noutra profissão pode chegar seis meses, aqui não. Com rigor demora ainda mais tempo. O comboio é uma máquina mais complexa do que parece".
Na primeira vida da Oficina de Guifões, José Morais criou amizades, que ainda duram e criou gosto pela ferrovia. Não foi amor à primeira vista. "Quando eu vim trabalhar para os comboios, os comboios não me diziam nada. Vim porque era uma empresa melhor, mas ao fim de algum tempo acabei por gostar, e gosto. É lago que se vai ganhando com o tempo".
O regresso ao espaço onde passou mais de vinte anos, onde é técnico de montagem e desmontagem de equipamentos, está a saber bem. "Quando se viu isto a ser recuperado, é algo que não é fácil explicar. Sente-se qualquer coisa cá dentro. Finalmente vai voltar a ser o que era. Cheguei a ver isto um bocado vandalizado, e até custava entrar aqui. Toca-nos cá dentro, no fundo. Voltamos a ter uma casa em condições".
José Morais passa o testemunho a André Silva. Partilham o sentimento dos primeiros dias. "Não vou dizer que vim por gosto. Apareceu, mas continuei aqui por interesse, que entretanto despertou. Nunca pensei que fosse assim. É impressionante como uma equipa consegue recuperar umas carruagens tão velhas e metê-las, na linha, novamente novas".
André Silva começou a trabalhar na ferrovia há um ano. Está em Guifões há dois meses e todos os dias há notas para apontar. "Estou a aprender com os velhos, toda a gente ajuda. Tenho que ter muita concentração, decorar muitas coisas, apontar tudo o que faço. Assim sempre que precisar tenho tudo apontado e não preciso de pedir ajuda, ou até posso ser eu a ajudar".
A alegria da reabertura contrasta com a tristeza em 2012, quando a Oficina de Guifões chegou ao fim de linha. Não foi dia de boa memória para Manuel António Pereira.
"Eu não concordei com o encerramento de Guifões. Por isso não recordo muito bem essa fase. Nunca mantive na minha memória, mas a fase de reabertura mantenho. É a viragem".
Pouco depois do fim de Guifões, Manuel António Pereira saiu da empresa e do país. Regressou há dois anos, passou pelo setor do turismo, até que, no último verão, aconteceu o inesperado. Recebeu um telefonema de Nuno Freitas. "Quando ele me falou no tem, eu pensei... mais um".
Não era. Poucas semanas depois chegou o convite do presidente da CP. "Só nessa altura é que comecei a acreditar que realmente seria possível. Nunca pensei regressar novamente à área ferroviária".
As obras para reerguer a oficina de Guifões começaram em outubro passado passado e em dezembro o trabalho arrancou e já há entregas agendadas. Duas carruagens Schindler - espaçosas e com janelas grandes - vão servir a Linha do Douro. Chegam um trapo, saem como novas.
"São carruagens que chegam num estado muito mau. Estão paradas há cerca de vinte anos, o material degrada-se e toda esta corrosão tem de ser eliminada".
Em Guifões vai nascer, também, um Centro Tecnológico para a Ferrovia, para colmatar a ausência de formação. "Nós temos um grande problema, que estamos a sentir agora para admitir novo pessoal. Existem pessoas com conhecimentos de eletricidade, serralharia mecânica e mecânica, mas não têm conhecimento ao nível ferroviário".
Dentro de portas estão para reparação e restauro dezanove carruagens e uma automotora. Em breve, os trabalhadores de Contumil, no Porto, vão engrossar as fileiras da Oficina da CP em Guifões. Um regresso ao passado, sem tempos mortos, nem falta de trabalho.