"Oh Rui Rio, desculpe lá!" Ou como dois velhos conhecidos concordam em discordar
Houve troca de argumentos, houve muita discordância só não houve novidade. Costa e Rio limitaram-se a repetir o que têm dito, sempre num tom cortês de quem já se conhece há muito.
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Se este debate fosse uma final de futebol, provavelmente ainda estaríamos a esta hora nos penáltis. À terceira semana de debates, falou-se, finalmente de saúde, de justiça, de educação e de investimento público. Uma hora de debate deu ainda para passar pelos impostos, pela banca, pela regionalização e nem o serviço militar obrigatório escapou. E talvez esta tenha sido a pequena notícia que saiu do primeiro frente a frente entre António Costa e Rui Rio. Porque, tudo o resto, foi um resumo do que ambos os líderes têm dito nos últimos meses, com a diferença que, desta vez, disseram-no cara a cara.
O PS conseguiu uma vez na vida as contas certas - Rui Rio
Rio foi o primeiro a falar e parecia querer começar ao ataque. Voltou a acusar o Partido Socialista a de não ter feito uma única reforma estrutural, de manter "um défice estrutural", de ter feito subir "a dívida pública em valor absoluto" e de ter permitido "uma degradação enorme dos serviços públicos." Mas não conseguiu evitar e lá deixou escapar o elogio: "o PS conseguiu uma vez na vida as contas certas." O problema, diz o líder do PSD, é que isso não é tanto mérito dos socialistas, mas antes da conjuntura internacional que foi favorável. Ainda assim, criticou Rio, "Portugal é dos países que menos cresce na zona euro", acrescentando que "o rendimento per capita em Portugal foi caindo e, neste momento, é o terceiro pior da zona euro."
undefinedA melhor demonstração de que não andámos ao sabor da conjuntura é que pela primeira vez Portugal conseguiu crescer acima da União Europeia - António Costa
Mas as estatísticas têm sempre várias leituras e Costa, que já se defendeu desta crítica várias vezes, tinha a resposta debaixo da língua: "a melhor demonstração de que não andámos ao sabor da conjuntura é que pela primeira vez Portugal conseguiu crescer acima da União Europeia." Quanto à qualidade dos serviços públicos, o secretário-geral do PS reconhece "que há problemas", mas promete fazer o que falta, "mais e melhor", numa próxima legislatura.
Ainda o aeroporto e a alta velocidade que afinal não o é
Um aeroporto que pode ser no Montijo ou pode não ser. E comboios de alta velocidade que são afinal de velocidade alta. Rui Rio foi confrontado com o programa do PSD que não é tão taxativo em relação ao novo aeroporto do Montijo como parecia quando aprovou o Plano Nacional de Infraestruturas no Parlamento. "Sobre o Montijo, não tenho dúvidas" atirou o presidente do PSD que quer ver primeiro as conclusões do estudo de impacte ambiental, antes de ter uma posição definitiva. Rui Rio acredita que a opção "Montijo está à frente", mas lembra que não se pode passar por cima do estudo.
undefinedNa grande velocidade há várias velocidades e que aquilo que pretende é uma linha uniforme acima dos 200 km/h - Rui Rio
Coisa diferente é o TGV. TGV? Qual TGV? "Não há TGV nenhum", responde Rui Rio explicando que a alta velocidade que está inscrita no programa do partido para estas eleições é, afinal, mais baixa do que fazia parecer: "Na grande velocidade há várias velocidades e que aquilo que pretende é uma linha uniforme acima dos 200 km/h."
undefinedQuando o PSD era liderado por Marques Mendes foi o campeão contra a OTA e defendeu Alcochete, depois veio Passos Coelho que foi contra Alcochete e disse que não era preciso aeroporto nenhum. Depois teve uma segunda fase em que defendeu que se devia voltar à Portela e Montijo - António Costa
António Costa não desperdiçou a boleia e aproveitou para criticar a "inconsistência do PSD" em matéria de obras públicas. O líder do PS puxou pela memória - ou pelos apontamentos dos assessores - para lembrar que "quando o PSD era liderado por Marques Mendes foi o campeão contra a OTA e defendeu Alcochete, depois veio Passos Coelho que foi contra Alcochete e disse que não era preciso aeroporto nenhum. Depois teve uma segunda fase em que defendeu que se devia voltar à Portela e Montijo." O secretário-geral do PS concluiu que este governo apenas "aceitou trabalhar naquilo que era a solução do anterior governo." Ou seja, a opção Montijo.
Sai um choque fiscal! Alguém se queimou?
Também aqui, nada de novo no reino da pré-campanha. Rio repetiu o jargão "da maior carga fiscal de sempre", motivo pelo qual, disse o líder do PSD, o PS conseguiu contas certas nesta legislatura. De António Costa ouviu um outro jargão: o do crescimento económico, que tem sido o grande álibi dos socialistas para justificar a carga fiscal em Portugal.
A partir daqui, começou o "leilão" de promessas fiscais. Na solução social-democrata, Rio diz que vai ter 15 mil milhões de margem orçamental. 25% para baixar impostos, 25% para investimento e o restante para a despesa corrente. Tão "claro como água", remata o presidente do PSD que acena ainda com uma baixa do IRC para, com isso, "induzir que as empresas invistam, exportem e capitalizem." E, se vier aí uma nova crise, Rio tem a solução: ""No nosso [cenário], podemos ajustar na redução de impostos e no investimento público", diz Rio, enquanto o PS "se por acaso algum percalço houvesse, aumenta impostos ou corta na despesa", critica Rio.
Os melhores indicadores de como cuidámos do futuro é que a estabilidade da Segurança Social aumentou 21 anos durante esta legislatura - António Costa
A resposta de Costa recupera uma velha máxima do centro-direita do "choque fiscal", que no entender do secretário-geral do PS "acaba sempre num enorme aumento de impostos." O líder socialista defende-se da acusação da maior carga fiscal de sempre, com aquilo a que chama "uma justa redução de impostos" nesta legislatura. E puxa, novamente, pelas estatísticas para dizer que "os melhores indicadores de como cuidámos do futuro é que a estabilidade da Segurança Social aumentou 21 anos durante esta legislatura", algo que só foi possível, diz António Costa, porque parte da receita fiscal foi consignada à Segurança Social.
A troika cortou tudo tudo tudo. Sabe qual foi o problema? Tivemos um governo que quis ir além da troika e quis cortar mais, mais, mais, mais - António Costa
Na troca de argumentos económicos, houve ainda a habitual discussão sobre o nível de investimento público e nem a troika faltou. Rio lembrou as dificuldades de governar com a troika para ouvir de Costa que "a troika cortou tudo tudo tudo. Sabe qual foi o problema? Tivemos um governo que quis ir além da troika e quis cortar mais, mais, mais, mais." Passos Coelho deve ter ficado com as orelhas a arder, mas se estava à espera que Rui Rio o defendesse, continua à espera.
"Oh Rui Rio, desculpe lá..."
Rio não quer exagerar e por isso não afirma que a saúde em Portugal "está uma desgraça, porque não está", mas quando se põe a comparar 2015 com 2019, não tem dúvidas: "Está pior." E dá o exemplo das consultas que foram "menos 48 mil" ou "das pessoas quando se dirigem ao SNS que veem a situação em que se encontra. Agora já não são só os hospitais, são também os medicamentos", nota Rio. A lista do presidente do PSD tem também "as listas de espera que crescem", tal como "as dívidas a fornecedores." Conclusão: "Falta de gestão e de investimento", remata Rui Rio.
Quem não alinha neste diagnóstico é António Costa. O líder socialista "lamenta" mas "o Serviço Nacional de Saúde não está pior que há quatro anos" e tem números para apresentar: "Este ano de 2019 estamos a executar 1600 milhões de euros de investimento na saúde superior ao que existia em 2015." Rio contrapõe e acusa o PS de "aumentar sempre a despesa pública" e que é preciso arrojo para cortar nessa despesa, ao que Costa responde pedindo a Rui Rio que seja rigoroso e lembrando que "um hospital não são só médicos, enfermeiros, são também os materiais que utilizam, todo o material para exames médicos."
Quanto à gestão, nesta área, e ao papel dos privados, nada de novo no reino do PS e do PSD. António Costa insiste que não pretende fazer novas Parcerias Público-Privadas. Rio insiste que a questão das parcerias público-privadas não deve ser ideológica e sublinha que se os privados oferecem melhor gestão, devem seguir em frente, admitindo, no entanto que deve haver um reforço na fiscalização da gestão das PPP. Coisa que o líder do PSD não sabe se está a ser bem ou mal feita.
Devolver os 9 anos de carreira aos professores? Jamais
Na saúde, como na educação, Costa e Rio voltaram a repetir o que têm dito há vários meses. O líder do PSD voltou a acenar aos professores com uma negociação que permita devolver-lhes os anos de carreira congelados de forma criativa. Costa lembra que "comprometemo-nos com os professores o mesmo que com todos os funcionários públicos: descongelar as carreiras" e acrescenta que "hoje grande parte dos professores já progrediram." Até 2023 o líder do PS garante que "todos os professores vão progredir dois anos em cada escalão." E sobre este tema - da progressão das carreiras dos professores - Costa assegura que não há mais nada para discutir.
Uma posição incompreensível para Rui Rio que acusa o Governo de dois pesos e de duas medidas: "diz aos professores que não lhes dá nada e depois diz aos juízes que vão ter um aumento."
"Rui Rio não gosta dos juízes e dos magistrados"
A crítica foi certeira ao líder do PSD que a refutou, mas percebeu exatamente onde António Costa queria chegar. Rui Rio insiste que não aceita "um País em que os julgamentos se fazem na tabacaria e na televisão" e avisa que "as pessoas não podem ser dependuradas na praça pública como têm sido". O tema é caro ao líder do PSD, que questiona a autoridade moral "deste regime sobre o Estado Novo quando faz uma coisa destas? Eu, como democrata, não posso ver uma coisa destas", conclui.
Um País em que os julgamentos se fazem na tabacaria e na televisão, as pessoas não podem ser dependuradas na praça pública como têm sido" - Rui Rio
António Costa admite que "qualquer pessoa de bom senso concorda com Rui Rio", mas lança farpas ao adversário e avisa que "não é mudando o Conselho Superior de Magistratura que isso se resolve." Sobre os mega processos, o secretário-geral do PS lembra que "só quem conhece os processos por dentro, é que sabe o seu grau de complexidade."
Banca, serviço militar obrigatório e regionalização
O fim do debate tinha guardadas perguntas de resposta rápida. Sobre a multa da Autoridade da Concorrência a 14 bancos que atuam em Portugal, Rio e Costa estão de acordo que este tipo de investigações demoram tempo demais, mas o líder do PS recorda, ainda assim, que esta ação punitiva é a prova de que o sistema funciona.
A regionalização, que não consta em nenhum dos programas, também os une. Costa é mais categórico na defesa da medida, mas lembra que "quando definimos um programa para quatro anos temos que avaliar as condições que existem. O atual Presidente da República foi um dos que mais combateu a regionalização e ele não deu o menor sinal de disponibilidade para avançar nesse dossier. E, portanto, eu vejo mal que nos possamos lançar num conflito institucional com o Presidente da República. Portanto, a próxima vez que avançarmos tem que haver um consenso político alargado." Já Rui Rio, não quer dizer um sim definitivo à regionalização sem saber os termos em que ela será feita.
Uma das últimas perguntas, teve a ver com a reintrodução do serviço militar obrigatório. E nisto, Costa e Rio estão definitivamente de acordo: não faz sentido.