O advogado de defesa de Ricardo Salgado lamenta que "todos os dias úteis do ano, que não sejam férias judicias, existam julgamentos que envolvem" o antigo presidente do BES: "Em vez de se criar um megaprocesso, criaram-se vários megaprocessos que envolvem um arguido que já não se pode auto-defender"
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O julgamento da Operação Marquês, que pela primeira vez senta um ex-primeiro-ministro no banco dos réus, José Sócrates, começa no dia 3 de julho, mais de uma década depois de conhecida a investigação.
As sessões vão decorrer três dias por semana e vão ser interrompidas durante as férias judiciais de verão, de 16 de julho a 31 de agosto, revelaram as defesas de vários arguidos.
As datas foram agendadas durante uma reunião de cerca de uma hora e meia que decorreu esta segunda-feira, no Campus de Justiça de Lisboa, entre a presidente do coletivo de juízes, Susana Seca, e os advogados da maioria dos 22 arguidos no processo.
O defensor de José Sócrates, Pedro Delille, não marcou presença no encontro de trabalho, uma vez que, sustentou em comunicado o antigo primeiro-ministro (2005-2011), a defesa considera que "o processo Marquês não ultrapassou ainda a fase de instrução".
Entre os restantes arguidos, está o ex-banqueiro Ricardo Salgado, de 80 anos e diagnosticado com alzheimer, que está já a ser julgado no processo principal da queda do Banco Espírito Santo (BES) e do Grupo Espírito Santo (GES) e começará a ser julgado em 29 de abril num outro relacionado com o BES Angola.
À saída do tribunal, o advogado de defesa de Ricardo Salgado, Francisco Proença de Carvalho, lamenta que "todos os dias úteis do ano, que não sejam férias judicias, existam julgamentos que envolvem" o antigo presidente do BES.
"Já se está a criar uma situação em que há vários julgamentos de vários processos que envolvem o nosso cliente no mesmo dia. Portanto, ele já não se pode defender e a defesa também não se pode multiplicar para o defender", destaca.
Francisco Proença de Carvalho nota que a juíza "não teve em conta" a separação dos processos e critica o facto de Ricardo Salgado ser obrigado a passar "os seus últimos dias" em tribunal.
Em vez de se criar um megaprocesso, criaram-se vários megaprocessos que envolvem um arguido que já não se pode auto-defender. Isto tem um problema que não é culpa do tribunal. Tem que ver com esta ideia de multiplicar processos
A defesa de Ricardo Salgado reforça que a doença do arguido, que sofre de alzheimer, não lhe permite responder e defender-se das acusações. Esta é uma situação que "não melhora" e, por isso, Proença de Carvalho quer "evitar que aquilo que aconteceu em outubro se volte a passar".
Sobre um eventual reencontro em tribunal com José Sócrates, considera que "seria absolutamente indigno" e garante: "Tenciono que o meu cliente não seja julgado criminalmente quando não se pode auto-defender."
Sobre a data anunciada, o advogado afirma ainda que o argumento para a escolha do mês de julho advém do facto de este ser "um processo urgente e quer-se andar o mais rapidamente possível".
A juíza Susana Seca, do Tribunal Central Criminal de Lisboa, vai presidir ao coletivo de julgamento do processo que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates e outros arguidos 21 arguidos e que abrange crimes de corrupção, branqueamento de capitais e fraude.
Em 2017, o antigo primeiro-ministro foi acusado pelo Ministério Público de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas na decisão instrutória, em 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar o antigo governante de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento apenas por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos.
Em janeiro de 2024 uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa recuperou quase na totalidade a acusação original e determinou a ida a julgamento de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros, revogando a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa.
Os arguidos têm, em geral, negado a prática dos crimes.
José Sócrates, de 67 anos, foi detido há mais de uma década e chegou a estar em prisão preventiva, permanecendo em liberdade desde 2015.
O ex-presidente do BES Ricardo Salgado foi pronunciado por abuso de confiança relacionado com transferência de mais de dez milhões de euros, factos que levariam à sua condenação num processo autonomizado, mas foi ilibado dos dois crimes de corrupção ativa e de um de corrupção ativa de titular de cargo político.
