Operação Marquês: Justiça sob pressão mediática e tentações legislativas "a quente"

António Pedro Santos/Lusa (arquivo)
No Fórum TSF desta quarta-feira, ficou sublinhada a necessidade de sancionar "implacavelmente" qualquer tentativa de instrumentalização da Justiça. Ainda assim, a força aplicada deve ser "tranquila" e sem ultrapassar a "linha vermelha" do direito à defesa
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A Operação Marquês representa uma "parte muito ínfima do sistema de justiça", mas há lições que podem ser tiradas deste processo que dava um "caso de estudo": a Justiça sob pressão mediática, a tentativa de instrumentalização e as semelhanças com o conto do Pedro e do lobo conduzem a "situações limites", mas é importante evitar cair na "tentação de fazer alterações legislativas a quente".
No debate do Fórum TSF desta quarta-feira, o presidente da Associação Sindical dos Juízes, Nuno Matos, começa por frisar que a decisão de atribuir 20 dias para que o antigo primeiro-ministro possa designar um novo advogado, após a renúncia de Pedro Delille, é uma "consequência natural do que determina a lei". Mas assinala que este processo vai "protelar o julgamento" por mais algum tempo.
"É evidente que podemos pensar se aquilo que está por trás da renúncia ao mandato - que, normalmente, tem na base a quebra de confiança na relação advogado/cliente - poderá ser mais um incidente dos muitos que já foram suscitados ao longo deste processo, o que nos pode conduzir um bocado à história do Pedro e de lobo", admite.
Esta situação pode assim criar "alguma dificuldade" em aceitar os argumentos invocados para a renúncia do mandato - até porque "estarão em contradição com toda a conduta processual que vem de trás".
Nuno Matos refere até que muitos são aqueles que apontam que a Operação Marquês deve ser "um caso de estudo", mas ressalva que esta representa apenas uma parte "muito ínfima de todo o sistema de justiça" - ainda que isso não implique a ausência de uma reflexão sobre este caso particular.
Sobre eventuais alterações à lei para evitar manobras dilatórias, vinca que não pode haver a "tentação" de as fazer "a quente". Ainda assim, afirma que a fase de instrução pode ter "um figurino diferente", bem como outras "medidas de gestão de processos na fase de investigação".
"Eu, quanto aos recursos, digo sempre o seguinte: a melhor maneira de acabar com atrasos na justiça era acabar com o direito ao recurso. Respondo, logo de imediato: isso é impensável num Estado de direito, como é evidente. (...) Não podemos ter a tentação de fazer alterações legislativas a quente", ilustra.
Já o bastonário da Ordem dos Advogados, João Massano, conta que tende a concordar com a ministra da Justiça, que afirmou que a Operação Marquês representa "tudo o que pode correr mal" e deve ser "guia para o que não pode acontecer". Culpa, contudo, a pressão mediática presente em megaprocessos, bem como as pressões feitas pelas "próprias partes" dentro do tribunal. Juntas, conduzem a "situações limite em que as pessoas podem não aguentar".
"Eu costumo comparar este processo quase como aquela situação do jogo de futebol em que há um futebolista que está permanentemente a ser agredido pelo defesa, por exemplo, e que no final do jogo já não aguenta mais e agride o defesa e ele é expulso e o defesa continua lá. É isso que às vezes eu vejo neste processo. É muito difícil manter o equilíbrio", sustenta.
João Massano critica ainda o despacho emitido pela magistrada, que justificava a suspensão do julgamento com o argumento de que o direito à defesa de José Sócrates seria prejudicado, caso continuasse a ser representado por um advogado oficioso.
"Esta ideia de que os oficiosos são maus advogados ou que não têm qualidade, não pode continuar a ser veiculada", sublinha, completando que também que lamentou a opção por não conceder um prazo de 48 horas a José Ramos - o advogado oficioso atribuído a Sócrates - para que pudesse conhecer o processo. "É algo que é uma linha vermelha. Agora, se isso é utilizado como manobras dilatórias, isso o juiz tem de apreciar e não pode permitir", esclarece.
O bastonário entende, ainda, que existem lições a retirar deste processo e assume ser contra a transformar a fase de instrução num "primeiro julgamento".
"A instrução tem de ser única e simplesmente uma verificação se o Ministério Público fez ou não bem o seu trabalho. É isso que está em causa. Não podemos estar a fazer um julgamento na instrução e depois fazer outro no julgamento, quando é mesmo a audiência de julgamento. No fundo, estamos a falar de uma situação em que temos praticamente dois julgamentos: basta ver o que aconteceu neste processo", denuncia.
"O direito de defesa num processo-crime é um direito constitucional, que não deve ser atacado", alerta também a diretora do Observatório Permanente da Justiça. Conceição Gomes nota, contudo, que a instrumentalização do sistema da justiça também não pode ser permitida.
"Neste processo há um levar ao limite dos limites instrumentos que estão ali que não têm esse objetivo. E, aí, essa instrumentalização deve ser implacavelmente sancionada com punições - como multas e outros", exemplifica, acrescentando ser "fundamental" a existência de mecanismos que impeçam esta instrumentalização abusiva.
O juiz desembargador Eurico Reis evidencia a importância de "construir soluções" e, por isso, apresenta um conjunto de sugestões para tornar a justiça mais eficaz.
"O Código tem de ser reformulado. Aqui é a tal coisa: a força tranquila. Quando é para aplicar, aplica-se. Não se está sempre sistematicamente a falar disso: aplica-se, faz-se. Agora, isso tem de ser compaginado com os direitos que são reconhecidos na lei. A lei é para cumprir", conclui.
A TSF tentou, sem sucesso, ouvir o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Paulo Lona.
