Operação Marquês "nasceu mal e vai morrer mal". Advogados denunciam "culpas no cartório" do MP e pedem "reflexão"
A advogada Mónica Quintela lamenta, no Fórum TSF, a eliminação do caráter prioritário do processo, que tinha como objetivo "salvaguardar direitos e acautelar perigos, designadamente perigos da prescrição". Já Garcia Pereira acusa o MP de não ter "qualquer espírito autocrítico"
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Advogados criticaram esta quinta-feira a atuação do Ministério Público (MP) na Operação Marquês, um processo que, após uma década, ainda não tem data de julgamento prevista. Ouvidos no Fórum TSF, defendem que o órgão "tem as principais culpas no cartório" e, por isso, pedem que faça uma "reflexão".
José Sócrates foi detido há dez anos no aeroporto de Lisboa, quando chegava de Paris, e uma década passada sobre esse dia ainda não começou o julgamento da Operação Marquês, processo marcado por sucessivos recursos do antigo primeiro-ministro. No processo, Sócrates foi acusado pelo MP, em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas na decisão instrutória, em 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar o político de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento apenas por três crimes de branqueamento e três de falsificação.
Uma decisão posterior do Tribunal da Relação de Lisboa viria a dar razão a um recurso do MP, e em janeiro determinou a ida a julgamento de um total de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros, revogando a decisão instrutória, que remeteu para julgamento apenas José Sócrates, Carlos Santos Silva, o ex-ministro Armando Vara, Ricardo Salgado e o antigo motorista de Sócrates, João Perna.
A advogada Mónica Quintela, comentadora do programa TSF Não Alinhados, desafia o MP a fazer uma "reflexão muito grande" sobre a Operação Marquês e sobre a forma como a Justiça é feita.
"O processo nasceu mal, está a ter uma vida processual má, e vai morrer mal", defende, no Fórum TSF, ao mesmo tempo que lamenta a eliminação do caráter prioritário atrubído ao processo, que tinha como objetivo "salvaguardar direitos e acautelar perigos, designadamente perigos da prescrição". A decisão de remover a "tramitação" ocorreu depois de já terem havido crimes, neste caso, que prescreveram.
"Este é um processo em que está a ser julgado um regime e, por isso, toda a tramitação vai ter um reflexo no Estado de Direito democrático e no sistema de Justiça. É necessário que haja muita atenção à forma como isto está a decorrer", afirma.
Se este raciocínio não ocorrer, Mónica Quintela garante que, além dos riscos das prescrições, há também o perigo de uma "sentença pífia".
"Ou seja, que isto tenha começado como um gigante total, era uma coisa enorme que víamos na TV, ouvíamos os interrogatórios a ser passados em direto e toda a gente formou uma convicção - e mal, porque se pôs em causa a presunção de inocência, mas isto é geral a todos os processos -, e pode acabar, no decurso deste tempo todo e quando se fizer o julgamento, que a prova não seja feita em consentaneidade com aquilo que o MP propalou em vários meios", lamenta.
"[O MP] tem as principais culpas no cartório." Quem o diz é o advogado António Garcia Pereira, que responsabiliza a instituição pelos megaprocessos que se vão arrastando.
"Isto deve ser dito com toda a serenidade, mas, simultaneamente, com toda a frontalidade e coragem, sobretudo, quando vemos que os novos responsáveis do MP - e a última ocorrência dessas foi o discurso de tomada de posse do novo diretor do DCIAP -, a insistir por esta via de ausência completa de qualquer espírito autocrítico e a tentativa de justificar o injustificável", considera.
Indo mais longe, António Garcia Pereira entende que o "discurso do excesso de garantismo" persegue Portugal desde que o MP "conseguiu instituir um modelo de processo penal em que, na sua fase inicial, onde faz o que quer, quando quer e como quer". Esta ação, diz, é "contra aquilo que é o modelo Constitucional".
Quem partilha da mesma opinião é Eurico Reis, juiz Desembargador Jubilado, que centrou igualmente as críticas na atuação do MP. "O Código do Processo Penal tem muitos defeitos, mas não impõe os megaprocessos. Isto é por uma escolha do MP - porque ele é que é o detentor da ação penal -, de misturar as coisas que não deviam misturar", aponta.
Eurico Reis, conclui, por isso, que os megaprocessos "decorrem de um erro estratégico ou então de uma vontade de complicar dificuldades de prova".
"As coisas não precisavam de ser assim", remata.
