Cinquenta anos depois das cheias de 1967, a Grande Reportagem TSF ouviu testemunhos de quem sobreviveu à força da água e de quem trabalhou para ajudar os outros perante a inércia e censura do regime.
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Em novembro de 1967, Joaquim Letria morava num andar em Campolide. Ao começar a ver água entrar em casa, ligou para os bombeiros, mas ninguém apareceu. Joaquim voltou a ligar, "já a protestar".
"Então nós andamos aqui a salvar gente e o senhor está preocupado porque lhe está a entrar água pelo teto?" A resposta assertiva ficou-lhe na memória, tal como os dias que se seguiram às cheias, conta o jornalista à TSF.
Na redação do Diário de Lisboa, "os telefones tocavam e nunca era para dizer nada de bom (...) Foi muito doloroso todo aquele período. Íamos saindo de Lisboa e encontrando coisas terríveis".
A par com os bombeiros, Joaquim Letria foi dos primeiros a entrar em Quintas. "Era uma coisa aflitiva, foram mais de 80 mortos, praticamente a população toda. Encontrávamos cadáveres abraçados".
"Nada disto quase podíamos contar. Contávamos para o arquivo. Trabalhamos sempre como se não houvesse censura, mas tivemos quase tudo censurado", incluindo o número de mortos, que não só era censurado como desmentido.
Para tentar chegar a um número verdadeiro, o chefe de redação pediu a Joaquim Letria e a Pedro Alvim que fossem contar os mortos, Ambos percorreram casas mortuárias, igrejas, quartéis, todos os lugares para onde os cadáveres estavam a ser levados.
Foi depois deste trabalho que Pedro Alvim "escreveu aquela que é talvez a crónica mais bonita da imprensa portuguesa". Joaquim Letria relê o texto do amigo. Chama-se "os mortos e os fósforos".
O número de mortos estava longe daquele que regime queria fazer parecer. "Eram 700 e tal, nós tínhamos razão".