Os quatro pilares que Costa concertou para apoiar uma maioria que não "se basta a si própria"
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O dia do Governo é sobretudo de celebração e agradecimento aos parceiros sociais pelo acordo de médio prazo assinado este domingo, mas nem por isso António Costa se absteve de deixar um recado a quem de direito: "Nenhuma maioria, por muito absoluta que seja, se basta a si própria."
Foi com esta frase que o primeiro-ministro escolheu começar a apresentar, perante os representantes dos patrões e sindicatos, o que classificou como os quatro pilares do acordo de médio prazo para "Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade", como era chamado pela transmissão oficial que o Governo disponibilizou a partir do Palácio Foz.
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Reequilibrar a repartição de riqueza, reforçar a competitividade das empresas, fixar o talento jovem e dar resposta aos problemas imediatos do país - em especial na energia - foram as quatro grandes áreas que o primeiro-ministro destacou como "pilares" do acordo que "não é o fim do caminho, é mesmo o início".
Do geral, com um elogio ao que diz ser um passo "da maior importância política" e que "reforça a confiança" como um marco, Costa partiu para os pontos particulares que se propõe a cumprir, como aumentar em 2% a produtividade ou fazer com que os salários pesem 48,3% do PIB português em nome da convergência com a União Europeia.
E para tal, o Governo diz-se disposto a percorrer o caminho necessário, mesmo que seja "mau e tenha buracos", uma metáfora utilizada pelo presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, Eduardo Oliveira e Sousa, de que o primeiro-ministro gostou tanto que aproveitou para a adotar.
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Aumentar o peso dos salários
Deixando pormenores e medidas concretas para o ministro das Finanças, que deve apresentar a proposta de Orçamento do Estado para 2023 esta segunda-feira, o primeiro-ministro apresentou então o primeiro de quatro pilares: o de "reequilibrar a repartição de riqueza no todo nacional, ou seja, aumentar a justiça social no nosso país".
As crises das últimas décadas "fizeram com que os salários fossem perdendo peso no conjunto da riqueza nacional" e Costa defende que essa tendência começou a ser revertida em 2016, mas quer mais. O objetivo principal é chegar a 2026 com um peso das remunerações no PIB "idêntico ao da média europeia", alcançando os 48,3% a partir dos "45,3% de 2019".
Feitas as contas, tal implica "um esforço de atualização anual de salários" que parte "dos 5,1% em 2023 até 4,6% em 2026". O acordo assinado esta tarde, "plurianual", permite assegurar uma "resposta às necessidades das famílias hoje" ao mesmo tempo, assinala, que se recupera "o poder de compra perdido ao longo de 2022 e, sobretudo, há um ganho efetivo daquilo que é o valor dos salários no conjunto da riqueza nacional".
"Por isso ancorámos sempre o objetivo no peso dos salários do produto e nunca ancorámos o objetivo no montante de cada atualização anual", assinalou.
Reforçar "fortemente" a competitividade
O segundo grande objetivo do acordo é o de "reforçar a competitividade" das empresas portuguesas, com um esforço no reforço dos incentivos e uma aposta "no investimento em investigação, desenvolvimento e conhecimento".
O Governo aposta também na "simplificação e desburocratização administrativa", citando o exemplo da "eliminação de várias das declarações" que as empresas prestam à Segurança Social.
Os incentivos do PT2030 e do PRR apoiam "a dupla transição, digital e energética". Se no PT2020, exaltou, as verbas destinadas às empresas eram de 5,7 mil milhões de euros", nesta nova fase "sobem para 11 mil milhões de euros, ou seja, quase o dobro dos seis anos anteriores".
Todas as medidas têm um objetivo claro para Costa: "Para nós sermos mais competitivos, temos de ter empresas mais fortes." Assim, e porque o Governo quer que "as microempresas se tornem em pequenas, as pequenas em médias, as médias em grandes e as grandes em globais", há mexidas no IRC.
O acordo prevê que as pequenas e médias empresas "que hoje beneficiam, em face do seu volume de negócios, de uma taxa de IRC de 17%", em caso de fusão, "conservarão a taxa de IRC de 17%", mesmo que da fusão resulte um volume de negócios superior aos limites definidos para essa taxa.
"É um sinal claro de que precisamos de robustecer o tecido empresarial, ajudar as empresas a ganhar escala e dimensão para serem mais competitivas e poderem pagar mais e melhores salários", resumiu.
Fixar talento jovem
A agulha virou-se então para os jovens e para a sua fixação, "sejam licenciados ou com outro grau de formação superior", mas também os "qualificados pela formação e ensino profissional".
Além de "grandes melhorias no IRS Jovem já a partir de 2023", o Governo realça um "programa anual de contratação sem termo de jovens qualificados" que, em quatro anos, "abrangerá o apoio à contratação de cerca de 25 mil jovens".
O Estado fixou também em "1320 euros mensais" a remuneração para uma "posição de entrada na carreira de técnico superior" de modo a fomentar uma concorrência com o setor público que o primeiro-ministro quer "forte e virtuosa".
Responder aos problemas "imediatos"
Lançado o desafio, Costa chegou ao objetivo que assumiu como mais "geral" para responder aos problemas "imediatos e do presente".
Na próxima quarta-feira o ministro do Ambiente apresenta o reforço em "mais três mil milhões de euros a dotação que o Estado dá ao sistema energético para permitir mitigar as subidas dos preços da eletricidade e do gás".
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Perante tempos de incerteza, Costa quer uma "gestão prudente das finanças públicas" que permita ter "margem de manobra" suficiente para adotar medidas "indispensáveis" para empresas e famílias. "Foi o que nos permitiu dar a resposta que demos durante a Covid com o sucesso hoje por todos reconhecido", atirou também.
"É o que temos de ser também capazes de fazer nesta crise tão incerta quanto a duração da guerra e tão incerta quanto a duração da inflação", que Costa quer enfrentar com "prudência".
Em especial para as PME, é limitado "em 50% o terceiro pagamento especial por conta deste ano" para "aliviar a pressão sobre a tesouraria".
Na agricultura, a juntar à redução do IVA, há uma majoração dos custos com "fertilizantes, rações para animais e compostos" e um apoio extraordinário no gasóleo agrícola.
Costa salva todos menos um
O acordo de médio prazo para a melhoria de rendimentos, salários e competitividade foi assinado pelo primeiro-ministro, António Costa, e pelos representantes da Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP), da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), da Confederação do Turismo de Portugal (CTP) e da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) assinou o documento antes da cerimónia, enquanto a CGTP recusou formalizar o acordo, alegando que as medidas previstas são "insuficientes" para responder aos problemas dos trabalhadores, reformados e pensionistas.
No final, Costa não perdoou. Começando por reconhecer que no contexto atual "é precisa coragem acrescida para assinar um acordo de médio prazo", deixou um recado a quem ficou de fora: "Conseguimos quase todos, conseguimos aqueles que tiveram vontade efetiva de negociar e acordar."
E deixou o mote: "Agora, mãos à obra."
