A fotógrafa Catarina Araújo Ribeiro passou três meses no Estabelecimento Prisional de Tires a captar o dia a dia das 17 crianças que vivem com as mães que estão privadas de liberdade.
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A prisão não é a primeira casa em que se pensa como o local ideal para ver crescer uma criança. Mas as circunstâncias da vida ditaram que o Estabelecimento Prisional de Tires fosse o cenário de todas as horas na vida de 17 mães e 17 crianças. São quase raros os retratos destes locais, mas a fotógrafa Catarina Araújo Ribeiro ajuda-nos agora a conhecer os espaços e a desvendar os traços de quem decidiu viver lado a lado, e atrás das grades, com os filhos até aos três anos.
Depois de ter uma autorização da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a fotógrafa acompanhou durante três meses a realidade destas crianças. "Estes retratos não são feitos como se faz fotografia de paisagem. Tem que se criar uma empatia, uma relação. Ainda para mais estamos a falar de pessoas vulneráveis. Por isso é que fiz isto em três meses e não em três dias", explica Catarina Araújo Ribeiro.
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O trabalho desse tempo está agora à vista de todos na Fábrica Braço de Prata. A sala é dominada pelo preto e por um escuro quase total. A luz vem apenas dos focos que iluminam as 24 fotografias que marcam esta exposição. É num espaço pequeno que está retratado o dia a dia de quem vive a maternidade entre quatro paredes. A exposição chama-se "Punctum - ser criança atrás das grades".
As janelas para o mundo
Em poucos metros quadrados há fotografias a cores e a preto e branco. Num dos retratos, há apenas pés à vista. Este é também o testemunho de uma cumplicidade que ganhou força com o tempo. "Uma das mães perguntou-me se podia tirar os sapatos. Quis fotografá-las sem sapatos porque acho que é exatamente como estiveram comigo. Sem filtros. Ainda para mais, como elas estavam com os miúdos, esqueceram-se um bocadinho das poses e estavam só em interação com as crianças", conta a fotógrafa.
Para muitas destas crianças estas são as primeiras fotografias de toda a sua vida. Estas mulheres já puderam ver as imagens - que salvaguardam a identidade das crianças. "Quando lhes mostrava as fotografias no visor da máquina ou depois as entreguei em papel elas ficaram surpreendidas. Para mim foi avassalador ver as reações. Perceber que serem fotografadas na sua condição de mãe e não nas condições de reclusa pode ter tido algum impacto na sua autoestima", relembra.
Nos quartos retratados nestas imagens, veem-se desenhos animados pintados nas paredes. Se por segundos esquecermos que estamos a ver imagens de uma cela de uma prisão, estes parecem quartos normais na vida de qualquer criança. Mas nas imagens de Catarina Araújo Ribeiro destacam-se ainda umas pequenas janelas. Numa das imagens, vê-se uma criança a espreitar para o exterior da cela.
Para estas crianças, estas janelas são a única porta aberta para o mundo. "São umas janelas por onde os miúdos podem espreitar. E por isso é uma janela onde entra luz, ar, e onde se pode ver lá fora e sonhar com o mundo lá fora".
As imagens desta fotógrafa são também uma prenda para quem é estranho ser o centro das atenções. "São mães como todas nós e retratá-las foi para mim muito positivo", termina Catarina. As fotografias mostram ternura, mas algumas imagens deixam à vista um olhar de receio sobre o futuro. " Por lei, as crianças só podem permanecer com as mães nas prisões até aos três anos", lembra a fotógrafa em jeito de explicação. Os retratos captados pela lente de Catarina Araújo Ribeiro podem ser vistos na sala Wolf da Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, até ao dia 28 de outubro.