Partos normais vão deixar de ser feitos por obstetras e serão assegurados por enfermeiros
A norma da DGS resulta de uma proposta da comissão que estudou soluções para fazer face à falta de médicos e indica que os médicos obstetras estarão sempre nos partos mais complexos e que exigem o uso de instrumentos, enquanto nos partos normais serão os enfermeiros especialistas a assegurar todo o processo.
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Os partos normais vão deixar de ser feitos por médicos obstetras, passando a poder ser assegurados apenas por enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica.
A norma da Direção-Geral de Saúde (DGS) foi publicada na quarta-feira e torna oficial uma prática que já acontece em vários hospitais. O Jornal de Notícias, que avança a informação, escreve que a nova orientação resulta de uma proposta da comissão que estudou soluções para fazer face à falta de médicos.
Os médicos de Obstetrícia e Ginecologia estarão sempre nos partos mais complexos e que exigem o uso de instrumentos. Nos partos normais, serão os enfermeiros especialistas a assegurar todo o processo, desde o internamento até às primeiras horas de vida do bebé.
Ouvido pela TSF, Diogo Ayres de Campos, presidente da comissão, refere que o alívio nas salas de partos poderá ser uma consequência, mas era o objetivo primeiro da medida.
"O documento tem essa característica que é harmonizar práticas, mas também é, de alguma forma, introduzir nessas práticas aquilo que é a evidência científica mais recente. Claro que, a partir do momento em que isto fica mais claro, esperemos que as equipas fiquem mais libertas para fazer aquelas coisas que são das suas responsabilidades, em vez de se estarem a preocupar com aquilo que não é da sua responsabilidade, mas a ideia não é que esta orientação leve a qualquer redução das equipas", adianta.
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Em declarações à TSF, Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, mostra-se satisfeita com esta nova norma e defende que as mudanças são muito positivas.
"Esta norma vem trazer alguma regulamentação, não na totalidade, àquilo que os enfermeiros especialistas já fazem no mundo inteiro. Na verdade, os enfermeiros já fazem 60% dos partos normais dentro do SNS. É um passo muito bom, sobretudo para as pessoas, porque, de facto, estas medidas permitem reduzir o número de médicos obstetras à semelhança daquilo que é a melhor evidência no mundo inteiro. Portugal estava a ficar para trás, com piores cuidados prestados na saúde materna, e não faz sentido quando hoje em dia os profissionais de saúde trabalham em complementaridade para que toda a gente possa ter acesso aos melhores cuidados de saúde", refere a bastonária.
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O próximo passo deve ser a criação de centros de parto normal, uma ideia que já foi defendida pela Ordem no ano passado.
"A Ordem já propôs, no ano passado, a criação dos centros de parto normal - é até uma recomendação da Organização Mundial de Saúde já há muitos anos - e, portanto, eu penso que este é o caminho para podermos implementar na sua plenitude. [A criação] de centros de parto normal não significa construir edifícios novos. Os centros de parto normal são meramente uma nova organização dentro dos serviços de obstetrícia que já existem e que permitirá aos enfermeiros exercer estas competências que já exercem no mundo inteiro e para as quais estão absolutamente qualificados", assinala.
Já Nuno Clode, presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno Fetal, explica à TSF que esta norma vem clarificar o que já é feito nas grandes maternidades.
"A ideia desta norma é, no fundo, atualizar e regular aquilo que é prática. Nas grandes maternidades da região de Lisboa já há muito tempo que os enfermeiros fazem isto, portanto, vem clarificar as funções de cada um e facilitar que os diversos serviços possam implementar esta norma que pode ajudar a resolver esta crise que atravessamos", afirma.
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Nuno Clode lembra que não faltam apenas médicos, mas também enfermeiros especialistas.
"A verdade é que também se sente a falta de enfermeiros especialistas em obstetrícia e, portanto, não sei até que ponto é que isto vai resolver a situação, nem se vai melhorá-la, mas a verdade é que vai clarificar as soluções de cada um nas salas de parto, em todas as maternidades do Serviço Nacional de Saúde", sublinha, acrescentando que os enfermeiros "são perfeitamente capazes de orientar as grávidas de baixo risco durante o trabalho de parto".
Sara do Vale, presidente da Associação Portuguesa dos Direitos das Mulheres na Gravidez e no Parto, concorda com esta medida, mas lamenta que a associação não tenha sido ouvida.
"Uma das questões que já dirigimos à DGS é precisamente o porquê de a sociedade civil não ter sido ouvida nem consultada nestas recomendações, porque é muito importante ter as mulheres sentadas à mesa das decisões, com as suas vivências, com as suas preocupações, além daquilo que os profissionais de saúde consideram aquilo que é seguro e fazível nos serviços", afirma.
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A orientação da DGS clarifica quem faz o quê nos partos de baixo risco e naqueles que exigem maior vigilância. Assim, o enfermeiro passa a poder internar uma grávida em trabalho de parto de baixo risco e será, preferencialmente, o responsável pelo parto. O médico, obstetra, anestesista ou pediatra, só é chamado se a situação for mais complexa. Por exemplo, em caso de cesariana, se forem gémeos ou se o bebé estiver em posição contrária à habitual.
O JN adianta que a norma resulta de uma orientação da comissão liderada por Diogo Ayres de Campos, que estudou soluções para as urgências de Obstetrícia e Ginecologia. Ouvido pelo JN, o médico admite que tem dúvidas que esta orientação ajude a aliviar as equipas médicas, porque elas já estão muito reduzidas, mas permitirá rentabilizar os recursos humanos, numa altura em que faltam médicos especialistas em muitos hospitais.
O jornal acrescenta que 80% dos partos são de baixo risco, ou seja, podem ser feitos apenas por enfermeiros especialistas.
* Notícia atualizada às 12h10