"Passado." O que Marcelo viu de errado no caso Galamba e como isso "não passou, nunca passa"
Corpo do artigo
A divisão entre "passado" e "futuro" do discurso do Presidente da República foi assumida pelo próprio logo nos primeiros segundos da mensagem ao país. Eram 20h02 quando Marcelo Rebelo de Sousa arrancou com os avisos: o poder político tem de fazer "mais e melhor", a autoridade para existir "tem de ser responsável" e responsabilidade "é mais do que pedir desculpa".
Que entende que o ministro das Infraestruturas, João Galamba, devia ter sido exonerado não é novidade - apesar de o ter sublinhado -, mas Marcelo Rebelo de Sousa foi, esta noite, mais longe nas críticas ao Governo.
Começou pela economia, que tem apresentado "alguns grandes números". Reconhecendo que são "muito positivos", avisou que "não chegaram à vida dos portugueses" e que estes "esperam e precisam de mais e melhor, de um poder político que resolva mais e melhor os seus problemas". Mas para isto, defendeu, são precisas cinco coisas que serviram de base ao resto do discurso: "Capacidade, confiabilidade, credibilidade, respeitabilidade e autoridade."
"Onde não há responsabilidade, não há autoridade"
Foi no último destes requisitos governativos que Marcelo viu um primeiro problema. É que, a autoridade, para existir e para ser "confiável, credível e respeitada tem de ser responsável". Ou seja, completou invertendo, "onde não há responsabilidade, na política como na administração, não há autoridade, respeito, confiança, credibilidade".
Galamba estava prestes a entrar no discurso, mas antes o Presidente da República aproveitou para avisar que um governante tem de saber que, ao aceitar sê-lo, "aceita ser responsável pelo que faz e não faz", mas também "pelo que fazem e não fazem aqueles que escolhe e nos quais é suposto mandar". Que é como quem diz, neste caso, o ex-adjunto Frederico Pinheiro.
Chegava a pergunta do milhão de euros: "Como pode um ministro não ser responsável por um colaborador que escolhera manter na sua equipa mais próxima, no seu gabinete, a acompanhar, ainda que para efeitos de informação, um dossiê tão sensível como o da TAP?"
E como pode, acrescentou ainda, esse colaborador "merecer tanta confiança que podia assistir a reuniões privadas, preparando outras reuniões, essas públicas, na Assembleia da República?"
Mais uma pergunta, e entraram em cena as declarações de Costa nos últimos dias: "Como pode esse ministro não ser responsável por situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis - as palavras não são minhas - suscitadas por esse colaborador, levando a apelar aos serviços mais sensíveis da proteção da segurança nacional, que aliás por definição estão ao serviço do Estado e não de governos?"
16277245
Marcelo quis saber ainda, mencionando a conferência de imprensa de João Galamba no último sábado em que o ministro contou a sua versão da história, "como pode esse ministro não ser responsável por argumentar em público sobre aquilo que afirmara o seu subordinado", incluindo "referências a outros membros do Governo", como o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro e a ministra da Justiça.
16265572
"Não passou, nunca passa"
Expostas as dúvidas do Presidente da República, chegava o aviso maior: tudo isto "não se resolve apenas pedindo desculpa pelo sucedido".
A responsabilidade, avisou, "é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer, é pagar por aquilo que se faz ou deixou de fazer" e "não se afasta por razões de consciência pessoal de quem aprecia essa responsabilidade, por muito respeitáveis que sejam. É uma realidade objetiva, implica olhar para os custos" do que aconteceu.
Furava, assim, a tentativa de "olhar para o céu" de António Costa, que esta quarta-feira, confrontado com o assunto, disse que as decisões de terça-feira - de manter Galamba - ficavam para trás nesse dia. Marcelo respondeu hoje: "Não passou, nunca passa, reaparece todos os dias, todos os meses, todos os anos."
16285712
"Foi sempre possível acertar agulhas, desta vez não. Foi pena"
E o que se retira de tudo isto? O que Marcelo já tinha feito saber em comunicado: "O ministro das infraestruturas devia ter sido exonerado." Mas desta vez com mais detalhes: porque a responsabilidade "tem de existir para que os portugueses se não convençam de que ninguém responde por nada, nem manda em nada", ou que acabam por só responder, "eventualmente, os mais pequenos".
O discurso sobre o passado virou-se, por fim, para o primeiro-ministro, com quem o Presidente da República diz ter acontecido "uma divergência de fundo", embora, garante, esta não seja "sobre a pessoa, qualidades pessoais ou desempenho".
O problema, agora, é uma realidade que diz ser "muitíssimo mais importante: a da responsabilidade, confiabilidade, credibilidade, autoridade do ministro, Governo e Estado".
E se, no passado, "foi sempre possível acertar agulhas, desta vez não. Foi pena", lamentou. E Marcelo garante que essa impossibilidade não nasceu de "razões pessoais ou disputa entre cargos".
Foi, sim, "por razões de interesse nacional".
