Patriarca de Lisboa revela que sacerdotes suspensos poderão vir a retomar funções
A decisão final pertence a Roma, mas Manuel Clemente aponta para a reintegração em funções de sacerdotes alvo de denúncias por abusos sexuais.
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Três dos quatro sacerdotes suspensos pelo Patriarcado de Lisboa podem vir a retomar as funções sacerdotais na totalidade. A revelação é feita pelo cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, este sábado, em entrevista à agência Ecclesia.
Foram quatro os sacerdotes suspensos, em março, na sequência das informações enviadas à Igreja pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica. A decisão final do destino destes padres cabe a Roma, mas o cardeal-patriarca revela que tudo indica que pelo menos três destes sacerdotes voltem totalmente às funções e que um quarto fique em regime parcial.
"Os processos que decorreram em Lisboa, de acordo com aquilo que nos foi indicado pela Comissão Diocesana para a Proteção de Menores (...), andaram por diante, no que diz respeito às investigações prévias. Só não estão concluídos porque tudo isto agora tem de ir para Roma. Tem de ser tudo entregue ao dicastério - como já está a ser - e depois é esperar pela decisão final", explicou Manuel Clemente.
"Em relação a quatro processos, em três há indicação para que as pessoas assumam plenamente as funções que tinham. No outro caso, talvez assuma parcialmente as funções que tinha", revelou.
Manuel Clemente espera sucessor nomeado até setembro
O cardeal-patriarca de Lisboa disse também que apresentou a sua renúncia do cargo ao Papa após a morte de Daniel Batalha, bispo auxiliar de Lisboa, em novembro de 2022, esperando que a nomeação do seu sucessor ocorra até setembro.
Manuel Clemente, que completa no domingo 75 anos -- a idade em que se torna obrigatória a apresentação da renúncia ao cargo explicou, nesta entrevista à agência Ecclesia, que "a diocese de Lisboa está num estado em que precisa (...) de ser recomposta na sua equipa episcopal".
"É absolutamente necessário olhar para Lisboa e esse olhar passa, com certeza, por quem tem de reorganizar o serviço episcopal. E não sou eu", acrescentou o patriarca, lembrando que, no Patriarcado, o ano pastoral começa, por norma, a 1 de setembro, pelo que espera que até essa data haja nomeação do seu sucessor, por ser "uma boa altura para recomeçar, também sem demorar muito".
"É preciso alguém que reorganize a vida da diocese, em termos episcopais. E que também proponha ao Papa os seus colaboradores", acrescentou na entrevista à Ecclesia.
Manuel Clemente cumpriu no dia 6 de julho 10 anos à frente do Patriarcado.
Entretanto, a sua substituição a curto prazo levou, no final de maio, um grupo de católicos de Lisboa a enviar uma carta ao Vaticano, defendendo que o próximo patriarca seja "um bispo centrado no essencial" com a "atitude de proximidade e cuidado (...) com todos", em especial os "mais pobres e vulneráveis".
Na carta, os subscritores -- entre os quais o jornalista Jorge Wemans, e o dinamizador da carta que pediu uma investigação independente sobre os abusos no seio da Igreja, Nuno Caiado - defendiam que o novo bispo "seja a imagem do Bom Pastor" e tenha "a atitude de proximidade e cuidado de Jesus Cristo com todos, em especial com os mais pobres e vulneráveis, doentes, excluídos e marginalizados, não a partir de cima, mas envolvendo-os" e que seja "um bispo livre e humilde", com "movimentos de simples pastor e não de príncipe".
Quanto a nomes, vários têm sido apontados publicamente, desde Américo Aguiar (auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023, que será elevado a cardeal em 30 de setembro) a Francisco Senra Coelho (Évora), passando por Virgílio Antunes (Coimbra), Nuno Brás (Funchal) ou Rui Valério (Forças Armadas e de Segurança), mas é sabido que muitas vezes é a surpresa que marca a decisão do Vaticano.
O último ano e meio no Patriarcado não foi fácil para Manuel Clemente, devido às suspeitas de casos de abuso que saltaram para o domínio público e afetaram a sua imagem, nomeadamente um caso ocorrido em 1999, de que o patriarca teria tido conhecimento, opando por não comunicar o caso às autoridades civis e mantendo o padre abusador no ativo.
Clemente assegurou, numa carta aberta, que "desde a primeira hora" deu instruções, no Patriarcado, "para que a Tolerância Zero e a Transparência Total sejam regra conhecida de todos" quanto ao abuso de menores e procurou esclarecer o que "testemunhou" no caso do padre acusado de abuso denunciado em 1999 ao anterior patriarca, José Policarpo, e disse aceitar que "este caso e outros do conhecimento público e que foram tratados no passado, não correspondem aos padrões e recomendações que hoje" todos querem "ver implementados".
A par deste, outros casos de suspeitas de abusos no Patriarcado foram noticiados, tendo, já em março deste ano, sido suspensos do ministério quatro sacerdotes, um dos quais foi, entretanto, autorizado a voltar às suas funções.