"Patrick Laurent" tem 20 anos e vive em Paris. Era Mário quando desapareceu aos 8 anos no interior de Portugal. Gonçalo Waddington aborda o tráfico sexual, a pedofilia, o impacto nas vítimas.
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Gonçalo Waddington despertou para o tema quando viu na televisão a notícia sobre o caso de uma criança vítima de tráfico sexual, no norte de Espanha. Mas só decidiu escrever o filme quando sentiu que tinha "maturidade para isso". Pelo meio, participou em "Alice", o filme de Marco Martins que aborda o desaparecimento de uma criança, na ótica dos pais. Já "Patrick", estreia do ator na realização, é um filme sobre identidades e, sobretudo, sobre o impacto do rapto na vida das vítimas:
"O processo mental, psicológico, físico, de ter de começar a apagar certas memórias, porque essas memórias se tornam dolorosas". Ou seja, uma criança que ficará, após ser raptada, porque é que os pais não a vão buscar: "Se calhar não quiseram, se calhar não puderam; às tantas as pessoas arranjam respostas que são mais fáceis de aceitar porque são mais terminais, digamos assim."
O que foi não volta a ser. No fundo, "as consequências para alguém que viveu com uma nova identidade, e como é que essa pessoa lida com isso quando é confrontada com a sua antiga identidade, uma vez que aparentemente essa pessoa já rejeitou esse passado", afirma o realizador, em entrevista nos estúdios da TSF.
"Patrick", papel do lusodescendente Hugo Fernandes, conta a história de um jovem adulto que vive no meio festas e droga em Paris, com o namorado mais velho. Gere um site de pornografia adolescente, o que o leva a ser preso após uma rusga numa festa. As autoridades descobrem-lhe a verdadeira identidade e Patrick é afinal Mário, raptado, no interior de Portugal, quando era criança. Uma multiplicidade de barreiras espelhadas na ficção de produção internacional (Luís Urbano e Sandro Aguilar, O Som e a Fúria, conceberam o projeto): "barreira da língua, da pátria, a barreira da sexualidade, mas também a barreira familiar". Mas, num ponto em que o filme vai ao encontro da linha de outros sobre o mesmo tema: "o mesmo se passa com a mãe, que teve de aprender a viver sem ele, durante mais dez anos".
Mário tem então a opção de voltar para a casa da mãe e colaborar na investigação do desmantelamento de uma rede de pedofilia. Ao regressar a Portugal, tenta adaptar-se a uma nova realidade, mas é recebido com desconfiança numa família destruída.
"Se alguém te diz que afinal não és este, mas és aquele, isso faz faísca. Ele sabe quem foi, mas viveu oito anos com uma identidade, depois mais 10 anos numa 'Neverland', não muito longe do raptor, que foi um pai e um protetor; e depois, de repente, é devolvido à tua família", afirma Gonçalo Waddington.
Gonçalo Waddington considera que este não é um filme estilo fast food, antes uma refeição cara que merece ser saboreada: "este filme é tipo lampreia, a malta não vai comer todos os dias". Pode ser à bordalesa ou em arroz, "serve para as duas", graceja o realizador.
Waddington confirma o bom momento do cinema português: "Em todos os festivais mundiais, está lá um "tuga." Destaca a Herdade em Cannes, a vitória de Pedro Costa em Locarno, mas também o Technoboss de João Nicolau, entre outros. Os prémios, os elogios nos maiores festivais; só não vale a pena pensar que dá para competir nas salas com os grandes sucessos de super-heróis e blockbusters do género: "seria como eu ir jogar râguebi com os All Blacks! Jogava um minuto, corria um bocadinho ao pé deles; um dos tipos encostava-se a mim devagarinho e a rir-se e lá me espetava ali para a bancada e acabava-se tudo".
Em simultâneo com estreia de "Patrick", a Sony Music irá lançar digitalmente a Banda Sonora da autoria do músico e compositor Bruno Pernadas. Hugo Fernandes com Teresa Sobral, Alba Baptista, Carla Maciel, Adriano Carvalho, entre outros, estão no elenco do primeiro filme de Gonçalo Waddington realizador, que estreia em sala, em vários pontos do país, esta quinta-feira.