A 'Gerigonça' foi boa para o país, mas Jerónimo de Sousa deixa claro que o PCP foi e será oposição. No discurso inicial do XXI Congresso do PCP, o líder comunista garante que realização do evento é prova de que partido não é egoísta.
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Foi um pavilhão (meio) cheio, devido aos tempos que se vivem e ao obrigatório distanciamento social, que Jerónimo de Sousa abriu o XXI Congresso do PCP. Contra tudo e contra todos, os comunistas reúnem-se entre sexta-feira e domingo no pavilhão Paz e Amizade, em Loures, um dia depois do Orçamento do Estado aprovado com a abstenção do PCP.
O tema era inevitável e as justificações também. A "persistência" do PCP permitiu inscrever na versão final do Orçamento do Estado para 2021 "medidas que terão tradução concreta na vida dos trabalhadores e do povo" e e "importantes propostas e soluções".
Aliás, foram as "opções do PS" que travaram um documento melhor. Jerónimo de Sousa diz que ficaram por aprovar "medidas essenciais" que se impunham e que foram recusadas pela "convergência entre PS e PSD". A abstenção serviu, portanto, para garantir medidas que os comunistas consideram fundamentais, mas também para marcar um "distanciamento face a opções e critérios que o Governo assume num Orçamento que é da sua responsabilidade".
Perto, mas não demasiado. É assim que o PCP quer continuar na relação com o PS. "O PCP não é agora, como não foi na legislatura que findou, Governo ou parte de uma alegada maioria, mas sim força de oposição a tudo o que contrai ou faça retroceder os interesses e direitos dos trabalhadores e do povo", assegura o líder comunista.
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'Geringonça' não foi em vão
Após quatro anos de "Geringonça" e depois de dois Orçamentos de Estado já aprovados sem esta solução governativa à esquerda, o PCP não esquece um tempo que "não foi percorrido em vão". "Fizeram-se dogmas e confirmaram-se teses e razões reiteradamente sublinhadas pelo PCP", afirma o líder comunista, enquanto relembra um período em que houve "defesa, reposição e conquista de direitos".
Apesar das conquistas, os comunistas mantiveram "total liberdade e independência política" num quadro político em que "PSD e CDS estavam em minoria" e no qual "PCP e PEV condicionavam decisões e eram determinantes e indispensáveis".
Este período, garante, demonstrou que soluções e políticas que o país precisa "não encontram saída no espartilho das opções de classe do PS e do seu Governo".
"O que se alcançou, sendo limitado, tem significado concreto na vida do povo português e não foi mais longe porque o PS continuou amarrado a opções de classe que limitaram o alcance e extensão da resposta que seria necessária", aponta, recordando que "foi pela mão do PS que se mantiveram opções essenciais da legislação laboral, não recuperação pelo Estado de setores estratégicos que têm estado presentes em décadas de política de direita".
As críticas ao PS continuaram, com Jerónimo de Sousa a alertar que "o PS manteve os seus compromissos de classe com o capital monopolista" e que depois das eleições de 2019 e do fim dos acordos escritos com a esquerda"encontra-se mais liberto para dar expressão sem condicionamento às opções políticas de direita que o caracterizam".
Mas há mais, ressalva, já que "a resposta necessária aos problemas nacionais não é compatível com as opções que têm sido também expressas pelo Governo", já que a "visão e opções que percorrem não inscrevem a necessária valorização dos trabalhadores".
O cenário em cima da mesa não agrada ao PCP e surge a necessidade de "rearrumação das forças" que exige a "denúncia das opções do PS e do Governo e da convergência que, com o beneplácito do Presidente da República se verifica entre PS e PSD em questões essenciais e o combate e confronto com os projetos reacionários que PSD, CDS e os seus sucedâneos têm em curso".
Tudo por uma "ruptura com a política de direita", até porque em tempos de Covid-19 torna-se "mais atual e necessária a política alternativa que o PCP propõe", sendo esta realizável com o "alargamento da influência social, política e eleitoral".
E é em momentos como este, em plena pandemia de Covid-19 que o partido não pode, segundo Jerónimo de Sousa, sucumbir ao egoísmo. "O Congresso de um partido que não se dá ao privilégio e ao egoísmo de se resguardar enquanto centenas de milhares de trabalhadores estarão nos seus locais de trabalho todos os dias, resistindo à intensificação da exploração a pretexto da epidemia e têm de utilizar transportes nas atuais condições", esclareceu o líder comunista.
É uma "prova de responsabilidade" de um partido que "não vira as costas aos problemas, nem se esconde". Jerónimo de Sousa "não aceita a depreciação e desvalorização da atividade política, muito menos nestes tempos que correm" e assegura que o PCP vai demonstrar "mais uma vez que a realização de atividades é compatível com a prevenção da saúde".
A direita, o grande capital e as críticas estendidas ao PS
Jerónimo de Sousa considera que a pandemia da Covid-19 "veio por a nú múltiplas fragilidades e carências dos lares de idosos", por exemplo, mas acusa de esta crise estar a ser "usada pelo grande capital para aumentar a exploração, colocar em causa direitos e atacar liberdades".
Com críticas aos Governos de PSD, CDS e PS, o PCP considera que este veio "revelar e tornar mais nítidos os nossos estrangulamentos, défices e dependências estruturais".
"A política de direita conduziu o Estado e a Administração Pública a uma situação de extrema fragilidade", salvaguarda o líder comunista, frisando que os últimos quatro anos "continuaram caracterizados pela luta entre os que defendem que cabe ao Estado assegurar o pleno direito à Saúde através de um SNS universal, geral e gratuito e aqueles que veem na Saúde uma altamente rentável e cobiçada área de negócio".
"No Governo, tais partidos, promoveram um crónico sub-financiamento que está hoje longe de ser invertido", aponta.
Jerónimo de Sousa acusa também o "grande capital" de estar a usar a pandemia da Covid-19 para "aumentar a exploração, colocar em causa direitos e atacar liberdades".
Dos EUA, que critica por exerceram a "supremacia no campo imperialista e arrastarem os seus aliados para a sua escalada" - e cuja eleição de Joe Biden não coloca em causa, já que "prosseguirá uma política externa que reafirma o objetivo da imposição do domínio hegemónico dos EUA a nível mundial" -, a casos a nível mundial que "conseguem importantes sucessos e vitórias", como é o caso da Síria, Venezuela, Bolívia ou Chile, Jerónimo de Sousa assegura que "o capitalismo não é o sistema terminal da história da Humanidade".
"A construção de uma nova sociedade liberta de todas as formas de exploração e opressão é uma exigência da atualidade e do futuro", ressalva Jerónimo de Sousa, insistindo que "o socialismo é uma necessidade do nosso tempo".
Os olhos postos nas eleições
A pouco tempo de um ano de eleições Presidenciais e Autárquicas, Jerónimo de Sousa traz o tema para a intervenção e fala sobre importantes batalhas.
Sobre as autárquicas, o líder comunista apela a uma "ampla participação unitária" que faça da CDU "o espaço de convergência democrática com uma presença alargada em todos os concelhos do país e ao maior número de freguesias".
É preciso mais comunistas
Com uns últimos anos de "grande intensidade" em que o partido foi posto à "prova", o líder do PCP alerta que é necessário "superar insuficiências". "É essencial alargar o número de quadros a todos os níveis", sendo preciso "desenvolver a formação política e ideológica".
"O recrutamento de novos militantes nos últimos anos foi importante, constitui fonte de renovação e rejuvenescimento, cerca de dois terços dos novos militantes tinham menos de 50 anos, mas não compensou as saídas", refere. "Temos insuficiências, problemas e obstáculos, mas temos a força e convicção e a determinação para os superar. Os trabalhadores e o povo precisam do PCP, a situação exige um PCP mais forte e mais influente", reitera o líder comunista.