Pedro Ferraz da Costa: Iniciativa Liberal e Chega "vão ser barrados pelos poderes instalados"
O Governo socialista está a trabalhar para a sua base eleitoral de apoio e por isso não apoia as camadas sociais mais diferenciadoras, defende o presidente do Fórum para a Competitividade.
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Pedro Ferraz da Costa adianta que o Presidente da República não quer usar o poder de dissolução do parlamento porque Marcelo Rebelo de Sousa tem um olhar legalista da política e pertence a um grupo que não quer deixar crescer novos partidos políticos como o Iniciativa Liberal e o Chega.
Por outro lado, o presidente do Fórum para a Competitividade queixa-se de que é difícil para os empresários lançarem novos projetos porque a carga fiscal e contributiva em Portugal associada ao trabalho pesa mais 20% do que noutros países, como é o caso de Espanha.
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Pedro Ferraz da Costa apresenta-se como "um Liberal na forma de olhar para a vida" e o proibicionismo sempre lhe fez muita impressão e por isso aposta na Cannabis para terapêuticas na medicina da dor crónica. Este é um negócio ligado à empresa farmacêutica IBERFAR, desde o cultivo, à distribuição, passando pela extração e produção. Mas, ainda faltam autorizações legais de comercialização que vem chegar "até ao final do ano".
Pedro Ferraz da Costa licenciou-se em Finanças e foi o segundo presidente da CIP - aonde chegou aos 34 anos e cuja liderança de duas décadas mereceu há dias uma condecoração de Marcelo Rebelo de Sousa. Desde 2008 presidente do Fórum para a Competitividade, tem sido uma voz crítica das políticas orçamentais e das debilidades da economia portuguesa. Ao leme da Ferraz Lynce/Iberfar, grupo familiar da área farmacêutica, lançou-se agora numa nova área de negócios, a canábis medicinal, área que escolheu para começar a passar a pasta à filha Joana, que está aos comandos da empresa.
Esta passagem de testemunho não é uma passagem à reforma... Continua a estar muito ligado aos negócios, nomeadamente ao da canábis? Foi uma ideia sua?
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Foi ideia minha, sim. Eu sou muito liberal na forma de olhar para a vida e o proibicionismo sempre me fez impressão - com tudo o que gera de crime, fortunas ilícitas e controlo dos governos por forças que não deviam ter essas posições. Aconteceu com o álcool nos EUA. E os americanos, no fim da II Guerra Mundial, aproveitaram a hegemonia alcançada para impor alguns conceitos à Europa, que até foram mais seguidos em Inglaterra... mas através das Nações Unidas o uso de substâncias controladas foi fortemente limitado. É uma posição com a qual não concordo. Mas com o que não concordo de todo é que também fosse proibido fazer investigação científica, médica, com essas substâncias, que sempre achei inconcebível.
Porquê?
Porque há muitos usos médicos de substâncias dessas que são conhecidos e ganhavam em ser aprofundados, podendo vir a constituir soluções terapêuticas importantes.
Para uso médico ou também recreativo?
Foi o uso médico que me chamou a atenção. Quando vi que na Califórnia iam começar a ser autorizados ensaios clínicos com derivados de canábis, antes de se começar a discussão do uso recreativo ou medicinal qualificado como tal, fiquei logo atento. E passado algum tempo, Portugal deu dois passos decisivos. O primeiro foi a nossa experiência em termos de política criminal, a despenalização das drogas, que correu muito bem, sendo o país até considerado um exemplo em quase toda a Europa. E depois a legislação do Infarmed, que veio consagrar a possibilidade de plantar e usar canábis para fins medicinais. Fomos então montando a operação, com conhecimento desde a produção à experimentação clínica e distribuição, com os meios da casa, sem investimentos disparatados como muitos que têm sido feitos, sem subsídios e controlando o processo todo, com grande esperança de ter sucesso. Não olhamos isto como o ouro da Califórnia, como muitas outras empresas - é surpreendente a quantidade de empresas que já tiveram subsídios para isto sem terem qualquer tradição no setor ou conhecimento... vai ser dinheiro deitado ao lixo.
Que dificuldades tem sentido na afirmação desta nova área de negócio? As licenças?
Portugal é o que é. É um país complicado em termos de autorizações e regulamentos, já se sabe. Mas também é um país onde, se se cumprir as regras e tiver boa reputação, de seriedade na atividade, as coisas se fazem. O Infarmed olha para este setor com muita desconfiança - e entendo perfeitamente. A situação também é muito incerta na Europa toda, porque há muitos regulamentos antigos; cada país tinha a sua relação com a canábis. Não esqueçamos que lá para 1900 qualquer viajante levava as suas doses de morfina e outras substâncias na mala, porque se vendiam livremente. É relativamente recente o proibicionismo. E nessa altura, embora fosse fácil de aceder, não havia os problemas de drogas e overdoses e demais questões que foram em grande parte geradas pelo mundo do crime que prospera com o proibicionismo.
Mas quando prevê que esta área possa começar a vender?
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Em princípio teremos autorização de comercialização no fim do ano ou em janeiro. Já fizemos a extração dos princípios ativos, a fabricação secundária, estamos agora a fazer ensaios de estabilidade que temos de apresentar ao Infarmed para mostrar que os produtos são estáveis no tempo, recorrendo a técnicos avalizados. O que não é o mesmo que autorização de entrada no mercado do medicamento. É apenas para o mercado aceite ao abrigo das terapêuticas à base de plantas medicinais. Depois, com essa possibilidade e usando um conjunto de contactos com a classe médica, que temos vindo a desenvolver, vamos fazer estudos observacionais para medir os efeitos com mais rigor - há muitos médicos interessados, mas não têm informação suficiente, logo não têm confiança na utilização. Vamos centrar essas guidelines de uso na dor: espástica, oncológica, crónica, esse campo onde infelizmente há muitos casos e será possível recolher informação para depois termos a autorização para aceder ao mercado do medicamento. E então poderemos aceder ao mercado europeu.
Já tem planos traçados?
Na altura veremos como faremos, mas claro que já andamos a estudar o tema. O mercado francês, o inglês e o alemão são muito importantes, representarão uns 80% do mercado europeu. E pode ser uma boa atividade para nós - e muito importante para o país, porque pode haver volumes significativos de produção. Temos uma dificuldade que assumimos de início, que é não termos garantias de ter patentes para proteger a propriedade intelectual que vamos gerar. Mas se não conseguirmos ter patentes, que seja a bem da humanidade e que daqui saia algo de bom.
O último relatório de monitorização do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) revela que os pagamentos estão em 1720 milhões, o que representa 10% do total, e as aprovações de investimento ascendem a 12 740 milhões, 77% do total contratualizado com a União Europeia (UE). É o que esperava do PRR?
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É, já não tenho idade para ter ilusões. O programa a médio prazo que foi apresentado há um par de anos era muito fraquinho, ilusório, desconjuntado e muito pouco reformista. O primeiro-ministro, António Costa, gostava de chegar a um Portugal novo de que toda a gente gostasse sem mudar nada do antigo. Isso não é possível. E o PRR foi feito para não mudar nada de substancial - e nesse caso também não resolve nada de substancial. E está a vir ao de cima o que se previa: a máquina do Estado - isso agravou-se muito em pandemia - entrou em hibernação e é difícil pôr as coisas a funcionar. Já havia sérios problemas de execução no quadro comunitário anterior. Temos projetos do PT2020 ainda por utilizar. E cada vez há mais dinheiro. Se a utilização não for grande coisa, não vai sair dali nada de bom. A tese do governo é que dando dinheiro à construção isso vai parar à economia, faz subir o PIB, e isso tem acontecido a um nível baixinho. A economia tem estado a ser puxada principalmente pelo turismo - que não sei como resistirá a estas machadadas de tentar acabar com o Alojamento Local (AL)... Houve muita gente que voltou à atividade económica nessas áreas e que contribuiu para estes crescimentos - estamos com dados no turismo superiores a 2019 e agora é isto... E depois há uma falta de pessoal que é assustadora.
A falta de pessoas é um problema grave...
O sistema legislativo trata cada vez melhor os que não querem trabalhar e cada vez pior os que trabalham e isso faz que, evidentemente, as pessoas - principalmente em profissões pouco qualificadas - achem que trabalhar não compensa. Se tiver de entrar num comboio sobrelotado todas as manhãs para ir para um emprego onde ganha pouco mais do que o salário mínimo nacional ou em alternativa puder receber rendimento de inserção, a escolha individual lógica é não trabalhar. Portanto estamos a usar trabalhadores que vêm de outras paragens, de que precisamos, mas que têm dificuldade em entender a língua e quase incapacidade de comunicar por escrito - o que inviabiliza os mínimos de reporting -, com enorme dificuldade de comunicar com os colegas também.
Deixe-me regressar ao PRR, cujos grandes beneficiários líquidos são entidades públicas... O setor privado está de forma indireta a ser ajudado ou isso não se sente?
Vai sentir-se fundamentalmente quando a construção arrancar em pleno, o que ainda não aconteceu. Há aí também muitas dificuldades de admissão de pessoal. O problema é fundamentalmente a falta de mão-de-obra e era relativamente evidente, tendo nós uma taxa de natalidade em queda há anos. Aliás, é paradoxal que uma parte tão grande dos políticos ache que o Estado tem um dever de orientação da economia e ao mesmo tempo não haja quem faça planeamento à atividade. É extraordinário comparar as orientações que hoje não existem com as orientações claras que havia antes do 25 de abril, no IV Plano de Fomento: toda a gente sabia o que se ia fazer em portos, aeroportos, hotelaria, educação, novas atividades. Havia programação e isso era um importante referencial para a economia. Hoje não existe. E não é só Portugal, toda a UE está assim. A UE tem como objetivo ser a economia mais regulamentada do mundo e isso o que vai dar a ser a menos dinâmica e menos inovadora e a que mais se vai atrasar. Durante alguns anos, independentemente do que fazíamos, éramos arrastados pela economia espanhola, mas Espanha também está a andar mal, portanto o sul da Europa está todo numa situação muito difícil.
O Banco de Fomento é um protagonista da ligação do PRR às empresas. Como vê a sua atuação?
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Uma parte do setor financeiro nunca quis que houvesse Banco de Fomento, e uma parte dos dirigentes políticos também, por recear que uma política muito voluntarista nesta área viesse originar projetos apadrinhados politicamente, corrupção e muitos prejuízos futuros - foi o que tivemos no BES, na CGD... Não se arranjou uma fábrica de problemas, nem se arranjou coisa nenhuma, durante anos. As decisões acabam por ser tomadas por pessoas com pouca consciência do que estão a fazer. Não era possível angariar pessoas para tomar atividade e exercerem funções num banco que todos olhavam com desconfiança e que viria a constituir um risco para a sua carreira - se corresse mal não era uma linha bonita no currículo -, isso tudo pagando ao nível da função pública. Que nos últimos anos tem tido as funções de chefia a perder remuneração líquida. Neste momento há uma equipa e a dr.ª Celeste Hagatong é indiscutivelmente conhecedora do assunto. Portanto esperamos que se consiga bons resultados - também esperávamos isso há cinco anos e tudo isto se tem atrasado inexplicavelmente.
Como vê a evolução da inflação? Acredita no objetivo do Banco Central Europeu (BCE) de trabalhar para a taxa de 2% em 2025?
Eu diria que trabalham para não chegar aos 2%. A Fed nos EUA tomou uma atitude mais precoce e ousada e está a ter resultados. Nós queremos fazer uma coisa e o seu contrário ao mesmo tempo. Isso não resulta. Ou retiramos poder de compra e os preços deixam de subir e até baixam ou não se vai controlar a inflação. Até porque há uma insegurança brutal hoje, em duas partes. Uma é a dos bens alimentares: a Rússia vai tornar este mercado dos cereais muito mais difícil e atrás dos cereais vêm frangos, ovos, bovinos, porque muita da produção alimentar está baseada em cereais. A outra componente imprevisível é a energia: são objetivos utópicos de descarbonização associados a anos de perseguição à indústria petrolífera, que fizeram que ela se concentrasse em áreas geopolíticas que não estão de todo em grande acordo com o que gostaríamos na UE. Os EUA são energeticamente independentes, mas na Europa isso vai ser um problema complicado - o petróleo está de novo cima dos 80 dólares...
E a caixa de ferramentas do BCE para estancar a inflação, que se baseia na subida das taxas de juro, é suficiente?
Eu não sei é se a subida feita é suficiente. É evidente que todos trememos com as consequências que tem sobre as prestações da habitação e o crédito no geral... Foi muito leviana a política seguida. Os bancos centrais e os governos quiseram dar, estes anos todos, boas notícias. Lembro-me de ter levantado essa preocupação em conversas com vários responsáveis e de me ter sido dito com grande lata que "o paradigma mudou e já podemos viver com taxas negativas". O resultado está aí.
E como é que as empresas podem combater a inflação, estando a economia portuguesa suportada em crédito?
A maioria das empresas não são price makers, são price takers, reagem ao aumento do custo dos inputs. Os hipermercados compram ao preço que podem e vendem ao que devem para não pôr em causa a sua atividade. Pode haver muita conversa política à volta disso e dizer-se que têm muitos lucros, mas estamos muito integrados com a Península Ibérica nessa área. E pode dizer-se que o setor não é suficientemente concorrencial, mas vemos o Continente, o Pingo Doce, a Mercadona, o Lidl e mais uns quantos e é claro que há concorrência. E nenhum quer perder vendas, portanto se não vendem mais barato é porque não podem. A política inflacionista e a comunicação no geral têm ido no sentido de que os preços vão baixar; já não era mau se não continuassem a subir. Ninguém esteja muito à espera que os preços voltem ao que eram antes.
Até porque há desfasamento entre tempo da produção e venda...
E porque os custos são o que são, e depois toda a gente se acomoda a eles. E as empresas também aumentaram salários e vão reequipar-se voltadas para o futuro, com mais automação, etc.
Este IVA zero terá consequências na economia ou é propaganda?
As sociedades ocidentais habituaram-se a viver com taxas de poupança muito baixas, o que torna as pessoas muito vulneráveis a qualquer variação nos componentes das suas despesas mensais. Houve muita aquisição de habitação a preços altos... e eu nunca encontrei quem me soubesse dizer que taxa de juros pagava no seu crédito. As pessoas metem-se nisso - a decisão talvez mais importante das suas vidas - num desconhecimento total de quanto custa a prestação e sem simular quanto será se o juro em vez de zero for 2% ou 4% ou 6%.
Não há literacia financeira...
Não há. E por outro lado não há vontade de pensar nisso, porque temos tendência, nos países latinos - se calhar faz parte da nossa atração -, para pensar que "alguma coisa se resolverá" e "pode ser que não seja tão mau". É uma atitude um bocado ligeira... mas até agora têm acertado - não há dúvida que estes 40 ou 50 anos deram razão a quem não se quis preocupar muito. Agora estamos com medo que o futuro não venha a ser cada vez melhor... e se calhar os nossos filhos e netos vão viver menos bem do que nós. É um problema de consciência individual: alguns não querem saber, outros estão preocupados. Mas voltando à pergunta: essas questões tomaram importância política e eleitoral que não tinham há umas dezenas de anos. Os governos vivem para ganhar eleições e selecionam objetivos com esse fim. E fogem a reformas para não perder eleições. É assim que vivemos, por isso acho difícil saber que acontecerá no IVA.
Olhemos então para trás. Em 1980, era presidente da CIP e acusava o então Conselho da Revolução de impedir o acesso da iniciativa privada a todos os setores, o que dizia ser o maior obstáculo ao desenvolvimento económico do país. Ainda subsistem Conselhos da Revolução na política económica de Portugal?
Continua a haver barreiras - de forma difusa mas há. Eu trabalho desde 1964 e a generalidade dos funcionários e das repartições públicas ligadas ao licenciamento sente-se investida numa tarefa patriótica de tentar evitar que as empresas se apossem de coisas que não deviam. E fazem-no da maneira mais fácil, que é atrasando as decisões.
Mas há coisas nas quais as empresas não deviam entrar?
Eu não encontro situações substancialmente diferentes... Nas relações entre governos e fabricantes de material militar nos EUA ou em França, sendo um muito liberal e o outro muito controlado e ambos, naturalmente, muito observados pelos governos, não há grande diferença. Cá não se podia ter o setor privado no armamento e havia coisas importantes a fazer na área da metalomecânica, mas o Estado também não fez. Ninguém faz. Ou seja, hoje estamos dependentes da importação e se viermos a assistir, como é natural que venhamos, a um aumento do investimento militar da UE, há um conjunto de compensações económicas que um conjunto de países terá e nós não. Porque uma coisa é ter atividade a um nível inferior ao que podia ter e outra mais grave é acabar com tudo. Eu nunca vi nada nascer do zero. Pode estar a 20 e subir a 25 ou descer a 15, mas quando chega a zero, acabou. E nós temos morto atividades consecutivamente. A pesca longínqua é exemplo disso. A reparação naval, os estaleiros com alguma dimensão - exceto aquele caso extraordinário de Viana do Castelo - foram coisas com que fomos acabando. Essa indústria naval está muito perto da área militar e também de uma das nossas maiores necessidades, que vai ser patrulhar uma área marítima muito grande. Aliás, é sintomático do balofo dos objetivos que nos são apresentados sistematicamente pelos governantes, que há tantos anos se fale do potencial do mar e não se veja nada avançar. Não sei como é que não têm vergonha de ainda nos vir falar do mar! E temos uma marinha no estado que vemos, que é impensável - como é que nós, quando tínhamos a guerra em África, tínhamos fragatas consagradas a Angola e Moçambique, outras nas forças da NATO, fazíamos a manutenção disso tudo e tudo funcionava impecavelmente. E agora não conseguimos pôr um patrulha a funcionar com os depósitos cheios...
O Arsenal do Alfeite quase foi desmantelado...
Mas ficaram lá os funcionários, que aquilo sempre foi uma coutada do PCP, continuamos a ter coisas dessas por toda a parte. Eu fiz o serviço militar na Marinha e já nessa altura o Alfeite era assim, isto nos anos 70. Esta nossa capacidade de não resolver e ir empurrando todos os problemas com a barriga, faz-nos perder oportunidades. Isto que vou dizer não está na alínea da avaliação do 25 de Abril, mas as pessoas dizem que as coisas estão melhor. E é verdade. Mas caíram cá 150 mil milhões de recursos comunitários. Nós percebemos nas entrelinhas que o governo está muito preocupado com a abertura da UE à reconstrução da Ucrânia e entrada posterior na União, e percebe-se, porque vamos ter certamente uma redução muito forte dos financiamentos. Como tivemos há uns anos quando os países do Centro e do Leste entraram: tivemos um movimento negativo brutal na indústria, porque boa parte da subcontratação passou para o Leste. A República Checa é hoje um dos grandes centros da produção automóvel. Isso era das coisas que podiam estar na Península Ibérica - e estava. Mas nós só reparamos no que acontece e vemos pouco o que devia acontecer e não acontece. Veja: não há um objetivo de eletrificação para a fábrica da Autoeuropa porque não olham para nós como zona de desenvolvimento potencial. Será porque ainda não se conformaram com o facto de não termos facilitado a ligação ao Porto de Setúbal com que nos tínhamos comprometido? Por isso, estamos cada vez mais perto da Florida e mais longe da Califórnia, em termos de futuro.
Quase 50 anos depois do 25 de Abril ainda há vestígios do PREC nas decisões de política económica? O pacote Mais Habitação podia ter sido feito em 1975?
E foi feito, mas em 1975 foi sem pacote - conheço muita gente que de um dia para o outro ficou sem casa e há pessoas que ainda agora estão a receber terras que foram arrendadas compulsivamente no tempo da AD.
E como vê este pacote e o seu impacto no setor imobiliário?
Espero que as pessoas não leiam jornais.
Mas é possível que seja implementado?
Os indicadores de atividade do setor da construção mostram já uma mudança a partir de fevereiro. É evidente que as pessoas param para ver o que vai acontecer e como vai ser regulamentado. E o governo já veio temperar - criando, ou dizendo que o faria, alterações no sentido de apressar os despejos... Mas quem é que quer comprar uma casa para rendimento e sujeitar-se a que o inquilino fique anos sem pagar? Há quem seja profissional disso...
E há investimento que foge, com o fim dos vistos gold, do Alojamento Local...
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Com certeza... Há uma parte importante de eleitores ou de quem os procura que continua com o objetivo de ter aqui não uma sociedade sem classes mas com muito pequenos níveis de diferenciação salarial. É onde estamos a chegar e é evidente que os mais habilitados e dinâmicos, os que queiram trabalhar para o seu futuro, pegam nas malas e vão embora. E isso indiretamente afeta as empresas. Não só pela falta de mão-de-obra. Também porque em Portugal nós temos de pagar mais 20% para as pessoas terem o mesmo salário líquido do que se trabalhassem em Espanha. Temos um mercado menor, taxas de juro mais altas, impostos mais elevados... porquê? O que acontece é que as empresas têm grande dificuldade em lançar novos projetos. Eu sinto isso nas minhas atividades, até nas mais modernas e voltadas para o futuro. As pessoas têm dúvidas quanto ao desenvolvimento futuro do país. Quando são novas, pensam muito mais, preocupam-se mais com o que acham que vai acontecer daí a dez anos do que com o que têm agora, por isso às vezes até vão para países onde a vantagem económica nem é tão grande assim, porque têm custos de vida muito altos, mas onde veem oportunidades de carreira. É isso que temos estado a cortar e acho que enquanto tivermos um governo do PS não vai ser diferente.
Porquê?
Este governo quer agradar aos que podem votar neles. E os mais diferenciados não vão votar neles, portanto não tem interesse em ajudar as pessoas mais diferenciadas.
O Presidente da República (PR) já devia ter agido para afastar o governo?
Não sei se o Presidente tem poder para tal.
É o único que tem, sendo uma maioria absoluta.
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Não sei se tem poder de facto. Ou se quer. Porque ele também olha para a sociedade através dos óculos de professor da Faculdade de Direito e com uma certa convicção de que a vida coletiva se faz através das leis e que se programa a prazo como se nada mudasse. Faz-me impressão como o PR apresenta análises para o que pode acontecer a cinco ou dez anos, tomando por base os mesmos protagonistas e posições relativas. A vida não é assim, as coisas evoluem. Nós temos neste momento na vida política portuguesa duas forças que vão ser barradas pelos que já estão instalados - já se sabe que é assim.
Quais?
A Iniciativa Liberal e o Chega, que são quem dá, neste momento, alguma vontade forte de querer mudar coisas. Os outros dão ideia de que só querem conservar o que existe. E eu acho que nós precisamos muito de mudar muitos aspetos.
O que se tem visto na CPI à gestão da TAP tem sido para si revelador de como se processa a relação do Estado acionista com os gestores?
Só não tem sido revelador porque eu acho que é assim desde 1974.
As empresas públicas são portas giratórias para os políticos ou para os interesses da política?
Nem pode ser de outra maneira. Há vários exemplos disso. Alguns positivos são os países escandinavos, que venderam muitas organizações do Estado criando concorrência e isso significou um encaixe de dinheiro apreciável para os países e situações mais competitivas e mais inovadoras. A Nokia, por exemplo, mas há imensos. Nós aqui não temos nem um. E depois há outra coisa que pode acontecer, que é ser criada uma instituição tipo Parpública ou IPE, que toma conta desse setor e atua de forma relativamente independente em relação ao resto do governo. É sempre difícil... França tem uma posição semelhante e isso ou dá origem a uma guerra de instituições com os respetivos ministérios das Finanças ou se sujeitam e aquilo acaba por ser um instrumento da política governamental - com todos os inconvenientes e vantagens que isso tem. Portanto, aqui dificilmente teremos coisa diferente do que temos. E o que temos sobretudo é uma grande vontade de não ter empresas privadas acima de determinada dimensão.
Apesar de dizermos que queremos...
E é mau. É evidente - e a central de balanços do Banco de Portugal mostra-o todos os anos - que as empresas maiores são mais produtivas, têm mais valor acrescentado, são mais inovadoras... não estamos a dizer mal das outras, é uma questão lógica, podem fazê-lo porque têm essa dimensão. E depois crescer em Portugal é muito difícil porque transmitir património por herança ou fazer fusões com outras empresas em termos fiscais é muito complicado e penalizador. Na Alemanha, as empresas de dimensão média têm um peso decisivo e há milhares de organizações e consultores para tratar de problemas sucessórios, portanto eles não perdem capital produtivo. Nós temos empresas ótimas que se o filho não estiver preparado destrói aquilo em cinco anos. Não é fácil construir parcerias ou fusões. E nós devíamos trabalhar intensamente nisso porque temos uma dimensão média de empresas baixíssima e isso é um enorme inconveniente. Não é culpa dos empresários ou de quem lá trabalha, é uma fatalidade da pequena dimensão.