"Penso sempre que estou aqui a ser eletrificada com estes cabos de alta tensão"
Governo aprovou novas regras, contestadas, para linhas de alta e muito alta tensão. Conheça a história de um bairro onde os moradores vivem assustados com tantas mortes por cancro.
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As linhas de alta e muito alta tensão que já estão em processo de licenciamento podem ser aprovadas sem respeitar a novas regras aprovadas em fevereiro pelo governo.
O alerta é da Associação Nacional de Municípios Portugueses e do Bloco de Esquerda que contestam o novo decreto-lei que define as restrições e níveis de exposição das populações a campos eletromagnéticos porque podem não salvaguardar totalmente a saúde pública. O governo recusa as críticas.
O Decreto-Lei publicado com as novas regras estava previsto há oito anos numa lei e só este ano foi finalmente publicado pelo executivo criando limites para a exposição humana a campos eletromagnéticos criados pelas linhas.
No entanto, o parecer da ANMP a que a TSF teve acesso chumba dois pontos importantes. As novas regras não se aplicam às linhas que já estão em processo de licenciamento e o parecer sublinha ainda que "estranha-se que oito anos depois se aplique a regulamentação de 2004 e não novos níveis".
Para os municípios é também "absolutamente descabido que a nova regulamentação não seja aplicada a todas as novas linhas", algo "essencial" para defender a "saúde pública, ambiente, paisagem e ordenamento do território".
BE diz que não faz sentido usar regras com 25 anos
Por razões semelhantes o Bloco de Esquerda pede a apreciação parlamentar do Decreto-Lei contestando que o governo use um decreto regulamentar de 1992 para definir o afastamento das linhas em relação às estruturas sensíveis.
O BE diz que essas regras "têm mais de 25 anos e não acompanham toda a evolução das últimas duas décadas" nos efeitos sobre as populações.
O partido que apoia o governo no parlamento acrescenta que não faz sentido, para a saúde pública, que o decreto-lei permita construir linhas já licenciadas que violam as novas regras, recordando que a lei de 2010 prevê que até 2023, daqui a 5 anos, todos os equipamentos de alta e muito alta tensão têm de estar de acordo com os novos limites.
Governo sublinha que protege saúde pública
Do lado do governo, o gabinete do Secretário de Estado da Energia defende o Decreto-Lei e sublinha que pela primeira vez define regras previstas há 8 anos que nunca mais eram publicadas, falando mesmo numa "nova ambição para a saúde pública".
O executivo confirma que até 2023 as empresas de energia têm de se adaptar aos limites de exposição humana agora adotados, defendendo que usaram agora o decreto regulamentar de 1992 e o decreto-lei de 2004 porque não há estudos mais recentes.
"Estou aqui a ser eletrificada"
No pequeno Bairro da Encosta de São Marcos, no Cacém, ao lado do IC19, os moradores sabem bem o que é viver rodeado de postes e linhas de alta tensão.
A primeira surgiu na década de 80, a segunda em 2006, apesar dos protestos de quem ali mora que teve promessas mas os postes cresceram mesmo.
A associação de moradores e os moradores com quem a TSF falou nas ruas garantem que por ali o difícil é encontrar quem não tenha morrido de cancro.
Os estudos internacionais sobre os efeitos das linhas de alta e muito alta tensão não são unânimes nas conclusões, mas neste bairro os moradores vivem assustados e falam em "razia".
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Uma lei de 2010 define que todas as linhas que não estão de acordo com as novas regras terão de ser mudadas, algo que o governo reafirma em resposta à TSF.