"Penúria habitacional" na base do aumento de mortes por consumo de água insalubre
Em declarações à TSF, o hidrobiólogo Adriano Bordalo e Sá aponta para a necessidade de melhorar os testes feitos às águas das praias. Já o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública considera que a subida deve-se à melhor recolha dos dados
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"A água continua a ser um potencial veículo de transmissão de doenças": esta é a certeza do hidrobiólogo Adriano Bordalo e Sá, depois de o Jornal de Notícias avançar que, em 2023, morreram 518 pessoas devido a fontes de água insalubres ou a falta de condições de higiene. Os dados citados pelo jornal são do Instituto Nacional de Estatística, que adianta também que o valor quadriplicou desde 2010. Ouvido pela TSF, o especialista começa por ressalvar que a "água da torneira é de boa qualidade", o problema está em outras fontes de água, como poços, fontes ou minas. São alternativas cada vez mais comuns "fruto da pobreza, que também está a aumentar". O hidrobiólogo lembra que a crise na habitação está a empurrar as pessoas para bairros feitos "de barracas".
"É preciso dar particular atenção ao problema e isso só será possível se houver uma ação concertada entre as diferentes autoridades. O problema está identificado, são as más condições de vida, salubridade e de acesso à água, fruto da penúria habitacional que temos em Portugal", remata Adriano Bordalo e Sá, que acrescenta também que "os números vão continuar a aumentar, se nada for feito, pondo em risco não só a população mais vulnerável que vive nestas zonas, como o resto da população".
O hidrobiólogo defende também que devem ser feitas mais campanhas de sensibilização para alertar as pessoas que não devem consumir água dos poços sem que seja testada antes.
Adriano Bordalo e Sá identifica ainda outra questão: os testes insuficientes às águas interiores ou costeiras. "A Agência Portuguesa do Ambiente tem dois indicadores, o Ministério da Saúde identifica dois indicadores, mas os nossos estudos mostram que nem de perto, nem de longe são suficientes, porque há outras bactérias, que podem causar doenças nos humanos, que não estão a ser identificadas", explica.
São bactérias, chamadas víbrios, que, segundo o hidrobiólogo, têm crescido em Portugal, devido ao aumento da temperatura e decréscimo da salinidade do mar. "Durante o verão temos um aumento muito grande destas bactérias, mas como elas não são despistadas por nenhuma das duas autoridades oficiais, a Agência Pública do Ambiente e o Ministério da Saúde, não há dados. Não havendo dados, não se consegue sequer tentar relacionar o número de ocorrências, que não necessariamente de mortes, se bem que algumas destas causam potencialmente mortes, mas com doenças. E, por exemplo, uma pessoa que entra na água e que tenha uma ferida está mais sujeito a ser contaminada por estas bactérias", revela Adriano Bordalo e Sá.
Já Bernardo Gomes, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, também em declarações à TSF, entende que o aumento do número de mortes por fontes de água insalubre ou a falta de condições de higiene pode também ser explicado pelas mudanças na recolha dos dados.
"Portugal fez um investimento muito relevante em termos de saneamento e abastecimento de água e coloca-se numa posição internacional de destaque em termos de segurança, portanto, não há aqui uma mudança de determinantes que faça com que este fenómeno tenha aumentado em termos reais. O que pode acontecer, e de facto parece ser a melhor explicação, é estarmos com uma melhor codificação destas circunstâncias", considera Bernardo Gomes.
Ainda assim, o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública sublinha que é necessário esclarecer algumas questões, como a "distribuição geográfica destes fenómenos, que podem ser explicados pelo consumo de água não controlado". Bernardo Gomes refere que o ideal é que todos possam fazer a "ligação à rede pública, porque a água é sempre segura".
As 518 mortes registadas em 2023, representam um aumento de quase 10% em relação ao ano anterior, enquanto em 2010 tinham sido registadas pouco mais de uma centena de vítimas. Na maioria, as vítimas são mulheres e maiores de 85 anos.