Pesca da lampreia navega na escassez. Especialista defende compra a pescadores para repovoamento
Há casos em que a lampreia está a ser vendida a 100 euros cada uma. Com a redução da pesca nos rios portugueses, há pescadores que já dizem que o passado mês de janeiro foi "o pior de sempre"
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A época da lampreia em 2025 começou marcada pela escassez e preços elevados, a bater em máximos históricos de 100 e 120 euros por exemplar, e com redução do esforço de pesca nos principais rios portugueses: Minho, Lima, Vouga e Mondego. No Minho, os pescadores consideram que o janeiro foi “o pior de sempre”.
O especialista em peixes anádromos, diretor do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) e professor da Universidade de Évora, Pedro Raposo de Almeida, avança com uma explicação: “Alguma coisa está a acontecer no mar. Tem havido cada vez menos retorno de animais. A mortalidade de lampreias no mar do lado de cá do Atlântico aumentou muito nos últimos tempos, provavelmente por causa das alterações globais.” E defende que são necessárias mais medidas, uma delas repovoar os rios com translocação manual de lampreias para zonas de reprodução.
“Uma das coisas que é importante fazer este ano, se for um ano bom, é uma translocação manual [transferência de espécies de uma área para outra], que é, basicamente, comprar as lampreias aos pescadores, e em vez de entrarem no mercado da restauração, serem metidas em viaturas em equipamentos de suporte de vida e levadas para montante, para locais onde elas vão descobrir as zonas de reprodução”, afirma, resumindo: “Na prática, aumentamos o sucesso da migração do animal e depois a reprodução é com elas, que encontrem os parceiros que quiserem e se reproduzam.”
Um dos rios onde está prevista essa ação, no âmbito de um projeto da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra, candidatado a fundos europeus e ainda “à espera de resultado”, é o Mondego.
“Não sei será possível em todos os rios, depende também da colaboração dos pescadores. Se o ano for mau, gostaria de fazer na mesma, porque se calhar ainda é mais premente. O problema é a lampreia a 100 euros e precisamos de fazer isto com umas centenas largas de animais. E nós, MARE e Universidade de Évora, é que vamos ter de arranjar o dinheiro”, comentou.
Em Portugal, vigoram, nesta época, medidas de restrição com vista à recuperação da espécie. No Minho, foram subtraídos 15 dias à faina, que começou a 2 de janeiro e termina a 31 de março. Nos rios Lima, Vouga e Mondego, os pescadores terão menos dez dias para pescar. No caso do Mondego, a restrição afeta apenas a utilização da arte de pesca, botirão, caracterizada por uma bolsa cónica de rede e aros, fixa ao fundo por estacas com panos de rede, que ajudam a encaminhar o peixe no sentido da armadilha.
Com um mês de faina, pescadores e comerciantes intermediários queixam-se da escassez.
“É o pior ano de todos. Não sabemos o porquê, mas temos que trabalhar a ver se isto melhora. Temos mais dois meses. A nossa vida é esta e temos que ir para lá todos os dias a ver se melhora”, lamenta o pescador Noé Guimarães, que chega de mãos vazias com o seu barco “Fuza” ao cais dos pescadores de Caminha. Após cerca de três horas de faina no rio Minho, mais uma vez, não trouxe lampreia.
“Da maneira que isto vai, já estamos em fevereiro e não há melhorias. Foi o pior janeiro de sempre. Foi fraco, fraco. Não há memória de um janeiro assim. No ano passado não foi bom e janeiro nunca é bom, mas como este não há memória”, sublinha.
Segundo Rui Castro, presidente da Associação de Profissionais de Pesca do Rio Minho e Mar, “o janeiro não chegou a cinquenta por cento de pesca, em relação ao ano passado, em termos de quantidades de lampreia”. “Está complicado”, desabafa, referindo que, além de todas as contingências, a atividade dos pescadores no primeiro mês de faina, foi afetada por “três borrascas seguidas”.
“Estamos na esperança que depois deste temporal e com as águas com muito lixo, comece a aparecer alguma lampreia”, disse, afirmando que o preço da lampreia grande começou nos 60 euros e “neste momento ronda os 100”. “Ainda vai aumentar de certeza, porque no fim de fevereiro começam as festas e havendo procura se não houver peixe, a tendência é elevar”, avisa.
Eduardo Ribeiro, comerciante de peixe há 40 anos, ao serviço de uma empresa local, compra lampreias diretamente aos pescadores no cais de Caminha e impacienta-se porque o telefone não para de tocar, com pedidos de restaurantes.
“O problema é que há menos e as pessoas como já estão há muito tempo sem comer, sabe-lhes melhor ser em janeiro, que em fevereiro ou março. Olhe, há um [restaurante] que me está a ligar. Ontem veio aqui buscar duas lampreias, mas queria três e agora está-me a ligar a ver se lhe consigo outra”, barafusta, desabafando: “Há pescadores que vêm sem nada, uma, duas. Marés inteiras sem uma lampreia”, queixa-se, concluindo: “vamos ver se isto normaliza, agora em fevereiro, mas janeiro já passou e não houve nada.”
