Com a época de migração ao chegar ao fim, a lampreia não vai chegar este ano à mesa de muitos apreciadores.
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Em plena época de migração, contam-se pelos dedos das mãos as lampreias e os sáveis que arribam o rio Tejo, deixando os pescadores de redes vazias, situação que está a afetar também o turismo e a restauração na zona de Abrantes e de Mação.
Com a época da desova a ter o seu pico em março/abril, e quase a chegar ao fim, os pescadores na zona de Tramagal (Abrantes) e de Ortiga (Mação) não escondem a preocupação e asseguram que este é o "pior ano de sempre".
Luís Grilo, pescador de Tramagal (Abrantes), com 67 anos e outros tantos ligados ao rio, diz não ter memória de um ano tão mau para a lampreia.
"Não tenho memória de uma coisa assim. Já há muitos anos que não acontecia não apanhar nada e que não haja nenhuma lampreia praticamente no Tejo. Sempre houve muita lampreia, algumas vezes havia menos, mas sempre aparecia alguma, e agora não. Não aparece nada", afirmou.
Mais a montante do Tejo, em Ortiga (Mação), Francisco Pinto, pescador profissional há 35 anos, diz que este ano só apanhou duas lampreias e que já desistiu desta época de migração.
"Este ano foi mesmo bater no fundo e já desisti. Não há memória. Passei 16 noites à pesca da lampreia e não apanhei nada, só consegui duas e foi para baixo do açude [de Abrantes]. Este é o pior ano em 35 anos de pesca profissional", lamentou.
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O investigador Bernardo Quintella justificou a escassez de lampreia no rio Tejo, que afeta pescadores e turismo, com a destruição de habitats, com a falta de água e com a construção de açudes e barragens.
"Nós achamos que um dos principais fatores que contribuiu para haver menos lampreia, de uma forma geral em Portugal, mas também no rio Tejo,tem a ver com a redução sistemática do habitat, com a falta de água e com a construção de açudes e de barragens, que têm vindo a reduzir sistematicamente o habitat disponível para este tipo de espécies", afirmou o cientista ligado ao Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE).
Quintela, também docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, deu ainda conta que "nos últimos 100 anos o rio Tejo perdeu entre 80% a 90% de "habitats", sobretudo, por causa das barragens ou de açudes.
"No Tejo, estamos a falar de uma redução de habitat entre os 80% e os 90% (...) que estava disponível para a lampreia, há 100 anos, e que deixou de estar. É uma redução brutal", notou, tendo apontado ainda a agravante da falta de água no Tejo.
"Tanto a falta de água por causa dos transvases que acontecem em Espanha, como pelas alterações climáticas", numa "conjugação de fatores" que acaba por ter efeitos diretos nefastos nestas espécies, afirmou.
Com a época de migração ao chegar ao fim, a lampreia não vai chegar este ano à mesa de muitos apreciadores, começando pela mesa dos pescadores. "Há barbos. Barbos há muitos", atira Luís Grilo.