PGR chumba proposta da Ordem dos Médicos para regulamentar serviços de urgência

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Ministério da Saúde tinha pedido o parecer o ano passado por entender que a proposta era ilegal.
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O conselho consultivo da Procuradoria Geral da Republica chumbou a proposta apresentada pela Ordem dos Médicos para definir equipas mínimas de clínicos nas urgências. O documento, apresentado no ano passado, indicava quantos médicos deveria ter cada equipa dos serviços de urgência das diferentes especialidades. Na altura, o Ministério da Saúde considerou a proposta ilegal e pediu um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
A TSF já contactou a Ordem dos Médicos que remeteu para mais tarde um comentário. Já Roque da Cunha, do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) lamenta esta decisão refirmando que o ministério de Marta Temido não tem atuado para resolver a falta de médicos.
"Ao invés de fiscalizar as equipas de urgência que estão abaixo dos mínimos, pondo em risco a saúde dos portugueses, em relação a um regulamento feito por uma ordem profissional, o Ministério da Saúde teve esta iniciativa. Espero, muito sinceramente, que não homologue este parecer", comentou o sindicalista, notando que, administrativamente, a tutela quer tomar esta responsabilidade. Se o fizer, garante Roque da Cunha, "cá estaremos para garantir aos portugueses que não vamos ter aqui políticas economicistas. Não vamos admitir que, por uma questão de incapacidade de fixar os profissionais no SNS, seja colocada em perigo a saúde dos portugueses, particularmente os que recorrem aos serviços de urgência".
"Como médico, confio muito mais na Ordem dos Médicos do que no Ministério da Saúde", afirma ainda.
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A decisão da PGR foi publicada esta quinta-feira em Diário da Republica (DR), e considera a proposta da Ordem dos Médicos ilegal, uma vez que as equipas médicas da urgência do Serviço Nacional de Saúde (SNS) são definidas por regulamento interno de cada hospital, com aprovação do conselho de administração da unidade e homologação da ministra da Saúde.
O parecer da PGR refere ainda que a ministra da Saúde pode recusar a aprovação do regulamento "depois de verificar que as suas normas se revelam ilegais, como, em concreto, sucede".
A Ordem dos Médicos, sublinha, é uma associação pública profissional que se encontra "sujeita ao controlo tutelar de legalidade previsto no artigo 45.º da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, a exercer pela ministra da Saúde, em conformidade com o artigo 158.º do Estatuto da Ordem dos Médicos".
O Conselho Consultivo da PGR considera que o regulamento, a ser definitivamente aprovado, "incorre em incompetência absoluta pois estabelece parâmetros quantitativos e qualitativos que devem presidir à composição das equipas médicas nos serviços de urgência, repartidas por 28 especialidades, determina o conteúdo funcional do chefe de equipa e define os requisitos a serem cumpridos para os médicos em internato de formação especializada viabilizarem a operacionalidade de tais equipas, tudo isto configurando assuntos que exorbitam das atribuições da Ordem dos Médicos".
O facto de estar descrito nas atribuições da OM a tarefa de "regular (...) o exercício da profissão de médico", "não é suficiente para habilitar a OM a definir, de modo unilateral e vinculativo, critérios de organização e funcionamento do Serviço Nacional de Saúde", considera o parecer, acrescentando que a aprovação do regulamento pela Ordem "invadiria atribuições próprias do Estado e das entidades públicas empresariais que administram os hospitais, centros hospitalares e unidades de saúde local do Serviço Nacional de Saúde".
Refere também que a constituição das equipas médicas nos serviços de urgência do SNS é definida pelo regulamento interno de cada unidade de saúde, a aprovar pelo conselho de administração do hospital e a homologar pela ministra da Saúde, "no exercício dos seus poderes de superintendência".
"Além do regulamento interno de cada serviço de urgência, a constituição das equipas médicas no SNS é objeto do Despacho Normativo n.º 11/2002, de 06 de março, e dos regulamentos que o executam, todos eles veiculando uma clara preferência por equipas multidisciplinares de profissionais médicos, em dedicação privilegiada aos serviços de urgência", considera ainda o Conselho Consultivo da PGR.
Pelo contrário, explica, a proposta de regulamento da Ordem dos Médicos visa criar equipas monodisciplinares, "segundo várias proporções entre médicos especialistas e internos, em presença permanente ou de prevenção, segundo critérios demográficos, número de camas e níveis de responsabilidade de cada serviço de urgência".
"Como tal, as suas disposições infringem o Despacho Normativo n.º 11/2002, de 06 de março, e o Despacho n.º 10390/2014, do SEAS, de 25 de julho, incorrendo em violação de lei", diz.
Segundo o parecer, estas disposições violam também o despacho de dezembro de 2006 em que se prevê que o modo de participação da OM na constituição das equipas médicas nos serviços de urgência consiste "na indicação dos níveis assistenciais que tem por convenientes ou desejáveis, o que corresponde ao papel dos regulamentos não jurídicos", como são as diretivas, recomendações, normas de conduta ou manuais de boas práticas.
"O desenvolvimento de princípios e regras deontológicos não pode servir para inculcar entre os profissionais médicos - designadamente, diretores clínicos e diretores de serviços de urgência - a convicção de que o trabalho em equipa multidisciplinar, prestado segundo o modelo atualmente praticado, constitui exercício da profissão eticamente reprovável" considera, acrescentando: "são, simplesmente, normas técnicas, parâmetros quantitativos e qualitativos, cuja aplicação pertence à administração hospitalar e, não, aos médicos".
O dever deontológico de exercer a profissão "em conformidade com as 'leges artis' diz respeito ao ato médico", lembra a PGR, sublinhando que compete a cada profissional prestar os melhores cuidados ao seu alcance e "cumprir as ordens e instruções do superior hierárquico que não cerceiem a sua autonomia ética e técnico-científica (..) nem impliquem a prática de um crime".
"Por isso, a responsabilidade de cada médico é individualmente apreciada, ao prestar serviço em equipas multidisciplinares: forma de organização do trabalho médico que o Código Deontológico não ignora, muito menos condena", frisa o parecer, que considera que, a ser aprovado o regulamento, "as suas normas devem considerar-se nulas".