PGR deve "fazer esclarecimento público". Investigação a Ivo Rosa é "atentado ao Estado de Direito", advogados criticam "silêncio de chumbo"
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A Ordem dos Advogados defende que o procurador-geral da República tem de prestar contas sobre a investigação ao juiz Ivo Rosa. Por outro lado, a Associação Sindical dos Juízes também demonstra preocupação, mas alerta que "os juízes não estão acima da lei". O tema subiu a debate no Fórum TSF, onde advogados classificaram o caso como "um atentado ao Estado de Direito" e uma "completa subversão do regular funcionamento da Justiça", criticando o "silêncio de chumbo" de Amadeu Guerra.
O caso foi tornado público pela CNN Portugal. O juiz Ivo Rosa foi investigado durante três anos pelo Ministério Público, com base numa denúncia anónima que o acusava de corrupção. Apesar de os procuradores admitirem que a denúncia era “inconsistente”, ordenaram que Ivo Rosa fosse seguido, quebraram os sigilos bancário e fiscal do juiz e passaram a pente fino a faturação do telemóvel. Estas diligências decorreram quando Ivo Rosa preparava a decisão instrutória da Operação Marquês.
Ouvido no Fórum TSF, João Massano, bastonário da Ordem dos Advogados, mostra-se preocupado com diversos aspetos deste caso, nomeadamente as escutas telefónicas que se prolongaram no tempo, sem que o visado tenha sabido. Defende também que o Ministério Público e o procurador-geral da República devem explicações.
"A comunicação é essencial e o senhor procurador tem feito essas comunicações, mas era importante haver uma clarificação dos motivos que levam a este tipo de situações. O senhor procurador saberá melhor do que eu, mas é muito importante ter um esclarecimento público, que permita que as pessoas compreendam porque estas situações acontecem. Tenho a certeza que essa é uma preocupação do senhor procurador-geral da República", adianta.
Para o advogado António Garcia Pereira, a investigação ao juiz que enviou José Sócrates para julgamento é "um atentado contra o Estado de Direito". "Trata-se de uma situação gravíssima e que não pode ser silenciada. O primeiro aspeto a realçar é o silêncio ensurdecedor, um silêncio de chumbo do procurador-geral da República, como responsável máximo do Ministério Público, do Conselho Superior do Ministério Público, do Conselho Superior da Magistratura, bem como das habitualmente tão diligentes e apressadas associações sindicais de juízes e procuradores", atira, sublinhando que está em causa "uma completa subversão do regular funcionamento da Justiça e das instituições democráticas, que nos põe a todos em risco".
Por seu lado, Augusto Santos Silva, um dos subscritores do manifesto dos 50, que já pediu esclarecimentos ao Ministério Público sobre esta investigação ao juiz Ivo Rosa, também considera que "é um ataque direto ao Estado de Direito, aos fundamentos do Estado de Direito, em particular a um dos seus pilares, que é a independência, a imparcialidade e a irresponsabilidade dos juízes nas decisões que tomam".
"O que, na minha opinião, ainda é mais escandaloso é o silêncio que se seguiu à divulgação desta notícia anteontem [quarta-feira]. O procurador-geral da República deve explicações, o Conselho de Magistratura deve pronunciar-se, o Presidente da República, que nomeia o procurador-geral por proposta de Governo, tem de se pronunciar porque, neste caso, parece-me evidente que está em causa o regular funcionamento das instituições, o Governo, que é quem propôs o procurador-geral da República e tem também uma ministra da Justiça e o primeiro-ministro, tem também de se pronunciar, os partidos políticos, cujo silêncio também ontem [quinta-feira] foi, como se costuma dizer, ensurdecedor e a comunicação social faz o seu papel e o seu papel deve ser também de escrutinar. É um caso de enorme gravidade", argumenta.
Mónica Quintela, também subscritora do manifesto dos 50, critica o silêncio de Amadeu Guerra: "Isto pode ser visto como um controlo, quase como se fosse uma polícia política, um atentado ao Estado de Direito, tocar naquilo que é sagrado em termos do princípio de separação de poderes para o Estado de Direito democrático. Isso não pode, de maneira nenhuma, acontecer. Um cidadão não pode estar a ser escutado durante três anos, para ver o que ali se encontra. Esta atuação, altamente preocupante, prejudica a imagem da Justiça, a credibilidade e o próprio funcionamento da Justiça. Eu não sei se os juízes hoje não têm medo do Ministério Público", diz.
Na opinião de Teresa Violante, este caso devia provocar um "sobressalto democrático", mas a constitucionalista afirma que a necessidade de explicações por parte do procurador não coloca em causa a autonomia do Ministério Público.
"A minha primeira palavra é de alguma cautela, porque ainda não temos estabelecido o que realmente se passou. Temos notícias de alguma forma pouco explicável, não temos reação oficial até agora. De facto, o que foi noticiado é algo que aponta para um episódio, provavelmente sintoma de atuações mais generalizadas, que deveria suscitar preocupação, para não dizer um sobressalto democrático", considera.
Para a Associação Sindical dos Juízes, o Conselho Superior do Ministério Público deve investigar se todos os procedimentos foram corretamente seguidos nesta investigação ao juiz Ivo Rosa. A secretária-geral, Margarida Rei, encontra motivos de preocupação.
"Os juízes não estão acima da lei, respondem perante ela como qualquer outro cidadão. No entanto, este caso, como noutras situações, tem alguns aspetos preocupantes: a duração da investigação, durou muito tempo - três anos -, recorrendo a meios invasivos de privacidade do investigado, o levantamento do sigilo bancário, o escrutínio da faturação detalhada do telefone", afirma.
Margarida Rei acrescenta outro aspeto "preocupante": "O investigado não foi notificado, como deveria ter sido depois do arquivamento, soube pelos jornais."
A ministra da Justiça já afirmou desconhecer o processo em concreto, mas Rita Alarcão Júdice também referiu que os meios utilizados nas investigações devem ser moderados e proporcionais.
