PGR pede "autonomia financeira", ministra prioriza vítimas e Marcelo diz que é "imperativo nacional" aproveitar "novo ciclo"
O Presidente da República diz que "é indiscutível" que um "novo ciclo" se abriu e pede que "Assembleia da República, Governo e protagonistas judiciários não desperdicem" esta oportunidade
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Toma a palavra a bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro. Num país com 50 anos dedicados à construção da democracia, é preciso defendê-la "em todos os momentos e em todas as circunstâncias". E destaca o papel da advocacia, que é "um pilar fundamental".
“Não podemos deixar hoje de lembrar o ataque que foi feito a esta liberdade da profissão, no último ano, quando se impôs a esta classe uma alteração do seu estatuto profissional que, entre outras alterações, obrigou à criação de um Conselho de Supervisão presidido por um não advogado e abriu a prática de atos próprios da advocacia a não advogados.”
A Ordem dos Advogados existe para "garantir que ninguém sob circunstância alguma possa violar os direitos e garantias dos cidadãos e empresas" de Portugal, colocando-se "ao lado" seja dos imigrantes, seja dos portugueses que "pedem um melhor acesso à Justiça".
E deixa críticas às condições de trabalho dadas a uma classe "altamente qualificada".
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, João Cura Mariano, dá nota das preocupações para o futuro, nomeadamente a "extensa" reforma da Justiça a realizar, "que deve ser feita de múltiplas e nevrálgicas alterações legislativas sectoriais".
Como advogado e também como ministro da Justiça. Aguiar-Branco, agora presidente da Assembleia da República, já assistiu a muitas aberturas de anos judiciais. Com o passar dos anos, "o mundo mudou mesmo, mas o nosso sistema judicial não tanto quanto o necessário". A razão? "Não é por falta de apelos ou de ideias, não é sequer por falta de consenso": vários intervenientes da vida pública concordam, por exemplo, na morosidade, na igualdade no acesso à Justiça em todas as regiões do país e no combate à corrupção "sem ceder a populismo".
"Se o problema é dar o primeiro passo" para uma reforma da Justiça, "permitam-me que seja eu a fazê-lo", declara, referindo que falou recentemente com o presidente do Supremo Tribunal, João Cura Mariano, para juntos convocarem uma reunião de trabalho sobre o futuro da Justiça.
"Gostava que, desta reunião de trabalho, pudéssemos extrair dez propostas simples, dez mudanças com as quais todos concordamos e que possam servir de base para uma revolução cultural na Justiça."
Por fim, a palavra é de Marcelo Rebelo de Sousa. Após os cumprimentos habituais, o Presidente da República diz que "vivemos o termo de um ciclo e o começo de outro".
"Neste virar de ciclo, a Justiça em todas as suas dimensões surge como apelo de valores, necessidade de princípios, consenso possível de convivência social", diz o chefe de Estado.
O Presidente da República diz que a Justiça "passou a ser vivida como escolha de passado e futuro" e diz que há três questões centrais. A primeira são as "novas lideranças", desde a presidência da AR até aos quatro maiores tribunais do país, o que "permite uma oportunidade para escolher mais passado ou mais futuro".
Marcelo recorda a ambição de um "pacto de Justiça" há oito anos que teve "sucesso limitado", falando agora de "passos mais pequenos" para áreas mais específicas.
"Que um novo ciclo se abriu, parece indiscutível. Que essa oportunidade deve ser aproveitada, também. Que o tempo foge e convida a que AR, Governo e protagonistas judiciários não desperdicem correspondem a um imperativo nacional. Se assim for, ganham todos os intervenientes e ganham os portugueses. Ninguém ganha com atraso após atraso", avisa o Presidente da República.
"Foi dada ao país a possibilidade de usufruirmos de fundos comunitários de natureza diversa. Porém, a Procuradoria Geral da República não obteve ganhos significativos ao nível das tecnologias e sistemas de informação, das quais está carenciada, não dispondo de verbas para assegurar a operacionalidade com o CITUS", destaca.
Amadeu Guerra argumenta mesmo que a PGR está dependente da "boa vontade" destas instituições para conseguir funcionar, ficando por isso "condicionada". Espera por isso que esta autonomia financeira seja finalmente concretizada no novo Orçamento do Estado.
“Só a concretização da autonomia financeira da Procuradoria-Geral da República, que se espera seja operacionalizada no orçamento para 2026, permitirá ao Ministério Público gerir, de forma mais criteriosa, as verbas disponibilizadas, sem aumento de encargos para o erário público”, alertou.
Sobre a proteção de dados, o procurador-geral afirmou que a PGR não se pode "conformar" e adiantou que quer o controlo dos servidores que comportam a informação sobre os inquéritos mais mediáticos, sem que isso signifique "qualquer desconfiança concreta".
Considera que tal solução permitira um "controlo rigoroso" no que diz respeito à consulta dos dados dos inquéritos do DCIAP e dos DIAP.
“Não nos podemos conformar com a situação atual e queremos que os inquéritos do DCIAP e dos DIAP, com informação sensível e mediática, estejam sob o nosso controlo e não sob o controlo do IGFEJ, uma entidade que depende do Ministério da Justiça”, assegurou.
Lamentou ainda a falta de magistrados, mas afirma que a falta de oficiais de justiça é neste momento o problema mais grave no setor, já que "limita e muito a celeridade dos processos". Nem o mais recente concurso, que prevê a entrada de 750 destes profissionais, contribui para colmatar as deficiências sentidas, argumenta.
O procurador-geral defende a "criação de uma nova cultura de recuperação de ativos".
A ministra da Justiça, que discursa pela primeira vez na abertura do ano judicial, lembra o nome de Alcinda Cruz, uma mulher de 46 anos, morta à facada pelo marido, em frente aos dois filhos menores.
Assegura que nada do que for dito nesta cerimónia "vai salvar a vida desta mulher, que tinha dois filhos para educar", mas considera que ainda há algo a dizer ao resto da população e, sobretudo, a outras vítimas.
"As palavras bonitas sobre a Justiça já foram todas inventadas e ditas. Encaremos as palavras duras", ditou.
Defende que a violência doméstica não é apenas uma questão familiar. Antes,"é um crime - e dos mais graves - que precisa de ser denunciado, investigado, reprimido e, acima de tudo, evitado".
Afirma que Alcinda Cruz é a "grande ausência e silêncio" na cerimónia desta segunda-feira e aponta que na expressão violência doméstica "há sempre uma referência em falta, que é crime".
A governante nota que as "palavras são capazes de moldar comportamentos" e defende que as "vítimas devem ocupar um lugar cimeiro no sistema judicial", sem se referir apenas às vítimas de violência doméstica.
O crime económico e financeiro deixa "vidas desfeitas" e este tipo de criminalidade é uma "ameaça ao desenvolvimento do Estado", já que lhe tira "direta e indiretamente" recursos, comprometendo a sua credibilidade.
A ministra da Justiça lembra ainda a vigília silenciosa convocada pelos oficiais de justiça, que ocorre durante os discursos no Supremo Tribunal da Justiça. Apesar de considerar que esta é uma "forma legítima de protesto", sublinha que já tiveram "provas de boa-fé do Governo" em resolver problemas da classe, ao verem aumentado o suplemento de recuperação, ao estar em curso a revisão do estatuto profissional e no recrutamento de quase 600 novos profissionais.
"Os funcionários judicias sabem que têm na ministra da Justiça uma aliada", afirmou.
Garante que não é o anúncio de "grandiosos planos estratégicos" que vai resolver os problemas, mas assegura estar comprometida com a sua resolução. Elogia por isso a tramitação eletrónica no processo penal, que "tem um grande impacto nas secretarias dos tribunais" e nota dada entrada de quase sete mil peças. Além do fim do desperdício do papel, salienta o "tempo que se poupa", que permite maior celeridade nos processos judiciais.
Reconhece que a Justiça "tem muitos problemas" e anuncia um projeto-lei que prevê o alargamento do concurso ao Supremo aos magistrados mais jovens, uma regra que vai "colmatar a saída de muitos graduados".
O procurador-geral da República sublinhou esta segunda-feira a importância da "autonomia financeira" da instituição, afirmando que esta é fundamental para haver "maior qualidade e celeridade" no setor da Justiça. Destacou ainda que o maior problema no setor é mesmo a falta de oficiais de justiça e reclama a posse da informação mais sensível.
O Barómetro anual do Ministério da Justiça dá nota negativa aos tribunais. O estudo da Direção-Geral de Políticas de Justiça avalia a qualidade dos tribunais, a partir de 24 indicadores.
O Diário de Notícias revela que, das 24 questões, apenas cinco tiveram opiniões favoráveis, a maioria relacionadas com o juiz, que tem nota positiva pela imparcialidade, clareza na decisão e igualdade de oportunidades ao longo do processo.
O novo ano judicial arranca com um protesto silencioso convocado pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, em frente ao Supremo Tribunal de Justiça. O presidente do sindicato, António Marçal, adianta à TSF que esta greve é uma manifestação contra a proposta de revisão de carreira, apresentada pelo Governo no final do ano passado. Uma proposta que António Marçal considera ser uma "sentença de morte" para a profissão.
“Em 2024, assinámos um acordo preliminar com o Governo que previa que o Governo apresentasse uma proposta de revalorização funcional e salarial da carreira. Passados seis meses, o Governo nada fez e, no final do ano, apresentou uma proposta que mais não é do que um pronúncio ou uma sentença de morte para a carreira, porque não tem um aumento, fala de aumentos de 28 euros. Nós somos a única carreira que somos obrigados a trabalhar depois da hora e não ganhamos um único cêntimo por esse trabalho - sobre isso, nada se diz. Ou seja, significa que nós temos um vencimento de ingresso que cada vez mais se aproxima daquele que é o ordenado mínimo nacional”, explica à TSF António Marçal.
