Piadas ou objetivos impossíveis? Ordem dos Psicólogos lança guia para identificar assédio no trabalho
À TSF, a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos considera que é preciso fazer mais e criar mecanismos de monitorização de eventuais más práticas.
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A Ordem dos Psicólogos lançou esta terça-feira, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, um guia para ajudar a lidar com situações de assédio no trabalho. Segundo um estudo global realizado pela Organização Internacional do Trabalho, citado pela organização, uma em cada cinco pessoas empregadas é afetada por este fenómeno.
Em declarações à TSF, a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, Renata Benavente, explica que é preciso estar atento aos desequilíbrios nas relações de poder: "Quando há uma relação hierárquica, a pessoa que está numa posição superior estará mais propensa a exercer esse tipo de assédio sobre os trabalhadores que estão subordinados."
O assédio no trabalho pode ser de carácter moral ou sexual
"Isso não significa que não existam também problemas dessa natureza entre pessoas que estão no mesmo nível hierárquico", adverte, sublinhando que o assédio no trabalho vai desde palavras a atitudes praticadas com a intenção de humilhar, intimidar ou manipular.
Como reconhecer situações de assédio no trabalho? Ordem dos Psicólogos enuncia:
- Conduta agressiva ou intimidatória;
- Ameaças explícitas à integridade física da pessoa;
- Estabelecer sistematicamente metas e objetivos impossíveis de atingir ou prazos inexequíveis;
- Atribuir sistematicamente funções estranhas ou desadequadas à categoria profissional;
- Não atribuir sistematicamente quaisquer funções ao trabalhador/a;
- Dar sistematicamente instruções de trabalho confusas e imprecisas;
- Apropriar-se sistematicamente de ideias, propostas, projetos e trabalhos sem identificar o/a autor/a das mesmas;
- Desprezar, ignorar ou humilhar, forçando o isolamento da pessoa
- Sonegar sistematicamente informações necessárias ao desempenho das funções ou relativas ao funcionamento da organização, sendo o conteúdo dessas informações facultado aos demais trabalhadores e trabalhadoras;
- Divulgar sistematicamente rumores e comentários maliciosos, críticas reiteradas ou outros conteúdos (imagens, fotografias, etc.) com o propósito de humilhar, ridicularizar ou prejudicar a pessoa;
- Fazer sistematicamente críticas em público;
- Insinuar sistematicamente que a pessoa tem problemas (por exemplo, problemas de familiares ou de saúde mental);
- Transferir a pessoa de setor com a clara intenção de promover o seu isolamento;
- Falar sistematicamente com maus modos ou aos gritos;
- Marcar o número de pausas ou o tempo que a pessoa demora na casa de banho;
- Fazer piadas com conteúdo ofensivo referentes ao sexo, raça, opção sexual ou religiosa, deficiências físicas, saúde etc;
- Comentar sistematicamente a vida pessoal da pessoa;
- Criar sistematicamente situações de stresse, de forma a provocar o descontrolo da pessoa;
- Fazer comentários indesejados, descontextualizados e inapropriados acerca do corpo, roupa ou aparência da pessoa;
- Contactos físicos indesejados e inapropriados.
VEJA O DOCUMENTO "PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE ASSÉDIO NO TRABALHO" NA ÍNTEGRA
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A vice-presidente da Ordem dos Psicólogos nota que a sociedade está cada vez mais atenta e, por isso, se anteriormente as pessoas poderiam "admitir um tom de voz elevado (...), hoje em dia as percebem que isto é inaceitável".
Apesar de muitas organizações já terem códigos de conduta, Renata Benavente considera que é preciso fazer mais e criar, por exemplo, mecanismos de monitorização de eventuais más práticas.
"É preciso não identificar quem faz a denúncia e proteger a pessoa que comunica a situação. Garantir que a pessoa que faz a denúncia não é a prejudicada ou que não há retaliações", explica.
Uma forma de assédio referida no documento e que tem chamado a atenção dos psicólogos, devido às denúncias na Igreja ou no Ensino Superior, é o assédio sexual. No entanto, este pode coexistir com o assédio moral e pode afetar "qualquer pessoa, independente de ser homem ou mulher".
Renata Benavente reconhece que persiste a dúvida se há ou não um aumento efetivo do número de casos no local de trabalho, mas sustenta que o guia tem por base um estudo global da Organização Internacional do Trabalho, publicado em 2022.
Segundo esse mesmo estudo, 17,9% das pessoas afirmam ter sofrido assédio psicológico durante a vida profissional e 8,5% afirmam ter sido vítimas de assédio físico. Os dados mostram ainda que 6,5% relatam ter sido vítimas de assédio sexual.
Em Portugal, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima registou 160 queixas de assédio sexual e assédio moral, um crescimento de 166% em relação a 2019, mas muitos destes casos não são registados de forma oficial.