Pingers: golfinhos destroem redes dos pescadores. Sinais acústicos tentam afastá-los dos barcos
Os pingers, dispositivos acústicos utilizados por alguns barcos em Olhão e Quarteira, transmitem uma onda sonora só audível pelos golfinhos
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Quando se puxa a conversa sobre os golfinhos no porto de pesca de Olhão, não faltam histórias contadas pelos pescadores. Tomé, que andou durante anos a bordo de uma traineira, sabe bem o que estes mamíferos podem fazer às redes dos barcos e à pescaria. “Quando vêm em cardume dão dentadas [nas redes], cada dentada tem quase dois a três metros quadrados!”, exclama o pescador. “Aquilo são brinquedos, são pilhas para fazer cócegas aos peixes”, acrescenta.
“Aquilo” de que fala o pescador Tomé são os pingers, dispositivos acústicos utilizados por alguns barcos em Olhão e Quarteira. Transmitem uma onda sonora só audível pelos golfinhos que, supostamente, os leva a afastar dos barcos. A experimentação partiu do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve, que adquiriu estes dispositivos através de fundos comunitários do Portugal 2020.
O investigador Jorge Gonçalves salienta que, neste caso, a iniciativa foi dirigida aos golfinhos roazes. “São os golfinhos mais possantes que existem no Sado e que por vezes vemos passar na praia”, esclarece. “Esses [dispositivos] são para que eles não comam o que está na rede, nomeadamente as pescadas e os salmonetes, que eles gostam muito”, adianta. “É um projeto dirigido e para proteger os pescadores.”
No entanto, estes aparelhos também são utilizados para dissuadir os golfinhos-comuns, mais pequenos, que gostam de sardinha e têm tendência a dirigir-se às embarcações de pesca do cerco. Por vezes, a sua audácia tem consequências. ”São golfinhos que vivem mais afastados, em grandes grupos, que gostam muito de sardinha e são capturados pela arte do cerco", explica. Em relação a esses, o objetivo é protegê-los e evitar que eles não fiquem enredados nas redes, sem conseguirem libertar-se. Tem acontecido que alguns acabam por morrer afogados. Mesmo quando eles não morrem, é muito difícil retirá-los, numa operação complicada à noite”, adianta o biólogo marinho.
Artur, outro pescador que anda a bordo da traineira Samuelito, conta uma experiência mais positiva sobre estes dispositivos. ”Eles começaram a atacar a rede e eu comecei aos gritos com o meu mestre: 'Põe aquilo dentro de água a ver se faz efeito'”, conta. O primeiro dispositivo não fez, mas quando colocaram o segundo os golfinhos afastaram-se do local.
Apesar de continuarem a ter os aparelhos acústicos a bordo, os pescadores consideram que os golfinhos são mais inteligentes do que a tecnologia e, por vezes, desistem de os usar. Acreditam que os cetáceos já perceberam que o som que ouvem debaixo de água não é nocivo. “Eles andam agitados para comerem o peixe e não ligam a nada”, garante Artur.
Os investigadores admitem que ainda será preciso aperfeiçoar o sistema, embora garantam que são mais eficazes os aparelhos que não têm um som contínuo e disparam o sinal acústico aleatoriamente. De qualquer modo, Jorge Gonçalves garante que na experiência feita a bordo de vários barcos, a taxa de sucesso é grande e, “entre 50 a 70% dos eventos, os golfinhos não morrem”.
Em França, os biólogos marinhos estão já a desenvolver sinalizadores acústicos que pretendem utilizar a própria linguagem dos golfinhos para os avisar do perigo das redes.