"Pobreza energética e baixa eficiência." Proteger-se do calor dentro de casa pode ser pior
À TSF, Carlos Santos Silva explica que a antiguidade das casas e as condições socioeconómicas da população limitam as possibilidades de melhorar a eficiência energética.
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Ficar dentro de casa, em muitas zonas do país, pode não ser a melhor solução para as pessoas se protegerem do calor extremo. Carlos Santos Silva, professor do Instituto Superior Técnico e coordenador do projeto "Clima Extremo", lamenta a "pobreza energética" e a "baixa condição de eficiência das casas" em Portugal.
"A população tende a ficar dentro de casa, mas as casas, devido à pobreza energética que afeta o território nacional, baixa condição de eficiência das casas, etc, às vezes não são o melhor sítio para ficar. As casas têm inércia térmica, depende da forma como são feitas e, portanto, às vezes elas próprias estão a acumular calor durante vários dias e chegam a uma condição em que elas próprias dentro de casa estão a uma temperatura um bocadinho mais alta do que no exterior", explica à TSF o professor do Instituto Superior Técnico.
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O projeto "Clima Extremo" lançou um portal na internet em que, com base nas previsões meteorológicas, os dados da mortalidade associada às temperaturas nos vários municípios do país e as características de construção dos edifícios, apresenta as previsões a 5 dias dentro e fora de casa.
Além disso, revela quais são as freguesias onde as populações estão mais vulneráveis, tendo em conta também as condições socioeconómicas: "É um acumular de situações. A construção pode ser fraca e depois a pessoa não tem condição económica ou para comprar ou adquirir o equipamento de ar condicionado, ou mesmo que, por acaso, até tivesse, provavelmente podem não ter dinheiro para usar de forma contínua. Portanto, é a combinação das situações e, por isso, é importante avaliar também a condição socioeconómica dos locais."
Durante esta semana, vários municípios atingiram valores recorde de temperatura exterior. Num dos municípios onde há maior índice de risco e maior vulnerabilidade, não se podia estar dentro de casa. Em Mértola, a temperatura interior nalgumas habitações ultrapassou os 38°C.
"A partir de Leiria para dentro estava o país todo pintado, digamos assim, no indicador máximo, a vermelho. Mértola, Albufeira, Alcoutim. Havia muitos municípios ali no sudeste do país que tinham níveis elevados. Mas também Valpaços, onde eu estou neste momento, estava com temperaturas exteriores à volta de 33°C, dentro de casas. Tinha Mirandela, Montalegre. Aqui também em Trás-os-Montes vários municípios com temperaturas interiores bastante acima dos 30°C", indica Carlos Santos Silva.
Mas não é só nesses municípios que pode haver problemas. Em Lisboa também acontece: "Por exemplo, freguesias do Beato, Graça, etc. São zonas mais antigas e, portanto, dentro da própria cidade, há freguesias onde por via quer da construção, quer pelos indicadores socioeconómicos, são diferenciados. O Restelo costuma ter risco menos elevado."
O investigador alerta que os episódios de mortalidade não acontecem logo nesses dias, mas nos seguintes.
"O excesso de mortalidade associada a ondas de calor surge de uma série de dias de maior desidratação, problemas de respiração, etc. Ao fim de um conjunto de dias, as pessoas começam a ter falências cardíacas, respiratórias", esclarece.
E dá um exemplo recente: "Apesar de o pico de temperatura ter sido esta quarta-feira, há já mais de uma semana que se acumulavam situações de temperaturas bastante elevadas e, portanto, as casas, ao longo desse tempo, foram acumulando energia, temperatura e, mesmo agora que a temperatura baixou um bocadinho hoje, durante mais dois ou três dias vão verificar-se temperaturas ainda elevadas."
Para evitar estas mortes, foi criado o portal "Clima Extremo", no qual qualquer cidadão pode inscrever-se e receber os alertas.
Carlos Santos Silva explica que as diferenças das características das habitações entre regiões e datas de construção são importantes para chegar a um resultado.
"Um edifício de 1960 em Valpaços tem características diferentes em Lisboa ou Mértola. Portanto, temos isso tudo em consideração e, no fundo, o que é representado no site é o arquétipo mais comum. Baseado nos dados do INE, nós conseguimos estimar qual é a percentagem de habitações no município com mais percentagem de construção de 1960, de 1970 e por aí fora", garante o coordenador do projeto.