Polícias e serviços de informações europeus reforçam segurança da JMJ
Corpo do artigo
A recente intervenção cirúrgica do Papa Francisco tem efeitos difíceis de medir no planeamento de segurança da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Com receio de que o Papa não esteja presente, muitos peregrinos estarão a atrasar a inscrição, causando maior imprevisibilidade quanto ao real número de pessoas a considerar. Nada que preocupe Paulo Vizeu Pinheiro, que na qualidade de secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) tem em mãos a megaoperação do maior evento de que há memória no país. O Serviço de Informações de Segurança (SIS) tem vindo a avaliar as ameaças, desde terrorismo a discursos de ódio nas redes, e já foram detetados riscos de redes de imigração ilegal associadas ao evento.
A Jornada Mundial da Juventude vai ser a maior movimentação de pessoas de que há memória no país. A mês e meio do evento, o plano de segurança deixa-o tranquilo?
Deixa-me tranquilo na medida em que está a ser elaborado pelas nossas forças e serviços de segurança, as entidades de emergência e proteção civil, todo um conjunto de autarquias. São mais de 30 entidades e todas elas contribuem com o seu saber, a sua experiência, e nesse aspeto o trabalho tem vindo a progredir de forma muito segura. Há um esforço muito grande para que todas as peças deste enorme puzzle estejam efetivamente bem colocadas e bem desenhadas.
O plano está já bastante avançado ou há ainda muito a finalizar?
Em meados de julho é quando já teremos dados mais fiáveis, quer de programas e eventuais visitas de altas entidades, quer todas as previsões de participantes. Neste momento temos aproximadamente 260 e tal mil inscritos, e por extrapolação estamos a apontar para 700 mil, num cenário mais conservador, ou um milhão e 200 mil.
Já excluiu, como se admitia até há pouco, que pudesse até ultrapassar um milhão e meio?
Pode ultrapassar, porque o processo de inscrição ainda não está concluído. Não queremos fechar o planeamento sem ter a extrapolação mais perto, cientificamente mais comprovada. Neste momento as leituras podem ser mais conservadoras, de 1 para 2, portanto por cada 250 mil mais 2 que vêm são 750 mil. Em Espanha foi uma progressão de 1 inscrito mais 3 que não estavam inscritos. Eu acho que houve aqui o efeito da questão da saúde do Papa e prevemos para os últimos dois/três dias uma reação: o Papa está, vamos lá ver o Papa. E nesta Europa fora teremos provavelmente muitas deslocações que não estão previstas, e essas são difíceis de calibrar. Há todo um planeamento que está a ser feito com base num princípio de stress, o stress máximo. Trabalhamos sempre com base na previsão mais difícil. O que estamos neste momento a fazer é verificação de toda a configuração dos eventos, os passos, podemos ter a garantia da segurança estática e a segurança dinâmica. Obviamente há aqui também um processo de avaliação de ameaças e de riscos que acontecem em todas as deslocações do Santo Padre, mas também ameaças e riscos para um evento de que não há memória. Um megaevento implica uma megaoperação.
Com que regularidade têm decorrido as reuniões de preparação?
As reuniões têm decorrido diariamente. Já fizemos desde junho, faz agora um ano, quase 160 reuniões de coordenação no âmbito do Sistema de Segurança Interna (SSI). E temos reuniões diárias já há muitos meses. As entidades são da mais diversa natureza, mas obviamente que as forças de segurança, a PSP e a GNR, vão ter aqui uma parte muito importante. Com muitos efetivos envolvidos, com alguma plasticidade na colocação dos efetivos, porque aqui a questão principal é sempre mobilidade, mobilidade, mobilidade.
A PSP será reforçada com mais três mil agentes fora do Comando de Lisboa. Os agentes escalados estão identificados e todos os recursos assegurados?
Para já estão todos os recursos em levantamento e a sua afetação está feita. Estamos a ultimar os planos a nível setorial para depois fazermos um anúncio do plano global de segurança. Esse anúncio tem de ter lugar no tempo certo, em meados de julho. Porquê até lá? Porque temos de obter todos os dados, as previsões mais seguras do plano de ameaças e de riscos, de vulnerabilidades. A previsão de fluxos de peregrinos, de participantes, de turistas. É preciso não esquecer que a primeira semana de agosto é uma semana particularmente intensa. Temos não só os participantes na jornada, mas também os imigrantes que chegam nessa semana e no final de julho. E será, como sabemos infelizmente, uma época dos incêndios.
Há reforços do estrangeiro?
Sim, claro que há. No SSI o que fazemos é a articulação e a coordenação de todos. Depois deixamos que cada um trabalhe dentro das suas competências na área operacional e tática e nas suas contribuições.
Que tipos de reforços são esses?
Reforços europeus há dois níveis. A PSP e a GNR têm programas especiais de cooperação com outras entidades, com a Gendarmerie francesa, com os Carabinieri, com a Guardia Civil de Espanha e com outros países que utilizam esses protocolos para que venham também polícias ou guardas desses países europeus. Elementos fardados dessas outras forças congéneres e parceiras que fazem duas coisas: basicamente ajudam no policiamento de proximidade e são facilitadores do diálogo dos cidadãos que vêm desses países, como da Espanha, da França, da Itália. Outra componente é de sistema de informações, de intelligence. Temos uma cooperação muito estreita com o SIRP, com o SIED, com o SIS, e através de todos os seus congéneres de intelligence. A segurança nacional, a vanguarda, começa com os sistemas de informações, que são serviços de Estado e levam muito tempo a montar e a rolar, digamos assim. Para além disso, temos o sistema de cooperação transfronteiriça com Espanha, como os Centros de Coordenação Policial e Aduaneira. A Europol e a Interpol vão reforçar as suas equipas em Lisboa. O máximo de cooperação policial é muito importante, porque nos permite mitigar riscos, como por exemplo os que estão associados quer ao terrorismo quer ao aproveitamento dos grandes eventos para a imigração ilegal, para o contrabando, para um conjunto de riscos.
Como se fará no terreno a articulação entre entidades?
Vai ser montado para a Jornada um Centro de Coordenação e Controlo Estratégico, que chamo a sala das salas de situação, que irá articular com os comandos operacionais e com os comandos táticos das forças e serviços de segurança, que por sua vez têm os seus comandos operacionais e estarão articulados a nível superior com este centro de coordenação.
Os técnicos do INEM afirmam que o plano de saúde da Jornada não é exequível. Teme que possa haver dificuldades nesta vertente de saúde e proteção civil?
Temos vindo a trabalhar com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e com o INEM, dentro dos sistemas integrados de operações de socorro e também do sistema integrado de emergência médica. Não tenho nenhuma informação que aponte no sentido de alguma insuficiência. Todo o planeamento está a ser feito, os meios postos à disposição, as preocupações levantadas de acessos, de equipamentos de emergência, os hospitais afetos, tudo isto já está identificado.
Neste último ano de preparação, identificaram algum momento ou movimento estranho?
A uma dada altura, mas não querendo aqui falar de nenhuma geografia especial, detetámos um interesse muito grande, em termos numéricos, de uma certa geografia vir participar...
Está a falar nos pedidos de inscrições, muito concentrados numa nacionalidade.
Mas depois veio a verificar-se que quando se passava para a concretização, com viagens marcadas e pagamento de inscrições, o número foi um balão que se esvaziou.
Mas estamos a falar de situações em que as pessoas poderão aproveitar o pretexto da inscrição para entrarem para fins de trabalho, por exemplo?
Sim, os números levantavam algumas dúvidas, se não seria algum tipo de organização que estaria por trás de apoio à imigração ilegal, eventualmente tráfico de pessoas, aproveitar as jornadas para uma forma de entrada no espaço Schengen.
Mas o terrorismo é com certeza uma grande preocupação.
O SIS tem feito a avaliação de ameaça regularmente. Portugal tem uma grande experiência na organização de grandes eventos. Tivemos aqui a Cimeira da NATO, visitas do Santo Padre, em junho, já aqui comigo no SSI, tivemos a grande Conferência das Nações Unidas para os Oceanos, que implicou um esforço tremendo de articulação, porque as Nações Unidas pediram a transferência de soberania na área policial no Altice Arena. Tivemos de trabalhar com a Polícia das Nações Unidas no Altice Arena e decorria ao mesmo tempo o Fórum Económico do Banco Central Europeu, com altas entidades a visitar Portugal, e um dos maiores exercícios da NATO em Beja.
Foi solicitada a reposição de alguns controlos fronteiriços. Qual o nível de intensidade dessas ações ou que riscos estão identificados?
Ainda estamos no campo da proposta apresentada ao Governo, consensualizada pelas forças de segurança. Não posso adiantar muitos detalhes. O que está proposto não é um encerramento de fronteiras. Nem vai dificultar a cooperação transfronteiriça ou a atividade transfronteiriça. Preveem-se alguns milhares de autocarros, largos milhares de automóveis e não vamos fazer nenhumas medidas que ponham em causa a própria festa da Jornada Mundial de Juventude. Fronteiras encerradas? Não. Reposição de controlos? Sim. E serão seletivos, não serão sistemáticos. A concentração do esforço será feita em função daquilo que tivermos necessidade de fazer, determinada pelo que vier dos serviços de inteligência estrangeiros.
A mobilidade é uma preocupação?
A nossa preocupação é não haver nenhum estrangulamento, embora seja de prever que haja alguns condicionamentos de trânsito, mas a preocupação das autoridades é garantir a segurança através de um trabalho muito seletivo, muito cirúrgico. Obviamente, isso vai implicar os chamados PPA, pontos de passagem autorizados. Esse já é a área operacional em que eu não posso entrar, porque vai depois ser determinada pelo Governo. Quando falo em ameaças e riscos, é toda a gama de ameaças e riscos, incluindo fenómenos de perturbações psíquicas e de surtos psicóticos que muitas vezes se inscrevem no terrorismo, as redes sociais, o discurso do ódio, etc., aproveitem a jornada para manifestações, perfeitamente legítimas desde que não sejam violentas e não ponham em causa a segurança nos participantes. Todos estes aspetos são olhados ao milímetro, eu diria com lupa e lente alargada.
O incidente no gabinete de Galamba "não ajuda à imagem do SIS"
Os gabinetes nacionais da Europol e da Interpol passaram para a alçada do Sistema de Segurança Interna. Ganhou-se alguma eficiência na distribuição de processos, como na altura alegou?
A integração dos gabinetes nacionais, Unidade Nacional da Europol e Gabinete Nacional da Interpol, era uma recomendação Schengen, se não estou em erro de 2012, nas avaliações que fizeram em Portugal. O que ganha é o facto de ter participação dos outros órgãos de polícia criminal, que estão mais envolvidos na cooperação da Interpol e da Europol, sob coordenação dos quadros da Polícia Judiciária.
A grande questão com essa alteração foi o risco, apontado pela Oposição, de instrumentalização política. O caso recente da intervenção do SIS na recuperação do computador do ex-adjunto do ministro das Infraestruturas adensa esta suspeita em relação a eventuais intromissões do Governo em matérias de segurança?
Duas notas. Uma rápida para dizer que o SSI é um sistema de interagências, isto é, a tutela que tenho não é vertical. A Polícia Judiciária tem uma tutela vertical, é o ministro da Justiça. PSP e GNR, a tutela é o ministro da Administração Interna. A Autoridade Tributária é o ministro das Finanças. A ASAE é o ministro da Economia e do Mar. A Autoridade Marítima, a Polícia Marítima, o Ministério da Defesa Nacional. E poderia ir por aí fora. A minha tutela é uma tutela horizontal. E, portanto, eu sou a pessoa mais vigiada. O secretário-geral do Sistema de Segurança Interna é a pessoa mais vigiada, porque nenhuma das forças de segurança, nem a Procuradoria-Geral da República, me deixaria pisar em ramo verde. Antes de o primeiro-ministro me nomear, fui auditado pela Assembleia da República, numa sessão na comissão dos Direitos, Liberdades e Garantias. Essa foi uma extensa audição, coisa que não acontece com os diretores nacionais.
E em relação ao SIS?
Quanto ao SIS, sobre este episódio eu não me vou pronunciar, porque já muito se falou nas instâncias próprias, há um Conselho de Fiscalização que emana da Assembleia da República, que tem essas funções de fiscalização. O SIS ainda está a fazer muita espuma, mas o que eu posso dizer é o seguinte: trabalho com o SIS, fui subdiretor nos Sistemas de Informações Estratégicas e Defesa, e fui um dos arquitetos do SIRP, do Sistema de Informações da República, um dos promotores desse modelo. Esse modelo foi feito, precisamente, por causa da necessidade de um consenso nacional entre os partidos do arco da governação. É muito importante esta noção de que o SIS é um serviço indispensável à segurança nacional, à defesa dos nossos interesses - quem diz o SIS, diz o SIED, Sistema de Informações Estratégicas e Defesa. A informação do SIS é muito minuciosa, é fundamental para a segurança do país.
Esta questão pública fragiliza a imagem do SIS, sim ou não?
Eu acho que não ajuda à imagem, porque não corresponde sequer à realidade. Conheço os diretores, conheço a minha colega, a secretária-geral, a embaixadora Graça Mira Gomes, posso dizer que são pessoas que nunca irão fazer nenhum jogo partidário, nem nenhum jogo de interesses. Têm a preocupação permanente do interesse comum. E esses são os dados que eu tenho. São serviços essenciais ao Estado, à nossa segurança, e espero que possam ser tratados enquanto tal.
Com a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que vai ocorrer em outubro, vai ficar alocada ao SSI uma parte das competências, a Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros. Essa transição já está a ser preparada ou só após a Jornada Mundial da Juventude?
Já está a ser preparada e, aliás, já estava a ser de alguma forma acompanhada ainda antes de ter entrado em vigor todo este pacote legislativo.
Mas está a aproveitar-se também este momento para um cruzamento de entidades?
Tudo isto, obviamente, é um grande sobre-esforço em termos de Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, mas eu costumo dizer que tudo se transforma, nada se perde. O que não se vai perder são os conhecimentos, as competências e as capacidades do SEF, que vão para as várias entidades, quer de investigação criminal, quer de administração de estrangeiros, de acolhimento de migração, de asilo e de proteção temporária, quer ainda aquilo que é propriamente dito o controlo fronteiriço. O sistema ganha dimensão, nesse aspeto. A Polícia Judiciária vai receber muitos quadros. É preciso não esquecer que, por exemplo, na investigação dos crimes de imigração ilegal ou de auxílio e crimes conexos, o SEF fazia a sua investigação, mas também a PJ fazia. Havia uma sobreposição.
Em relação à sua estrutura em concreto, já sabe de quantos elementos vai dispor?
Neste momento, estamos a trabalhar com um núcleo pequeno que está a montar gradualmente a estrutura. Estamos a concluir um processo de avaliação Schengen a Portugal e a coordenação desse trabalho está a ser feita por uma task force que é presidida por mim e tem uma participação dos gabinetes ministeriais e das entidades mais relevantes a nível de diretores nacionais, responsáveis máximos. Portanto, criaram-se também aqui sinergias que ajudam a que esta futura Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros não seja, para nós, terra incógnita.
Num momento inicial, de transição e de adaptação dos serviços, esta dispersão de competências poderá aumentar os riscos em crimes ligados à imigração irregular ou ao tráfico de pessoas?
Desde junho do ano passado que a PSP está a trabalhar com o SEF nas fronteiras aeroportuárias, a trabalhar e a dar formação. E a GNR nas fronteiras marítimas e terrestres, com equipas que foram reforçar, para o verão IATA, as equipas do SEF e desde essa altura estiveram sempre nas fronteiras. Essa formação continua a fazer-se e vai continuar no próximo ano com todos os supervisores e inspetores do SEF nas fronteiras, dando esta formação contínua aos seus colegas da PSP e da GNR e passando a mesma coisa à parte da investigação.
Não poderá perder-se experiência na investigação de casos como o da Academia Bsports?
É uma pergunta que deveria ser mais dirigida para as tutelas ministeriais, eu não sou tutela ministerial nem da Polícia Judiciária, nem do SEF.
Mas tem a visão global do sistema.
A minha visão, naquilo que é a interação da PJ, do SEF, da PSP e da GNR no sistema de segurança interna, é muito positiva. A transição das pastas está a ter lugar, a integração das pessoas, o acolhimento, a distribuição. Obviamente é preciso ter presente o papel do Ministério Público e da Procuradoria-Geral da República, que distribuem os processos de investigação. Mas há todo um acervo de conhecimento e experiência, de um lado e do outro, que não se vai perder. O SEF foi ganhando ao longo das décadas um conjunto de competências, e bem, mas não teve um crescimento de quadros e de efetivos correspondente às tarefas que foi ganhando. Ao fazer esta reestruturação, o que se recupera é esta dimensão para exercer na plenitude as suas funções.
