"Portugal não pode ser o país do ódio." Bairro Horta da Areia trabalha com comunidade cigana e tenta mudar mentalidades
Maria Augusta Casaca
As crianças e as mulheres ciganas são um dos grandes propósitos do Centro Comunitário do Bairro Horta da Areia, criado em 1998. O bairro de emergência social surgiu muito antes, nos anos 70 do século XX, destinado a alojar os portugueses regressados das ex-colónias. Mas o que era provisório, rapidamente se tornou definitivo. Naquelas casas abarracadas, muitas construídas com chapas de zinco, vive hoje essencialmente uma população cigana e também outros cidadãos em situação de pobreza. O bairro fica para lá da linha de caminho de ferro, junto ao porto comercial de Faro, um território geográfica e socialmente excluído da restante malha urbana da cidade.
A Fundação Vítor Reis Morais, que gere esta resposta social, tenta envolver aquela comunidade de quase 200 pessoas em projetos que façam diferença nas suas vidas. Tenta igualmente mudar mentalidades e, por isso, começou por envolver as mulheres ciganas num projeto de teatro e dança. Marta foi uma das que participou. "Fizemos coisas que nunca aprendemos, para mim foi um passatempo e uma forma de dar liberdade à mulher", diz, em declarações à TSF.
Numa comunidade marcadamente machista, onde o papel da mulher cigana não foge muito de cuidar da casa e dos filhos, Marta sentiu-se por uns dias realizada e feliz. "Foi tão bom, tão bom, nem sei explicar", relata. Agarrado às suas saias, tem o filho mais pequeno. Com 28 anos, já é mãe de três filhos, com um quarto a caminho. "Tenho uma casa só com um quarto, os meus filhos dormem na sala em colchões no chão", descreve. "A casa é muito fria, há muita osga, muito rato, é muita miséria isto aqui", lamenta.

A falta de condições das casas é a agrura de todos os que ali vivem. "Em qualquer época eleitoral contamos aqui com todos os partidos políticos, que vêm dar uma volta ao bairro", afirma Miguel Andrade. Este membro do conselho de administração da Fundação Vítor Reis Morais relata que, fartos de promessas, os moradores confrontam-nos. "Muito bem, vocês prometem-nos as casas, mas o seu ex-colega também já fez o mesmo e ainda vivemos na barraca", conta.
Para levar aquela população a participar em projetos conjuntos, David Fernandes, diretor técnico do Centro Comunitário da Horta da Areia, lembra as inúmeras atividades que fazem, desde limpezas da Ria Formosa, visitas ao Teatro Lethes ou jogos de futebol com outras equipas. No interior do Centro Comunitário está exposta uma mostra com figuras de mulheres ciganas, em que cada uma delas se retratou. Ângela escreveu: 'Eu quero, eu mando, eu posso.'
"Este projeto tem a ver com o empoderamento feminino, dar a estas mulheres uma voz e força para continuarem a lutar pelos seus direitos", acentua.
Não muito longe do Bairro da Horta da Areia situa-se a escola EB 2,3 Joaquim Magalhães. É o estabelecimento de ensino que acolhe as crianças daquela comunidade cigana. A coordenadora, a professora Ilda Carepa, admite que o maior desafio é o combate ao absentismo dos jovens. Para trazer mais algum dinheiro para casa, muitos acompanham os pais na apanha do marisco e faltam à escola.

"Em particular, os rapazes vão à escola porque têm um objetivo: tirar a carta", afirma. No caso das meninas é ainda mais complicado. "As raparigas não praticam educação física por causa do toque, do corpo, de questões culturais e de honra", conta. As condições das casas também não ajudam ao sucesso escolar.
"Eles nem têm espaço para trazer as coisas e fazer o trabalho de casa", lamenta.
Esta escola adotou, por isso, estratégias para envolver os jovens. Às quartas-feiras têm um projeto em que colegas e professores os acompanham na apanha do marisco. Sempre que há uma festa na escola, por exemplo, as raparigas são também convidadas a mostrar as suas danças ciganas.

A inclusão destas pessoas em vários projetos fez José Carlos Mota deslocar-se até ao bairro. O professor na Universidade de Aveiro escreveu o livro "A Participação Cívica em Portugal", apoiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, e quis apresentá-lo neste local. "Quando os assuntos interessam, quando as pessoas são ouvidas e o seu contributo valorizado, as pessoas participam", considera.
O investigador defende um olhar mais humano sobre as situações de pobreza.
"Não podemos deixar que o nosso país seja o país do ódio, da indiferença e da discriminação. Nós podemos ser muito melhores do que isto", acentua.
